Faço do meu jeito, dando o melhor de mim. E isso ficou claro para as pessoas
Adriana Calcanhotto, cantora e compositora
Não foi de larga memória o primeiro encontro entre Gal Costa (1945-2022) e Adriana Calcanhotto. No início dos anos 1990, pelo que a gaúcha se lembra, ela foi ao camarim conhecer Gal logo após um show no Canecão. “Fiquei muito tímida, só olhando pro chão. Ela também, não teve conversa.”
Algum tempo depois, passaram o réveillon juntas. Na época, havia pessoas em comum trabalhando nas equipes das duas. Adriana foi para a casa de Gal e, na hora dos fogos da meia-noite, a anfitriã, debruçada na sacada do apartamento, gritou: “Daqui a sete anos é o ano 2000!”
Naquela época, a baiana ainda não havia gravado canções da gaúcha, então no começo da carreira. “Esquadros”, um dos sucessos iniciais de Adriana, só entrou no repertório de Gal anos depois: fez parte do álbum “Aquele frevo axé” (1998). A segunda gravação, “Livre do amor”, viria duas décadas mais tarde em “A pele do futuro” (2018), quando elas já tinham relação bem mais próxima.
Gal fazia a turnê “As várias pontas de uma estrela” quando morreu, em 9 de novembro do ano passado. Marcus Preto, produtor e diretor artístico da cantora na última década, fez o convite a Adriana para um show homenagem à baiana.
Neste domingo (7/5), Adriana traz a Belo Horizonte “Gal: Coisas sagradas permanecem”, tributo a uma das maiores vozes da música brasileira. A apresentação única, no Minascentro, integra pequena temporada. Serão apenas sete shows: três já realizados, em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba, e outros três, além de BH, por vir: São Paulo, Santos e Salvador.
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O tributo começou em 27 de abril, na cidade de Adriana, e termina em 14 de maio, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, na Salvador de Gal. Na impossibilidade de novas apresentações, “Coisas sagradas permanecem”, verso tirado de “Recanto escuro” (canção de Caetano Veloso gravada por Gal em 2011), deverá ser gravado para ser lançado posteriormente.
Quando Adriana recebeu o convite de Marcus Preto, ouviu dele duas coisas: “Uma era de que Gal e eu tínhamos uma coisa parecida, gravávamos todo o tipo de compositores, dos mais sofisticados aos mais populares. Disse que isso não era coincidência, que tinha aprendido justamente com ela. Ele também afirmou que a Gal gostava muito de mim. Eu também dela. Daí, aceitei.”
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Adriana está no palco com a banda de Gal: Limma (teclados), Fabio Sá (baixo) e Vitor Cabral (bateria e percussões), que estavam ao lado da baiana em “As várias pontas de uma estrela”. Completa o time o guitarrista Pedro Sá (guitarra e violão), que trabalhou com a cantora na turnê “A pele do futuro”.
O repertório foi definido por Adriana e Preto. “Ele tinha a lista dele, eu a minha. Foi muito difícil, ainda mais porque ela tem gravações definitivas. Daí o Marcus veio com um critério muito interessante: começamos escolhendo canções escritas para ela, como 'Recanto escuro', 'Caras e bocas' (Caetano e Bethânia) e 'Meu nome é Gal' (Roberto e Erasmo). Isso acabou nos ajudando.”
O produtor também escolheu as duas de Adriana gravadas por Gal. Depois, o repertório de duas dezenas de canções foi se completando com músicas importantes tanto para Gal quanto para Adriana.
“'Volta', que ela gravou, me fez olhar Lupicínio Rodrigues de outra forma. 'Só louco' (Dorival Caymmi) é do meu primeiro contato com ela. Me lembro da minha avó assistindo à novela 'O casarão', logo entrava a voz da Gal cantando. Esta vem da minha memória afetiva.”
Adriana diz que ficou aberta a qualquer sugestão. “Tem duas do Moraes (Moreira, “Dê um rolê” e “Bloco do prazer”, a primeira parceria com Galvão e a segunda com Fausto Nilo), que era pilar importante na trajetória dela. Fiquei com pena da partida dele, de não ter podido se despedir”, comenta. O músico baiano morreu de infarto em abril de 2020, na fase inicial da pandemia.
Omar Salomão, filho de Waly, é responsável pelo cenário do show. “Vapor barato”, parceria de Waly com Jards Macalé eternizada pela baiana no antológico “Fa-Tal – Gal a todo vapor” (1972), também está no repertório, assim como “Baby” (Caetano), “Negro amor” (Bob Dylan em versão e Péricles Cavalcante e Caetano), “Folhetim” (Chico Buarque) e “Um dia de domingo” (Sullivan e Massadas).
Outra dinâmica
Adriana não pretendeu, em momento algum, personificar Gal. “Faço do meu jeito, dando o melhor de mim. E isso ficou claro para as pessoas. Estou tocando com a banda dela, mas os músicos não estão fazendo exatamente como era com ela. É outra dinâmica.”
Para participar do projeto, Adriana teve de concatenar esta turnê com o lançamento de seu novo trabalho, há um mês.
“Errante”, o 13º álbum da gaúcha, reúne 11 faixas inéditas e é um disco de banda: o time principal conta com Alberto Continentino (baixo e piano), Davi Moraes (guitarra e violão) e Domenico Lancellotti (bateria e percussão). Há também sopros (Diogo Gomes, Jorge Continentino e Marlon Sette), um contraponto e tanto ao álbum anterior, “Só”, composto e gravado em casa, lançado no primeiro ano da pandemia.
Dez dias após encerrar a temporada de “Coisas sagradas permanecem”, Adriana estreia em 24 de maio, em Coimbra, Portugal, a turnê de “Errante”. Dois meses depois, o show chega ao Brasil, estreando em Porto Alegre. “Para aceitar o convite, tive que organizar a agenda, pois daria para fazer ao mesmo tempo.”
Último encontro na 'Arca'
A última vez em que Adriana e Gal se encontraram foi há 10 anos, quando a baiana participou do álbum “A arca de Noé” (2013), nova versão para o clássico álbum infantil de 1980 composto por Vinicius de Moraes. O projeto foi concebido por Suzana de Moraes, filha do poeta, com quem a gaúcha foi casada por mais de duas décadas (ficaram juntas até a morte dela, em 2015).
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“A Suzana me pediu para acompanhar a gravação de Gal de 'As borboletas'. Depois disso, só a vi no palco quando Gal abriu a edição de 2014 da Festa Literária de Paraty (Flip), com o show 'Recanto'”, relembra.
“Gal era ousada, se entregava sempre que chamava alguém como Caetano, Waly e Gerald Thomas para dirigi-la”, afirma Adriana, ao ser perguntada sobre a performance que faz em cena. Durante a execução de “Dê um rolê”, ela deixa os seios à mostra, referência ao gesto de Gal em 1994.
Na época, então dirigida por Gerald Thomas, ela estreava o show “O sorriso do gato de Alice”. Quando interpretava “Brasil”, de Cazuza, deixava a camisa aberta com os seios aparecendo. Causou polêmica no país de outrora.
Na estreia de “Coisas sagradas permanecem” em Porto Alegre, no final de abril, Adriana foi aplaudidíssima ao refazer a performance. “Estou completamente de boas com isso. É como diz a música: 'Eu sou amor da cabeça aos pés'.”
“GAL: COISAS SAGRADAS PERMANECEM”
• Show de Adriana Calcanhotto.
• Neste domingo (7/5), às 20h, no Minascentro (Avenida Augusto de Lima, 785, Centro).
• Neste domingo (7/5), às 20h, no Minascentro (Avenida Augusto de Lima, 785, Centro).
• Plateia 1: R$ 250 (inteira) e R$ 125 (meia-entrada). Plateia 2A: R$ 230 e R$ 115 (meia). Plateia 2B: R$ 50 e R$ 25 (meia). Ingressos à venda na bilheteria e no site Sympla.
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