Em cena, Simone, coincidentemente ou não, faz referências a ídolos da MPB. Como Bethânia, pisa o palco descalça. Como Roberto Carlos, distribui rosas ao fim da apresentação – as dela são brancas e disputadíssimas pelos fãs, que se engalfinham em busca do mimo. Como Chico Buarque, volta ao cartaz só de tempos em tempos.





Assim como Bethânia, Chico e o Rei, a baiana conquista o público com interpretações ora sedutoras, ora bem-humoradas. E sempre apaixonadas.

Foi assim no último sábado (6/5), durante o único show da turnê “Tô voltando” em BH, que marca os 50 anos de carreira da baiana. O quinto de uma agenda que, por enquanto, terá mais cinco apresentações: Curitiba, Recife, Natal e São Paulo.

Corte de 27 canções

Em entrevista por e-mail, ela diz que, no início, havia mais de 50 músicas “que não poderiam faltar” no repertório da turnê. “São muitos discos, o repertório é muito bonito, mas o show tem tempo limitado, não queria que passasse muito de uma hora e meia. Então, cortamos para 23, o que passa bem de uma hora e meia”, explica.





• Veja Simone cantando "Tô que tô"

 

Dona de discografia de 37 álbuns, a estreia dela ocorreu com “Simone”, em 1973. O disco mais recente é “Da gente”, lançado em 2022.


O corte, reconhece Simone, eliminou canções lindíssimas. “(Marcus) Preto (diretor-geral do show) diz que as preferidas dele ficaram de fora. Algumas das minhas também. Mas é show de 50 anos de carreira, então ele precisa refletir essa história toda, passar pelas várias fases vividas por mim nos discos e nos palcos. Os arranjos recuperam as versões originais das canções”, explica.

Ficaram firmes no roteiro “Sangrando”, de Gonzaguinha; “O que será (À flor da pele)” e “Sob medida”, de Chico Buarque; e “Boca em brasa”, de Juliano Holanda e Zélia Duncan, gravada no disco do ano passado.




 
• Leia também: Simone reuniu compositores nordestinos, como ela, no disco 'Da gente', lançado em 2022

Quando as cortinas se abriram, pontualmente às 21h, o público foi à loucura, com aplausos, gritos e todos os adjetivos para enaltecer a cantora. Claro, alguns passaram do limite, talvez pela emoção de um encontro que demorou muito para ocorrer. Por vezes, o barulho “atravessou” palavras das canções. Mas nada incomodou tanto a estrela quanto o acessório nos pés. A tal ponto que Simone preferiu retirar a joia formada por filamentos que cobriam o dorso do pé.

Bituca: só emoção

Os momentos mais emocionantes foram marcados por “Encontros e despedidas”, de Fernando Brant e Milton Nascimento, e “Cigarra”, canção de Milton e Ronaldo Bastos. Aliás, Bituca está cada vez mais próximo de Simone, não só pela admiração dela por ele. Augusto Nascimento, filho de Milton, coordena a carreira da cantora.

Bituca, de certa forma, ajudou a amiga a enfrentar a COVID-19. Seguindo os protocolos sanitários, Simone embarcou na onda das lives. “O que me salvou durante a pandemia foi o contato com o público e meus fãs. Lembrava-me sempre de 'o artista tem que ir aonde público está' (sic), do Bituca”, diz, referindo-se ao verso de “Nos bailes da vida”, de Fernando Brant e Milton Nascimento.




• Simone interpreta "Sangue e pudins" no Palácio das Artes
 

Foram exatas 37 transmissões on-line, nas quais revisitou canções de todos os seus discos. Apesar de fãs conhecerem todo o repertório, ainda assim foram surpreendidos com a inclusão de “Sangue e pudins”, de Fagner e Abel Silva, gravada no álbum homônimo lançado em 1978. No palco, Simone estava acompanhada pelo mineiro Frederico Heliodoro (baixo), Filipe Coimbra (guitarra e violão), Chico Lira (teclados), Ronaldo Silva (bateria) e André Siqueira (percussão).

A turnê começou em abril, em Juiz de Fora. A escolha obedeceu à relação afetiva de Simone com a cidade mineira onde morou Suely Costa, que morreu em março. A compositora carioca é autora de “Alma” e “Jura secreta”, parcerias com Abel Silva e sucessos na voz da baiana.

Tios da cantora também moraram na cidade mineira. Mas não é só isso. Para ela, Minas tem público muito simpático e acolhedor. “É sempre uma ótima experiência, uma festa”, diz. No Palácio das Artes, os fãs receberam Simone calorosamente. Quando ela distribuiu rosas, foi uma loucura. Todos queriam levar uma flor para casa.




Vinis e autógrafo

Depois da apresentação, com as cortinas fechadas e luzes da plateia acesas, fãs carregavam vinis, raridades de encher os olhos de qualquer colecionador. Tudo na esperança de conseguir um autógrafo da “Cigarra”, o que acabou não ocorrendo.

Diante de duas recentes despedidas mineiras – do Skank e o próprio Milton Nascimento –, ela diz que a ideia não passa por sua cabeça: “Adoro o que faço, amo cantar.” Para quem não conseguiu ingressos para o show, a boa notícia é a possibilidade de registro audiovisual do espetáculo. Até lá, Simone, como diz a canção que abriu a noite de sábado, continua fazendo jus a seu famoso refrão, “eu tô que tô”.
 

Simone diz que o mercado musical se transformou profundamente, mas as grandes composições são o alicerce do intérprete. 'Isso não há tecnologia que vá mudar', avisa

(foto: Guilherme Leite/divulgação)
 

ENTREVISTA

Simone: “‘Tô voltando’ representa este novo tempo”

São 74 anos de idade, 50 de carreira e uma mulher que chama a atenção pelo porte físico, a beleza e a presença, especialmente em 37 lives durante a pandemia. Como é a sua relação com o corpo?
Sou assumida com a minha idade, uma pessoa muito simples. Minha alimentação é superlegal, nunca fui de comer fritura, não gosto de gordura. O esporte foi essencial para mim. Fui atleta, nunca fui sedentária, sou ligada no 220.





“Tô voltando” é o primeiro show depois de muitos anos sem turnês. O que a trouxe novamente aos palcos?
“Tô voltando” é um retorno tão bom das coisas boas... Representa este novo tempo que estamos vivendo agora, e também o resgate de músicas que não cantava há muito tempo, como é o caso de “Sangue e pudins” e outras. Estou com muito tesão fazendo a turnê de 50 anos de carreira. Olho para a minha trajetória, para o que a vida me proporcionou com o meu trabalho, com minha dedicação e com a minha música, com um carinho enorme.

Em seus 50 anos de carreira, o mercado mudou várias vezes. Como você vê essas transformações?
Muita coisa mudou... O jeito de fazer música, a tecnologia, o estilo. É tudo bem diferente de quando eu comecei. Mas tem coisas que não mudam: se você quer abraçar uma carreira, você precisa de extrema dedicação e cuidado em tudo o que faz. E precisa sempre de grandes composições. Elas são o alicerce principal do trabalho de qualquer intérprete. Isso não há tecnologia que vá mudar.

Você pensa em transformar o show “Tô voltando” em CD ou DVD?
Sim, estamos pensando em um registro audiovisual.

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