SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Quando fui presa estávamos em plena ditadura barra-pesada. Eu estava grávida e, como boa hippie, não fazia uso de qualquer droga na ocasião. Ou seja, no meu caso a coisa foi 'plantada' mesmo", disse Rita Lee em entrevista à Folha de S.Paulo em 1997.

 

A cantora e compositora, morta nesta segunda-feira aos 75 anos, se referia ao episódio ocorrido em setembro de 1976, quando foi presa sob acusações de portar maconha na casa em que vivia na Vila Mariana, em São Paulo.

 

Rita tinha 28 anos e estava grávida de três meses de Beto, seu primeiro filho com o músico Roberto de Carvalho. Durante os oito dias em que ficou em cárcere, ela recebeu visita de Elis Regina -que confrontou os policiais a respeito da aparência abatida da cantora- e escreveu uma carta ao parceiro, na qual dizia-se em paz com os possíveis parto na prisão e o término da relação.

 

 


Mas ela, no fim das contas, cumpriu pena em prisão domiciliar. O juiz da 20ª Vara Criminal também a sentenciou a pagar uma multa no valor de 50 salários mínimos. Rita nunca mudou sua versão da história -a cantora sempre afirmou que a maconha encontrada em sua casa fora plantada pela polícia, pois ela estava grávida e, por isso, tinha deixado de consumir drogas.

 

Para a artista, tudo não passava de uma encenação para corroborar a guerra às drogas durante o período militar.

 

"O julgamento dela foi histórico", diz José Carlos Dias, advogado da cantora, em entrevista à Folha de S.Paulo. "O tribunal teve uma posição muito corajosa ao absolvê-la, entendendo que a invasão da casa dela era mais grave que os restos de maconha de existência nunca comprovada."

 

O advogado, que afirma ter representado mais de 500 perseguidos políticos, diz considerar Rita um deles, "pois com sua música maravilhosa ela enfrentou a ditadura corajosamente". "Eu a coloco como uma cliente política".

 

Ele conta ter se tornado advogado da artista em 2012, outra ocasião em que ela foi presa. Em janeiro daquele ano, ela confrontou policiais militares durante um show -o último de sua carreira- em Barra dos Coqueiros, região metropolitana de Aracaju. Em meio à plateia, eles abordavam fãs agressivamente e os revistavam em busca de drogas.

 

Enfurecida, ela os confrontou, xingando de "cavalos" e "cachorros". Ao pé do palco, eles se uniram formando uma espécie de parede humana diante da cantora.

"Eu sou do tempo da ditadura. Vocês pensam que eu tenho medo?", ela reagiu. "Esse show é meu, as pessoas estão me esperando cantar. Não a gracinha de vocês. [Tudo isso] Por causa de um 'baseadinho'? Cadê o baseadinho para eu fumar aqui agora?"

 

Rita e Roberto foram presos por desacato à autoridade e apologia ao crime.

 

Ela foi processada, em ações cíveis, por mais de 30 policiais militares, sob acusações de danos morais, e pagou R$ 40 mil ao Fundo Municipal da Criança e Adolescente da Barra dos Coqueiros, assim cumprindo um acordo com o Ministério Público de Sergipe para preservar-se de uma abertura de processo criminal.

 

Embora Rita tenha chegado a pagar indenizações a alguns policiais, as ações foram todas arquivadas, afirma Dias.

 

"Tivemos uma relação de respeito e nos tornamos amigos", diz o advogado. "A morte dela é uma perda política, porque ela foi presa em razão da maneira que se colocava na sociedade."