O anúncio veio pouco antes das onze da manhã de ontem. Rita Lee havia morrido no fim da noite de segunda-feira (8/5), em casa, em São Paulo, cercada “de todo o amor de sua família, como sempre desejou”, afirmou o comunicado oficial. Rádios, jornais, TVs, portais, redes sociais, quase que em uníssono, anunciaram a morte da “Rainha do rock”.
“Cafona”, Rita Lee, onde quer que esteja agora, deve ter pensado. Em vez de rainha, disse ao jornalista Guilherme Samora em entrevista publicada em novembro de 2022 na revista Rolling Stone, preferia ser chamada de “padroeira da liberdade”.
Rita Lee esteve conosco por 75 anos – 60 deles na música, a partir das Teenage Singers, seu primeiro grupo. Foi livre o tempo todo, mesmo quando não havia liberdade. Os versos “As pessoas da sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer”, de “Panis et circenses” (Caetano e Gil), crítica à acomodação da sociedade perante a ditadura militar, não teriam a mesma força não fosse a voz dela no registro definitivo dos Mutantes (1968).
Quando o casamento com Arnaldo Baptista azedou, Rita levou um pé na bunda – deixou os Mutantes pela porta dos fundos. Sem olhar para trás, voltou à ativa com sua própria banda, Tutti Frutti (1973). Com o segundo marido e companheiro de toda a vida, Roberto de Carvalho, formou, a partir de 1979, uma das maiores parcerias da música popular brasileira.
A roqueira virou gente grande, ídolo pop mesmo, por meio de canções como “Caso sério”, “Doce vampiro”, “Mania de você” e “Lança perfume”. Rita mostrou para as mulheres que prazer sem amor também era possível; que “sexo frágil” nunca fugia à luta. Mas tampouco se preocupou em carregar bandeiras – sua única luta, sempre afirmou, foi pelos direitos dos animais.
Rita foi livre até para sair do palco, prematuramente, aos 64 anos, em 2012. Deixou os shows, não a vida pública, que continuou semeando por meio dos livros e da onipresença digital. A “malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica” (palavras dela), se tornou uma senhora “meditante e careta”.
Mas nunca perdeu a verve. Nomeou de “Jair” o câncer diagnosticado em 2021. Sobre ele (o tumor, não a figura que gerou o apelido), falará em seu novo livro, “Outra autobiografia”, com lançamento previsto para 22 deste mês.
“Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”, Rita escreveu em março, quando foi anunciado o novo livro. “A vida é curta, e eu, grossa”, é um dos melhores tweets da nossa padroeira.
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