Esperar pelo grande amor, pela mudança de emprego, para ganhar mais dinheiro, para conseguir comprar a casa própria. O ser humano, de maneira geral, vive de grandes esperas – a maioria delas não dá em nada, sejamos realistas.
“Sou muito antimessiânico, não gosto de ficar esperando uma coisa que não vem. Temos que fazer acontecer.” Este é José Celso Martinez Corrêa, do alto de seus 86 anos, o mais importante encenador teatral do Brasil em atividade. Apenas ele, dizem seus atores, poderia mexer em um cânone. “Esperando Godot” (1952), principal obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), em montagem do Teatro Oficina, traz uma virada na parte final. Mas o texto integral está em cena, vale dizer.
“A gente faz, de alguma forma, um ‘desesperando’ Godot. Isso tem a ver com a história de ou você faz alguma coisa, ou você dança”, afirma o ator Ricardo Bittencourt, intérprete de Pozzo, palhaço tragicômico que cruza o caminho da dupla Vladimir (Alexandre Borges) e Estragão (Marcelo Drummond), os palhaços vagabundos que esperam por alguém que nunca virá.
Pandemia
Primeira montagem do Oficina durante a pandemia, “Esperando Godot” será apresentada de hoje (12/5) a domingo (14/5), no Sesc Palladium. Esta versão, a segunda do texto de Samuel Beckett que Zé Celso dirige (a primeira foi 20 anos atrás, no Rio de Janeiro), estreou no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 30 de abril de 2022, o dia dos 85 anos dele. Houve uma segunda temporada, no próprio Oficina, também no ano passado.A vinda a Belo Horizonte representa um desafio: pela primeira vez, a peça será encenada no palco italiano. O elenco chegou à cidade no início da semana para os ajustes – Zé Celso apenas ontem, no fim da tarde, para acompanhar o ensaio geral.
Ele estará na plateia nesta sexta-feira à noite, retornando a São Paulo amanhã. Terá a companhia de pataxós, grupos de congado e de integrantes do Mães da Favela, programa da Central Única das Favelas (Cufa).
Alexandre Borges se aproximou da Cufa durante a crise sanitária – esteve inclusive em BH, no ano passado, visitando os pataxós. “Como haverá distribuição de cestas básicas, vamos trazer todos para assistir à peça”, conta o ator.
Em essência, “Esperando Godot” é um espetáculo muito simples. Estragão e Vladimir se encontram no fim do mundo, na encruzilhada entre a paralisia e a tomada da ação. Enquanto esperam Godot, que nem sequer sabem quem ou o que é, se encontram com Pozzo e Felizardo (o Lucky do texto original, agora rebatizado, é interpretado por Roderick Himeros). O Mensageiro (Tony Reis) trará a notícia final que mudará a todos.
“É uma peça atípica do Oficina, que sempre tem uma multidão no elenco. Mas como estávamos retomando depois da pandemia, tivemos de fazer algo reduzido. O Oficina sempre trabalha para cima (no espaço-sede projetado por Lina Bo Bardi, sem palco, o lugar da cena é como uma rua estreita e comprida, com arquibancadas laterais). Aqui, será outro ângulo. Então, estamos reaprendendo a fazer isso. Agora, só vamos descobrir de fato com o público”, diz Marcelo Drummond.
Conexão com a plateia
Mesmo que “Godot” não tenha o “carnaval” típico das criações de Zé Celso – que veio à cidade pela última vez em 2016, no mesmo Sesc Palladium, durante a Virada Cultural, com a peça “Para dar um fim no juízo de Deus” –, haverá alguma interação com o público, em especial com o Felizardo de Roderick.
“Mas como é uma peça que fala muito da solidão, a troca que existe é entre a solidão da plateia e dos personagens. É importante a pessoa (o público) se sentir também à espera”, comenta Borges.
O ator retorna a uma montagem do Oficina 30 anos depois de sua estreia com o grupo, em “Ham-Let” (1993), que também marcou a abertura do espaço-sede tal como é hoje, no bairro Bela Vista. Na época, Borges interpretou o rei Cláudio, tio de Hamlet, papel de Drummond.
“O Oficina mudou meu jeito no palco, foi uma virada muito grande. Eu vinha de outro grupo, Boi Voador, de origem mais cerebral. O Zé joga a gente, te põe na roda. E ‘Esperando Godot’ sempre me fascinou. Sempre achei que ia fazer a peça, desde que vi o texto pela primeira vez num filme (francês, de 1989, dirigido por Walter D. Asmus), em que o (Roman) Polanski fazia o Lucky. Tem peças e personagens que a gente sente que ainda vai fazer”, afirma Borges.
Qual o sentido de montar “Godot” hoje? O elenco tem múltiplas respostas. “Faz sentido montá-la em qualquer momento. Quando estreamos (há um ano), era o momento político de esperar aquele negócio cair (o governo Bolsonaro) para vir outra coisa. Mas também não depende de uma situação política. É humano mesmo. Hoje, andando, encontro um monte de gente nas ruas esperando algo. São vidas e vidas que vão indo sem nada acontecer de fato”, comenta Drummond.
Destruição do mundo
Borges observa que quando o texto foi lançado, a Europa vivia o período pós-2ª Guerra. “O Beckett pegou essa coisa no ar, da total destruição do mundo, e escreveu uma peça barata, simples, com cinco atores praticamente esfarrapados em uma eterna espera absurda. E o quanto é absurda a nossa vida no século 21, com Guerra da Ucrânia, a quantidade de sem teto em todas as cidades do Brasil depois da pandemia, dinheiro sendo desviado, pessoas invadindo escolas para matar crianças. Se a gente quiser enxergar, as coisas estão aí e vêm para realçar o absurdo da nossa existência.”
Roderick chama a atenção para a inteligência de Zé Celso ao lidar com esta montagem. “Minha personagem, o Felizardo, é como um servo de sua dupla (o Pozzo). Ele tem só uma fala no espetáculo, um grande monólogo. Diz que mesmo com os progressos da ciência, da alimentação, as pessoas estão definhando. O personagem entra em cena usando a mala do iFood. Isso mostra como, em um trabalho, a pessoa se destrói para atender os desejos das minorias. Ou seja, a peça não fica no pós-guerra, o Zé a colocou no agora, mas sem precisar mudar o texto, apenas fazendo isso no jogo entre os atores e na concepção das personagens”, finaliza o ator.
Indígenas no novo espetáculo
Os atores têm vontade de levar o espetáculo para outras cidades mas, por ora, “Esperando Godot” será apresentada somente em BH. Zé Celso já tem outra montagem na manga para o Oficina. Está terminando de adaptar “A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami”, calhamaço de mais de 700 páginas de Davi Kopenawa e Bruce Albert. “Depois de terminar a montagem do texto, vamos dar início à parte mais difícil, pois parte do elenco será indígena. Branco, só tem garimpeiro, missionário e funcionário da Funai. Temos que encontrar bons atores (indígenas) para fazer Kopenawa e os outros”, comenta Zé Celso. A montagem será dirigida por ele e Roderick Himeros.
“Esperando Godot”
Com Teatro Oficina. Direção de José Celso Martinez Corrêa. Nesta sexta (12/5) e sábado (13/5), às 20h, e domingo (14/5), às 18h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Plateia 1: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia). Plateia 2: R$ 100 e R$ 50. Plateia 3: R$ 80 e R$ 40. Ingressos à venda na bilheteria e no site sympla.com.br. Duração: três horas e 30 minutos, com intervalo de 15 minutos.
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