Rita Lee morreu, deixando o Brasil órfão de seu alto astral. No entanto, a figura da cantora, compositora e escritora, com aqueles cabelos, óculos e roupas coloridas, “permanece” em pleno sertão mineiro. A Rainha do Rock tem uma “sósia” em Montes Claros, no Norte do estado: a professora e escritora Karla Celene Campos, de 62 anos.
“Na adolescência, ainda com cabelos na cor de mel original, ouvi de uma tia que parecia muito com a Rita Lee. Essa semelhança também foi notada por outras pessoas, mesmo antes de eu mesma percebê-la. Não só na aparência física, mas no espírito livre de ser”, diz Karla Celene.
A mineira tem orgulho de ser chamada de “Rita Lee do Sertão”. “Amo minhas raízes. Sou sertão. Ser Rita Lee do Sertão é elogio em dose dupla: pela mulher e pelo espaço físico e mítico”, diz a professora e escritora nascida em Francisco Sá, a 42 quilômetros de Montes Claros.
Karla Celene é casada com o professor Roberto Pinto Fonseca – outra “conexão” dela com a estrela d'Os Mutantes, cujo viúvo se chama Roberto. No caso, o compositor e instrumentista Roberto de Carvalho, de 70 anos.
A mineira diz que se descobriu “alma gêmea de Rita Lee” na década de 1970. “Ela aconteceu em mim no auge de sua carreira, pós-Mutantes, pós-Tropicália e pós-Tutti-Frutti, no período em que fez o Brasil inteiro cantar suas canções em parceria com Roberto de Carvalho”, diz Karla.
“No auge da minha juventude, eu fazia faculdade (de jornalismo) em Belo Horizonte, morava em república e sonhava com um mundo melhor. Daí ela surge e se encaixa direitinho naquilo que eu queria”, relata.
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A Rita Lee do Sertão se diz muito influenciada pela compositora de “Ovelha negra” e “Lança perfume”. “Caramba! Que mulher colorida, iluminada, bem-humorada, dona de si. Esse jeito de ser dela alimentou o meu próprio jeito de ser”, afirma Karla, elogiando o “o jeito libertário, a arte, o talento, a inteligência, o brilho e a irreverência” da estrela paulistana. “Tudo isso é traduzido não só nas canções, mas também nos livros que ela escreveu. Li todos.”
Fotos com fãs
Karla Celene foi confundida com a “ídola” várias vezes. “Algumas divertidas, outras emocionantes, apenas uma desagradável”, relembra. “Pessoas de diversas gerações já se aproximaram de mim para pedir: 'Faça uma foto comigo'. Queriam mostrar que estavam ao lado de uma Rita Lee.”
Uma dessas vezes está registrada no livro “Kalimera”, uma espécie de diário poético de bordo que Karla escreveu sobre suas viagens à Alemanha, Turquia e Grécia com duas amigas. A mineira estava no restaurante de um navio no Mar Egeu, entre as ilhas gregas, quando o garçom, “num belo português”, afirmou: “Suspenderam os jardins da Babilônia”. Aquele brasileiro trocou Pernambuco pela Grécia, se chamava Félix e era fã de Rita Lee.
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Numa feira de gastronomia em BH, Karla ouviu, na mesa ao lado, uma pessoa dizer: “É ela”. E a outra rebater: “Não. Parece, mas não é”. O telefone tocou e a amiga avisou: “É o Roberto, seu marido.” Foi o que bastou.
“A pessoa ao lado escutou e comentou, triunfante: 'Não falei?'”, diverte-se a sósia. O vizinho de mesa achou que ela conversava com Roberto de Carvalho.
Em fevereiro deste ano, em Búzios, um guia turístico, pensando estar frente a frente com a estrela do Rock, ficou emocionado. Karla conta que ele a abraçou, beijou e disse que a amava.
Ovação no bar
Outro episódio ocorreu em um bar na cidade de São Thomé das Letras, no Sul de Minas. “Havia música ao vivo. A cantora me olhou e começou a cantar 'Ovelha negra'. As pessoas me olharam, se levantaram e gritavam: “Rita Lee! Rita Lee! Naquele instante, chorei, por pensar que estava a colher louros que não eram meus, enquanto a verdadeira Rita não poderia mais, por causa da doença, estar onde eu estava. Agradeci a Deus por ter saúde para estar ali... Nem me passava pela cabeça que ela partiria dias depois”, afirma Karla.
A mineira conta que a única “situação desagradável” que enfrentou ocorreu numa viagem a Mucugê, na Bahia. “Entrei numa loja de artesanato, a proprietária se aproximou e me pediu para sair, dizendo-me: 'Artistas não são bem-vindos aqui'. Não argumentei, simplesmente saí, imaginando que se fosse a verdadeira Rita Lee ali, aquela senhora ouviria poucas e boas.”
A morte da cantora deixou sentimento de perda, mas de maneira especial. “É uma tristeza iluminada, colorida por causa da certeza de sua imortalidade. Sua arte permanecerá. Seu nome, suas letras, seus ritmos continuarão, sem que o tempo consiga apagá-los. Se Rita foi estrela, agora Rita é duplamente estrela”, afirma.
O Brasil está de luto, “mas longe de ser uma tristeza feia, sem cor”, diz a Rita do Sertão. “Tristeza pela constatação da finitude de todos nós; pela falta que ela fará como o ícone que foi, na luta pela libertação da mulher. Tristeza pela perda de alguém que retratou a coragem de ser como quis, com capacidade de expor sua arte e mudar o mundo de um jeito autêntico, sem bajulações ou hipocrisias.”
Na segunda-feira passada (8/5), dia em que foi anunciada a morte de Rita, Karla caminhava por uma avenida de Montes Claros, quando ouviu de um motorista que passava ali: “Uai, não morreu?”.
Karla ficou arrepiada e não falou nada. Mas a resposta seria: “Não, meu senhor. Rita Lee apenas encantou. Ela continua aqui por conta de seu legado e talento musical. Rita Lee é eterna.”