Atriz Olivia Colman com expressão triste durante o filme A filha perdida

Dilemas da maternidade vividos pela personagem da atriz Olivia Colman se destacam no filme "A filha perdida", inspirado no romance homônimo de Elena Ferrante

Netflix/divulgação

Damiana só queria ter uma vida melhor na cidade grande. Em sua ingenuidade, a jovem do interior não sabia que se tornaria máquina de fazer bebês. Logo ela, que nunca quis ser mãe. Mas os frutos do seu ventre tampouco lhe pertenciam. Barriga de aluguel por falta de opção, mais tarde decide, por vontade própria, continuar na atividade. E conquista a independência, sem vitimismo.

“Como se fosse um monstro” (Alfaguara), segundo romance da escritora goiana Fabiane Guimarães, acompanha a história de duas mulheres: Damiana, já na velhice, que, de volta ao interior de onde nasceu, relata sua trajetória para Gabriela, jornalista que acabou de interromper a gravidez. O encontro entre as duas será determinante para ambas.

Compra e venda no Facebook

A formação jornalística foi essencial para que Fabiane Guimarães, que hoje se dedica somente à ficção, chegasse ao tema do livro. Há alguns anos, reportagem da BBC sobre barriga de aluguel chamou a atenção dela.

 

“No Brasil, como é proibido (o pagamento pela gestação), existe o mercado paralelo. A matéria falava sobre esse submundo, principalmente via Facebook, em que mulheres se alugam informalmente”, conta.


Mesmo que o ponto de partida tenha sido um fato, o livro é ficcional. “Uma coisa que tirei de uma situação verdadeira foi a história da moça invisível, aquela que ajuda a outra a fazer aborto”, continua Fabiane.
 
Escritora Fabiane Guimarães olha para a câmera

Em sua literatura, Fabiane Guimarães defende o direito reprodutivo

Alexia Fidalgo/divulgação
 

A história é ambientada entre os anos 1980 e 1990. Damiana deixa o interior de Goiás para trabalhar em Brasília como empregada doméstica. É levada pela prima, moça bem mais experiente do que ela. Começa a trabalhar para um casal que tinha dinâmica própria. O tempo passa e ela passa a conviver com jovens entrevistadas pela dupla a portas fechadas. Algum tempo depois, ouve dos patrões a proposta que mudaria sua vida.

Na conversa íntima com Gabriela, Damiana conta como se tornou uma das barrigas mais produtivas de sua época. Fala também sobre a rede clandestina que existe no Brasil.

“Não gosto de usar a palavra, pois acho que livro nenhum tem de passar mensagem. Mas a grande questão do romance é o direito da mulher de escolher o que fazer com o próprio corpo”, acrescenta Fabiane, que está grávida da primeira filha, Isabel. Durante o processo de escritura do livro, a autora passou por um tratamento de fertilidade.

“Decidi escrever sobre a maternidade de um ponto de vista atípico. Não é porque se tem útero que a mulher tem de ser mãe. É uma escolha da mulher, acredito muito no direito reprodutivo. Tenho amigas que escolheram não serem mães de nenhuma forma, e para mim isso é normal”, afirma.

Longe da autonomia

De acordo com ela, ainda há grande dificuldade para entender que a mulher tem autonomia sobre seu próprio corpo. “Neste sentido, Damiana está à frente do seu tempo”, comenta a escritora.

Fabiane Guimarães afirma que agora a ficção tem se dedicado de forma mais intensa à maternidade.

“De dois anos para cá, vários livros foram lançados. Inclusive esse foi o assunto do momento da Feira de Londres, em abril”, diz ela, destacando, entre os títulos recentes, os romances “A filha única”, da mexicana Guadalupe Nettel, e “Departamento de especulação”, da americana Jenny Offill (ambos publicados pela Todavia no Brasil).

“O primeiro (romance) é meio que irmão do meu, pois trata da questão de não ter filhos. O segundo é sobre a mãe que precisa abandonar suas pretensões artísticas. Que bom que o tema está sendo bem tratado, pois ninguém vai escrever melhor do que a gente”, diz, referindo-se à autoria feminina.
 
 
Com a gravidez caminhando para o sexto mês, Fabiane afirma que deve escrever, na ficção, sobre a experiência da maternidade.

“Claro que a experiência muda completamente a vida, mas escrevi sobre gravidez antes de ficar grávida. Desde então, muitas coisas aconteceram comigo. Mas vou escrever sobre isso somente no futuro. Agora, escrevo sobre outros temas, outras obsessões”, finaliza.
 

Ilustração de figura feminina na capa do livro Como se fosse um monstro

Ilustração de figura feminina na capa do livro Como se fosse um monstro

Alfaguara/reprodução
“COMO SE FOSSE UM MONSTRO”

• De Fabiane Guimarães
• Alfaguara
• 160 páginas
• R$ 54,90 (livro)
• R$ 29,90 (e-book)

Escritora Jazmina Barrera olha para a câmera

Escritora Jazmina Barrera diz que cada parto é "uma história épica"

Rodrigo Jardon/divulgação

Gravidez abalou o mundo de Jazmina

Linea nigra, em latim, linha nigra, como se fala no Brasil, é a marca vertical de cor escura que surge no meio da barriga das mulheres durante a gravidez. É também o título do ensaio que marca a estreia da escritora mexicana Jazmina Barrera no país.

Grávida de seu primeiro filho, Jazmina começou a fazer o que chama de “diário íntimo” das transformações pela qual a cabeça e o corpo passavam no período.

“Um terremoto e a doença de minha mãe mudaram o curso do livro. Além disso, iniciei um arquivo de referências literárias e artísticas de mulheres que também trabalharam a gravidez, o parto e a lactação. Em certo momento, resolvi compartilhar tudo isso com um livro”, afirma.
 
“Linea nigra” (Moinhos) compila memórias e observações de um longo processo que começou com a descoberta da gravidez até a chegada do filho.

A autora estabelece conexões entre sua gravidez e elementos da natureza – eclipses e tremores –, como também com a obra de criadoras que, por meio da pintura, da fotografia ou da literatura, encontraram uma linguagem própria para falar das próprias vidas. Entre elas estão Mary Shelley, Frida Kahlo, Tina Modotti, Virginia Woolf, Simone de Beauvoir, Alice Munro e Margaret Atwood.

“A maternidade transforma tudo ao seu redor: a relação com o próprio corpo, a família, o companheiro, as amizades, a profissão, o tempo livre. Tudo é abalado. Minha visão do mundo mudou radicalmente desde que me tornei mãe, agora vejo com quatro olhos”, acrescenta Jazmina, que também reuniu no livro a bibliografia de todos os títulos que leu enquanto escrevia.

Seu filho tem 4 anos. E Jazmina não terá outro. “Se tivesse, seria um livro diferente, porque cada gravidez, cada parto, é uma história épica e única atravessada por fatores biológicos, culturais, históricos, econômicos e pessoais. Não há duas maternidades iguais”, conclui a escritora.

Capa do livro Linea negra

Capa do livro Linea negra

Moinhos/Reprodução
“LINEA NIGRA”

• De Jazmina Barrera
• Tradução de Silvia Massimini Felix
• Editora Moinhos
• 144 páginas
• R$ 49,50