Quando os jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo decidiram escrever um livro sobre Rosângela Lula da Silva, a Janja, esbarraram em muitas negativas de entrevistas e em certa dificuldade de conseguir informações. A dupla não desistiu.





Depois de lançar “Todas as mulheres dos presidentes”, em 2019, Ciça e Murilo acharam que a mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva merecia um livro próprio. “Desde 'Todas as mulheres dos presidentes' a gente ficou prestando muita atenção a tudo o que se referia a primeiras-damas”, explica Ciça.

“Quando Lula foi solto, começamos a prestar atenção na Janja. No começo, ela teve atuação mais tímida, mas quando veio a pré-campanha, ela começou a ter um desempenho muito diferente das mulheres de outros presidentes. A gente viu que não dava para esperar.”


Urgência

Havia, Murilo acredita, uma urgência em publicar “Janja – A militante que se tornou primeira-dama”, que não é uma biografia e está mais para perfil biográfico.




“Nossa preocupação era responder à pergunta 'quem é Janja?'. Não é biografia, porque o capítulo principal da vida dela está sendo escrito agora”, explica.

“Queríamos contar quem era a Janja até chegar ao cargo atual. A expectativa é que, pela forma como se coloca, ela possa cumprir o que anunciou pouco antes de assumir os compromissos de combate à violência doméstica, à fome, ao racismo”, diz o autor.

O livro traz algumas curiosidades, como detalhes do início da relação entre Janja e Lula, em 2017. Depois do jogo do Politheama com o time do MST, ao qual Janja havia comparecido para tietar Chico Buarque, Lula pediu o telefone da socióloga.

O recorte escolhido pelos autores foi delimitar o perfil a partir da filiação de Janja ao PT, em 1987. Como muitas fontes próximas à primeira-dama se recusaram a dar entrevistas, Ciça e Murilo colheram boa parte das informações nas próprias publicações da socióloga nas redes sociais e em matérias publicadas na imprensa.




Amigos

O livro conta com alguns poucos depoimentos de amigos, como Roberto Baggio, coordenador do MST, que ajudou a organizar a vigília para Lula durante seus 580 dias de prisão, e Regiane do Carmo Santos, que cedeu a casa para preparar a comida dos militantes acampados em frente à Polícia Federal, em Curitiba, onde Lula esteve preso.
A intenção dos autores é jogar luz sobre a personagem que pode ter papel importante na cena política nacional.

“A última grande primeira-dama que tivemos foi Ruth Cardoso. Então, a expectativa é de que Janja tenha papel relevante no novo governo. O que nos surpreende é a capacidade dela de atuar na política do dia a dia. Ela tem uma história político partidária que nenhuma outra primeira-dama teve, e isso vem sendo revelado desde a campanha. Com Lula, ela construiu o discurso do amor contra o ódio. Janja tem papel importantíssimo na construção desse discurso”, garante Murilo Fiuza de Melo.

O presidente Lula e Janja em comemoração da posse do petista, em Brasília, em 1º de janeiro

(foto: Caio Guatelli/AFP)

DISCRETA, ATUANTE E INFLUENTE

Janja discordou do ministro da Defesa, José Múcio, e foi contra a possibilidade de o Exército atuar via GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na contenção dos golpistas que depredaram as sedes dos três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro.




 
A primeira-dama estava ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando o petista falou ao telefone e ouviu do ministro a sugestão. A primeira-dama reagiu: “GLO não, GLO é golpe, é golpe”. Lula decidiu decretar intervenção na segurança do Distrito Federal. O episódio é narrado em “Janja – A militante que se tornou primeira-dama”.

O livro cita o momento em que a socióloga conheceu Lula pessoalmente. Foi entre fevereiro e março de 1994, numa edição das Caravanas da Cidadania no Sul do Brasil. Na ocasião, Janja era ligada ao diretório do PT de Ponta Grossa, no Paraná, e morava na cidade com o historiador Marco Aurélio Monteiro Pereira, com quem se relacionou, sem se casar formalmente, por mais de uma década.

Janja e Lula também se encontraram algumas vezes durante o período em que a socióloga trabalhou em Itaipu. Os autores registram palestra do petista que ela organizou para a turma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, da ESG (Escola Superior de Guerra), da qual fazia parte. Conseguiu licença remunerada de um ano da hidrelétrica para participar do curso, no Rio de Janeiro.





A palestra ocorreu em 29 de julho de 2011, sete meses após o petista deixar a Presidência, e teria desagradado militares.
Quando terminou o curso na ESG, Janja conseguiu sua cessão para trabalhar na sede da Eletrobras, no Rio, onde ficou até 2016. No período, foi eleita conselheira fiscal da CGTEE (Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica) e da CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista).

Os autores estimam que Janja teria recebido cerca de R$ 130 mil da CGTEE para participar de 54 reuniões em quatro anos e meio. A CTEEP não informa os valores individualizados pagos a conselheiros.
 

Atuação de Janja foi fundamental na escolha de Margareth Menezes para o Ministério da Cultura

(foto: Mauro Pimentel/AFP)
 

Namorada na caravana

Em março de 2018, Janja acompanhou Lula, como sua namorada, numa caravana pelo Sul do país – a pedido do petista, a “equipe estava proibida de fazer menção ao assunto”.

Lula foi preso em abril daquele ano. Segundo os autores, Janja esteve no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, no dia em que ele se entregou à Polícia Federal para se despedir do namorado.

Janja se tornou figura presente na vigília montada em frente à sede da Superintendência da PF em Curitiba e manteve perfil discreto. O namoro se tornou público em maio de 2019, Lula foi solto em novembro de 2019. Poucos dias depois, ela aderiu ao Programa de Demissão Voluntária da Itaipu.





No primeiro ano da pandemia, a socióloga apareceu somente duas vezes em frente às câmeras. Atuava nos bastidores, tinha o controle da agenda de Lula e opinava sobre pedidos de entrevista.

O livro diz que a “atitude discreta” era pedido do PT. A jornalista Nicole Briones, responsável pelas redes sociais do petista, “temia que a presença de Janja fosse usada pelos bolsonaristas”.

O livro aponta atritos da primeira-dama com o partido por conta de sua exposição. Em dezembro de 2020, Janja “começou a dar sinais de que não iria seguir aquele roteiro por muito tempo”.

Naquele mês, acompanhou Lula em viagem a Cuba, onde ele participaria das gravações de um documentário – o Brasil vivia a segunda onda da pandemia. “A divulgação da viagem era tudo o que o PT não queria. Janja, no entanto, publicou cinco posts.”

Queda de braço

Nicole Briones, mais tarde, foi demitida “após perder a queda de braço com Janja”. A participação ativa da primeira-dama na campanha causou estranhamento entre lideranças do partido, “ciosas do controle do entorno de Lula”.




O livro narra a visita de Lula a uma feira de agricultura familiar em Natal. Nela, o petista foi “agarrado por vários militantes”, o que fez com que Janja se irritasse e pedisse que a visita fosse interrompida, “deixando correligionários contrariados”. “A partir do incidente, o acesso a Lula tornou-se mais controlado.”

Os autores enaltecem a participação da socióloga no processo eleitoral, afirmando que ela “trouxe jovialidade à campanha” e foi responsável por reaproximar o PT de segmentos da sociedade que estavam afastados do partido. O livro também mostra a atuação de Janja na transição, na organização da posse e sua influência na montagem do ministério de Lula.

PRIMEIRA-DAMA CONTESTA LIVRO

A assessoria de imprensa da primeira-dama disse que o livro “não contou com apoio ou a participação de Janja nem de seus familiares ou amigos mais próximos”.


“A julgar pelos trechos publicizados anteriormente, é possível inferir que há diversas passagens que podem ser questionadas por imprecisões nos fatos e exageros nas interpretações, além do uso de fatos públicos e facilmente verificáveis em ilações”, afirma a nota.





A assessoria disse ainda que, ao ser procurada pelos autores, Janja registrou que “não achava apropriado ser motivo de um perfil como primeira-dama sem sequer ter se iniciado o terceiro mandato do presidente Lula”.


E acrescentou: “A publicação precipitada do perfil tende a deixar de lado a devida reflexão sobre sua atuação profissional e política ao lado do presidente.” (Victoria Azevedo – Folhapress)

(foto: Reprodução)
“JANJA – A MILITANTE QUE SE TORNOU PRIMEIRA-DAMA”

. De Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo
. Editora Máquina de Livros
. 176 páginas
. R$ 54 (impresso)
. R$ 39 (e-book)


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