Festival de Cannes

O 76° Festival de Cannes começa nesta terça-feira (16/5)

Patricia Moreira / AFP
Quando o tapete vermelho se estender pela Croisette, avenida que separa as praias azuladas das lojas de grife e hotéis de luxo na cidade de Cannes, a partir desta terça-feira (16/5), muitos brasileiros serão atravessados por um sentimento de déjà vu.

 

Este 76º Festival de Cannes, afinal, lembrará, e muito, a edição de 2019, quando o Brasil tomou a Riviera Francesa de assalto e saiu do evento com os prêmios do júri, para "Bacurau", de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, e da mostra Um Certo Olhar, para "A Vida Invisível", de Karim Aïnouz.

 

Os dois últimos cineastas retornam agora ao festival e, por irônica coincidência, no mesmo ano em que Carol Duarte, estrela de "A Vida Invisível", também desfilará novamente pela Croisette, ao lado do elenco de "La Chimera", da italiana Alice Rohrwacher.

 

 

 

 

Mendonça Filho leva às sessões especiais o documentário "Retratos Fantasmas", enquanto Aïnouz aparece na seleção oficial de longas, tentando vencer a Palma de Ouro com "Firebrand", projeto britânico sobre a corte de Henrique 8º, distante de tudo o que o cearense dirigiu até aqui.

 

"Foi um festival tão bonito o de 2019", diz Aïnouz. "Agora eu volto com um thriller, um gênero com o qual nunca trabalhei. Vai ser tudo muito diferente dessa vez, mas no fim o que está sempre em jogo é o cinema", continua, exaltando ainda Carol Duarte, de quem espera estar próximo ao longo do evento.

 

No páreo com "Firebrand" estão outros 20 longas, com destaque para os novos trabalhos de Wes Anderson, "Asteroid City"; Jonathan Glazer, "The Zone of Interest"; Hirokazu Kore-eda, "Monster"; Nanni Moretti, "Il Sol Dell'Avvenire"; Marco Bellocchio, "Rapito"; Todd Haynes, "May December"; Ken Loach, "The Old Oak"; Wim Wenders, "Perfect Days", e Catherine Corsini, "Le Retour".

 

Depois da festa brasileira na edição de 2019, Cannes adentrou o gênero do horror quando a pandemia de COVID-19 cancelou não apenas uma de suas edições, como as de muitos outros festivais. Voltou em 2021 com restrições que impediram que muitos chegassem à Riviera e se entregou, enfim, ao clima glamoroso de outrora no ano passado.

 

Mas se em 2022 alguns ainda usavam máscaras, apertos de mão eram escassos e um temor da pecha de super-espalhador de COVID pairava sobre o evento, agora o clima é de total normalidade.

 

 

 

 

Presença brasileira

Algo que também muda radicalmente em relação ao ano passado é, justamente, a presença brasileira. Na última edição, o país teve espaço apenas para uma sessão remasterizada de "Deus e o Diabo na Terra do Sol".

 

Agora, é com uma comitiva de peso que o Brasil aparece em todos os cantos da programação. Além dos já citados "La Chimera" e "Firebrand", na mostra principal, há ainda outro projeto estrangeiro com um brasileiro entre seus rostos principais –"Hypnotic", em que Alice Braga contracena com Ben Affleck.

 

"Retratos Fantasmas", de Mendonça Filho, ficou entre as sessões especiais, que não competem, e atestou o prestígio do pernambucano entre os círculos exclusivíssimos de Cannes. Em 2021, ele integrou ainda o júri que deu a Palma de Ouro a "Titane".

 

Aïnouz faz coro à comemoração. "É incrível essa volta do Brasil, um país que estava na UTI por quatro anos com um monstro como presidente. Fico feliz de ver dias ensolarados de novo, e Cannes é um festival ensolarado", afirma, apesar das nuvens que têm coberto a Riviera nos dias que antecedem o evento. 

 

Além deles, "A Flor do Buriti", de João Salaviza e Renée Nader Messora, português e brasileira também já premiados em Cannes, com o troféu do júri da Um Certo Olhar de 2018, por "Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos", aparece na mesma seção, dedica a cineastas que ainda têm poucos títulos no currículo.

 

Casada, a dupla promete levar à França uma comitiva de indígenas, exaltando o trabalho que realizam com os krahô do Tocantins.

 

"A gente não tinha grandes expectativas, porque pensamos que havia passado essa aura de novidade que o ‘Chuva’ trouxe, por ser falado em língua indígena e ser sobre um Brasil então desconhecido pelo olhar estrangeiro. E aí recebemos essa notícia com muita alegria, porque é um momento propício, com os olhos do mundo voltados para os povos indígenas brasileiros", diz Messora.

 

 

 

 

Outros longas nacionais são "Levante", de Lillah Halla, que integra a Semana da Crítica, e "Nelson Pereira dos Santos - Vida de Cinema", de Aida Marques e Ivelise Ferreira, exibido na mostra não competitiva Cannes Classics, que reverencia o passado do cinema. Fechando o time brasileiro estão os curtas "Solos", de Pedro Vargas, e "Camaleoa", de Eduardo Tosta.

 

Isso não quer dizer que a seleção deste ano, ao menos a principal, tenha sido menos eurocêntrica que o de costume. Todos os competidores são do velho continente ou dos Estados Unidos, com exceção do japonês "Monster". Há outros exemplares de alma estrangeira, mas com financiamento francês.

 

É, no entanto, a edição recordista em termos de diretoras mulheres nos longas da competição, com sete. Além de Rohrwacher e Corsini, há ainda Jessica Hausner, Kaouther Ben Hania, Justine Triet, Catherine Breillat e Ramata-Toulaye Sy.

 

Entre os chamarizes que vão tentar competir com a atenção destinada a "Top Gun: Maverick" e seus caças que pintaram o céu de vermelho, branco e azul no ano passado estão "Indiana Jones e a Relíquia do Destino", quinto filme da franquia, "Killers of the Flower Moon", nova parceria de Scorsese com De Niro e DiCaprio, "Elementos", da Pixar, e "Strange Way of Life", faroeste gay de Almodóvar.

 

Polêmicas 

 

E se os holofotes forem atraídos por polêmica, então a família Depp não terá dificuldade de se destacar. Johnny Depp, após seu longo e exaustivo processo judicial contra a ex-mulher Amber Heard, estrela o filme de abertura "Jeanne Du Barry". Já sua filha, Lily-Rose Depp, está na série "The Idol", que colecionou fofocas com sua trama que disseca a "décadence avec élégance" do show business da qual o Festival de Cannes, claro, não escapa.

 

 

 

 

"Nossa presença é um sinal de que o Brasil está voltando com tudo em muitas frentes, em especial na cultura. Mas é o normal. Anormal é quando não somos representados. Nós fazemos parte do mundo, então espero que essa representação brasileira seja cada vez mais natural, não algo a chamar a atenção."