Casal no palco segura tocha no musical Mineiramente

Musical "Mineiramente" traz canções de Ary Barroso, Fernando Brant, Milton Nascimento e Tavinho Moura

Guto Muniz/divulgação

A herança cultural é como uma corrida de revezamento. As gerações mais velhas passam às novas o legado artístico como se fosse o bastão dos atletas ao longo da competição esportiva. A analogia é de Regina Bertola, diretora do grupo teatral Ponto de Partida.

Criada em Barbacena, em 1980, a companhia nasceu decidida a fazer teatro baseado na cultura brasileira, mas sem se limitar ao regionalismo. Nos quase 30 espetáculos que montou ao longo de 43 anos, teve a preocupação de fazer alusão a artistas mineiros.

“A intenção sempre foi penetrar a alma humana a partir do nosso ponto de vista, que é o único, original, que a gente tem. Afinal, a única forma de você acrescentar algo à vida é falando a partir de si mesmo. Não tem jeito, somos brasileiros e mineiros, por isso a questão da mineiridade é muito forte na nossa obra”, conta Regina.

O espetáculo que traz isso de modo explícito é “Mineiramente”, concebido e dirigido por Regina, que será apresentado nesta sexta-feira (19/5), no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

O musical, que estreou em 2014, conta a história de Minas Gerais por meio da música de mineiros notórios. Estão lá as canções “Os quindins de Iaiá”, de Ary Barroso (1903-1964); “Encontro das águas”, de Tavinho Moura; “Para Lennon e McCartney”, de Fernando Brant (1946-2015), Lô Borges e Márcio Borges; e “Roupa nova”, de Brant e Milton Nascimento.

Cena da peça O gato malhado e andorinha sinhá, do grupo Ponto de Partida

Baseada em livro de Jorge Amado, peça infantil "O gato malhado e a andorinha Sinhá" discute o preconceito

Julia Marcier/divulgação

Canções e poemas de Drummond

Tudo bem que Milton Nascimento não nasceu em Minas, e sim no Rio de Janeiro. No entanto, o próprio músico afirma que é o mais mineiro de todos os cariocas. Por isso suas músicas estão no espetáculo. O grupo mantém em Barbacena a Bituca – Universidade de Música Popular.

As canções de “Mineiramente” são costuradas por textos de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Guimarães Rosa (1908-1967), autores mineiros que abordaram a mineiridade.

“O cuidado que a gente tem é de não deixar esse legado cultural se perder nas outras gerações. Temos bem claro que alguém deve conduzir esse alforje”, diz Regina. “Contudo, também temos plena consciência de que não devemos ficar só olhando para o passado, e sim nos empenharmos para que esse alicerce, ou terra boa, sirva para voos nunca realizados anteriormente, justamente a partir das novas gerações”, pontua.

Quando concebeu o espetáculo, a ideia de Regina era fazer algo simples, que pudesse rodar por Minas Gerais sem a necessidade de ser montado em teatros ou espaços culturais. Ela apostou em torres de luz, em vez de grids, e tochas no lugar de lâmpadas individuais.

“Na época, o mote do musical era ‘Minha cidade é um espetáculo’. A gente ia para cidades do interior de Minas que não tinham teatro, escolhia um lugar na frente da igreja ou um cantinho bonito, montava o palco e fazia ali mesmo, na rua. Fizemos em muitas cidades históricas e em lugares remotos. Agora, estamos em cartaz para celebrar o aniversário do Minas (Tênis Clube)”, conta. A peça integra a agenda da programação dos 10 anos do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
 

O lado "criança" de Jorge Amado

Ponto de Partida também vai apresentar, neste sábado (20/5), a peça infantil “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, dirigida por Regina.

Baseado no livro infantil homônimo de Jorge Amado (1912-2001), o espetáculo é ambientado em tempos distantes. No palco, um grupo de gnomos conta a história do amor de Gato Malhado, felino de meia-idade, egoísta e solitário, pela linda e gentil Andorinha Sinhá, bem mais jovem.

“Dizem que certa vez (o gato) derrubara, com uma patada, um tímido lírio branco pelo qual se haviam enamorado todas as rosas. Não apresentavam provas, mas quem punha em dúvida a ruindade do gatarraz?”, escreveu Jorge Amado sobre a índole do protagonista, sugerindo a impossibilidade do relacionamento entre a vil criatura e a meiga andorinha.

“É quase um ‘Romeu e Julieta’ baiano”, brinca Regina. “O gato se apaixona por uma andorinha, numa relação dita impossível. No entanto, esse texto levanta, para crianças e adultos, a seguinte questão: Será mesmo que a pessoa deve ter alguma qualidade específica para eu me relacionar com ela? Ou posso estar aberto para todos os relacionamentos?”, emenda a diretora.

Trinta anos em cartaz

A peça infantil é um dos espetáculos da companhia há mais tempo em cartaz. Já são pelo menos 30 anos de turnês em todo o Brasil, além de países da Europa e da América do Sul.

A longevidade é atribuída por Regina à linguagem dinâmica e à parceria entre atores e plateia. Ela destaca também a atemporalidade da obra do escritor baiano. Em 2002, quando escreveu o romance infantil, Jorge Amado abordou questões de preconceito caras aos dias de hoje.

“É aí que você vê como o cara é artista”, comenta Regina. “Há pelo menos 20 anos, ele já estava falando de algo muito atual, na linguagem que a criança consegue entender”, emenda.

Manter a peça em cartaz nesses 30 anos é também uma forma de passar o legado de Jorge Amado para as novas gerações, pondera, além de mostrar sua faceta de autor de histórias infantis que muita gente desconhece.
 
O objetivo, no entanto, não é apresentar artistas de maneira didática, vista como entediante por alguns, “mas mostrar como a obra dessas pessoas é boa e prazerosa”, diz Regina Bertola.

“Manter essa herança, esse legado cultural para as novas gerações é, de fato, igual à corrida de revezamento, em que a gente vai passando o bastão para o outro. No nosso caso, você nunca termina na linha de chegada e nem ganha medalha, muito menos ouro. Mas não tem problema, porque o mais importante não é o final da corrida em si, mas passar o bastão. É isso que o Ponto de Partida mais se preocupa em fazer”, conclui.

“MINEIRAMENTE”

Texto e direção: Regina Bertola. Com Ana Alice Souza, Carolina Damasceno, Érica Elke e João Melo. Nesta sexta-feira (19/5), às 20h30, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas 
(Rua da Bahia, 2.244, Funcionários). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). À venda na bilheteria ou pelo site eventim.com.br. Informações: (31) 3516-1360.

“O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ”

Texto: Jorge Amado. Adaptação: Cia. Ponto de Partida. Direção: Regina Bertola. Com Lido Loshi, Soraia Moraes, Júlia Medeiros e Lourdes Araújo. Neste sábado (20/5), às 17h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Funcionários). Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). À venda na bilheteria ou pelo site eventim.com.br. Informações: (31) 3516-1360.