O ano era 1920. Os escritores tchecos Jaroslav Seifert (1901-1986) e Karel Teige (1900 1951) andavam insatisfeitos com os rumos que a arte tomava no país e decidiram elaborar um manifesto propondo novo poetismo do cotidiano. Para eles, a arte produzida na Tchecoslováquia (hoje dividida em República Tcheca e Eslováquia) deveria priorizar o erotismo e o rigor estético.





Sem perceber, a dupla criou um movimento vanguardista que influenciou toda a produção tcheca pós-década de 1920 e passou para a história como Devetsil. É, portanto, no intuito de apresentar ao público as características desse movimento no cinema e a influência que ele teve nos filmes rodados depois do lançamento do manifesto, que o Cine Humberto Mauro dá início à mostra “Devetsil – Uma vanguarda tcheca”, nesta quinta-feira (18/5). Serão exibidos gratuitamente, até 31 de maio, 13 filmes produzidos entre as décadas de 1920 e 1970.

“A antiga Tchecoslováquia tinha uma tradição muito forte de animações. Mas, de modo geral, acredito que os filmes de lá têm em comum características como a mistura entre diversas formas artísticas e a crítica social”, observa o gerente do Cine Humberto Mauro, Vitor Miranda.

Ele ressalta que em vários filmes é possível perceber elementos de animação, além do diálogo com elementos da arte pictórica, das artes plásticas, do teatro e da literatura. Isso é muito nítido, por exemplo, em “Um dia, um gato” (1963), de Vojtech Jasny. O filme é um dos destaques da mostra.




 
O longa acompanha a reviravolta na pacata vida dos moradores de uma pequena vila tcheca quando uma trupe mambembe de artistas circenses chega ao local com um gato mágico, que chama a atenção por estar sempre vestido com óculos escuros.

O motivo do item – exótico para um gato – no rosto do bichano é impedir que ele exerça seu poder de fazer as pessoas mudarem de cor de acordo com o caráter delas. Sem os óculos, ele torna roxos os mentirosos; cinzentos, os ladrões; amarelos, os falsos; e vermelhos, os apaixonados.

A reviravolta que o “Gato Cassandra” (nome do filme em inglês, em referência à profetisa de Apolo) causa no vilarejo ocorre quando ele foge sem os óculos, expondo o verdadeiro caráter dos moradores e, obviamente, a hipocrisia de muitos deles.





“A maioria dos filmes tchecos, mesmo aqueles que, digamos, são mais realistas, trazem esses elementos oníricos, coisas meio aleatórias, angústias existenciais dos personagens e a suspensão da narrativa, flertando com sequências surrealistas”, ressalta Miranda.

Diálogo com o expressionismo alemão

Os filmes mais antigos, produzidos entre as décadas de 1920 e 1930, explica Miranda, flertam com outro movimento artístico muito importante na história do cinema: o expressionismo alemão.

Caracterizado por retratar sentimentos como angústia, medo e solidão de maneira sombria e exagerar na maquiagem e interpretação dos atores, o movimento alemão também serviu de referência para os cineastas tchecos.




 
 “Conflito dos sexos” (1929), dirigido por Gustav Machaty, que é outro destaque da mostra do Cine Humberto Mauro, traz elementos do expressionismo alemão.

Na trama, uma garota ingênua vive tranquilamente com o pai ferroviário, quando um homem bate à porta da família pedindo abrigo numa noite de tempestade. O pai da moça hospeda o rapaz, que rapidamente se apaixona por ela. Depois de seduzi-la, ele vai embora, deixando-a grávida.

Desonrada, ela é expulsa de casa, acaba se envolvendo com um bêbado agressivo e, por fim, encontra um companheiro melhor, que se casa com ela. Quando tudo parecia bem, a moça reencontra o rapaz que a engravidou durante a estadia em sua casa e começa a ter com ele novas relações amorosas.

As traições – o homem que a engravidou também estava casado –, no entanto, ao serem descobertas, se a desenrolam em incidentes graves e sombrios que culminam no desfecho do filme.

“Dá para ver que os filmes mais antigos têm influências do expressionismo alemão, do cinema e da comédia europeias. Quando chega nos anos 1970, passam a ter maior relação com os ‘Cinemas Novos’. Essa época é até chamada de ‘Nouvelle Vague Tcheca’. Contudo, o cinema tcheco mantém essas pequenas diferenças, que é esse cinema social e que trabalha com elementos de outras formas de artes”, diz Miranda.




 
Paralelamente à mostra “Devetsil – Uma vanguarda tcheca”, o Cine Humberto Mauro vai exibir os filmes “Sexta-feira muito louca” (2003), de Mark Waters, e "O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1966), de Glauber Rocha, nas sessões “Especial Dia das Mães” e “Cineclube acessível”, respectivamente amanhã (19/5) e 23 de maio.

“DEVETSIL – UMA VANGUARDA TCHECA”

• Exibições de filmes tchecos produzidos entre 1930 e 1970
• Desta quinta-feira (18/5) a 31 de maio, no Cine Humberto Mauro (Av. Afonso Pena, 1.534 – Centro)
• Gratuito, com retirada dos ingressos na bilheteria uma hora antes de cada exibição
• Informações e programação completa em: fcs.mg.gov.br.

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