Obras de Mestre Didi expostas em Inhotim

A mostra "Os iniciados no mistério não morrem" reúne criações de Mestre Didi, baiano considerado sacerdote-artista e intelectual afroatlântico

Leandro Couri/EM/D.A Press


No centro da Galeria da Praça, no Instituto Inhotim, a instalação de quatro metros de altura por nove de largura representa um elemento típico dos rituais religiosos dos zangbetos africanos e dos povos originários brasileiros pankararu. São paramentos que eles utilizam para chamar as entidades ancestrais. A grande máscara de palha tampa, da cabeça aos pés, quem a veste.

A instalação integra a mostra temporária “A noite suspensa ou o que posso aprender com o silêncio”, da artista paulistana Mônica Ventura. A exposição entra em cartaz neste sábado (27/5) como parte do Programa Abdias do Nascimento e o Museu de Arte Negra.

Outra mostra que será abertahoje é “Mestre Didi – Os iniciados no mistério não morrem”, com obras do artista baiano Deoscoredes Maximiliano dos Santos (1917-2013), conhecido como Mestre Didi.

Máscaras dos zangbetos

O visitante que for conferir as duas exposições passa primeiro pelos trabalhos de Mônica. Criada basicamente com terra, palha e latão – são 12 toneladas de terra, 200 metros de palha e três metros de latão –, a peça que representa a máscara dos zangbetos parte do universo religioso para abordar a fonte da vida sob as perspectivas da razão e emoção, dando, assim, novo significado para a obra.

Esses dois pólos estão representados na instalação por meio do masculino e feminino. Ao olhar mais atento, o invólucro de palha que representa a máscara dos zangbetos tem formato fálico, enquanto a base sobre a qual ele está assentado traz o formato da genitália feminina.
 
Instalação de Monica Ventura, semelhante a uma oca de palha, em Inhotim

Instalação de Mônica Ventura é imensa máscara inspirada na tradição dos zangbetos de usá-la tampando da cabeça aos pés, para chamar as entidades ancestrais

Leandro Couri/EM/D.A Press
 

A base fixada no chão se assemelha a Yoni, de acordo com a artista. Essa forma remete ao feminino e, em sânscrito, refere-se à passagem divina ou à fonte de vida. A escultura é o Lingam, símbolo masculino. A combinação entre as duas formas remete a Shiva Lingam, a síntese das energias do universo.

A mostra de Mônica Ventura conta também com painéis de terra prensada, como se fossem taipas, ostentando símbolos típicos das tradições de Togo e do Benin dependurados nas paredes.

No primeiro, lê-se “Ntanga”, verbo em banto sem correspondente na língua portuguesa, que significa o ato de dançar e escrever ao mesmo tempo. Na sequência, um símbolo lembra o símbolo budista que por muito tempo foi cunhado em moedas no antigo reinado Akram.

O terceiro é um símbolo adinkra, que representa o búzio, e o último é uma espécie de aglomerado de tritões, que remetem às religiões de matriz africana, representando proteção.

“Minha vontade é trabalhar símbolos de diferentes partes do globo, que são, na verdade, símbolos ancestrais, porque para nós, brasileiros, foram negadas as informações ancestrais”, afirma Mônica.
 
Artista Mônica Ventura olha para a câmera

Mônica Ventura diz que trabalha com símbolos ancestrais, porque informações sobre a ancestralidade foram negadas ao brasileiro

Leandro Couri/EM/D.A Press

Tenho sempre em mente usar o máximo de material local, sem impactar tanto o meio ambiente, pois se houver descarte, a ideia é que isso volte de maneira sustentável. Não quero cair em um lugar alegórico

Mônica Venturi, artista plástica

 

Sustentabilidade em pauta

Além da preocupação em abordar a ancestralidade, a artista se preocupou em conceber obras sustentáveis que, após expostas, pudessem voltar para a natureza sem causar danos.

“Tenho sempre em mente usar o máximo de material local, sem impactar tanto o meio ambiente, pois se houver descarte, a ideia é que isso volte de maneira sustentável. Não quero cair em um lugar alegórico”, diz.

Passando pela mostra de Mônica e entrando no espaço fechado da Galeria da Praça, o visitante vai se deparar com a exposição “Mestre Didi – Os iniciados no mistério não morrem”, do artista baiano, com curadoria de Igor Simões.

Sacerdote-artista e intelectual afroatlântico natural de Salvador, Mestre Didi é nome importante na arte brasileira, sobretudo no que tange à diáspora africana.

Ele realizou importantes mostras individuais e coletivas em instituições brasileiras e internacionais. No exterior, expôs em Valência, Milão, Frankfurt, Londres e Paris, entre outras cidades. Foi a primeira pessoa que traduziu o iorubá para o português. Escreveu diversos autos coreográficos, contos e textos sobre a diáspora africana.

Estão na mostra, além das obras de Mestre Didi que remetem aos orixás, fotos e correspondências do artista com outros defensores da mesma causa. Há uma carta de Gilberto Gil para ele.
 
Pela criada por Mestre Didi exposta em Inhotim

O curador Igor Simões explica que Mestre Didi criou obras de arte, e não objetos religiosos que migraram para espaços expositivos

Leandro Couri/EM/D.A Press
 

Também estão reunidos escritos autobiográficos do artista, convites de instituições internacionais para participar de congressos sobre a cultura orixá e reportagens sobre o trabalho dele em diferentes épocas.

“É importante a gente entender que essas peças são obras de arte”, ressalta o curador Igor Simões. “Se de um lado elas dialogam com práticas no contexto religioso, elas não são instrumentos que migram do contexto religioso para o espaço expositivo. São obras feitas numa poética de alguém informado por esse contexto religioso”, emenda.

A explicação faz sentido. Durante muito tempo, a arte produzida por negros que remetia às religiões de matrizes africanas eram consideradas uma espécie de arte sacra da umbanda. No entanto, não era essa a proposta de Didi.

“Gosto sempre de fazer comparação com a “Madona”, do Leonardo da Vinci. Ninguém pergunta se ela é pintura ou peça sacra. O mesmo acontece aqui. De fato, há o diálogo com a prática ritualística, mas essas peças são obras de arte. Ou seja, esculturas tridimensionais feitas por um artista com domínio muito preciso dos materiais que usa – a palha, as contas e o couro”, explica o curador.

“Mestre Didi – Os iniciados no mistério não morrem” narra a trajetória do artista baiano, mas não de maneira linear. Estão dispostas obras de diferentes períodos de sua carreira, que, juntas, expressam a visão dele a respeito da ancestralidade.

A primeira peça é a foto de Mestre Didi durante a construção do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. Na sequência, vêm documentos, manuscritos, correspondências e, por fim, as obras do artista. Essas criações estão divididas da seguinte forma: peças que têm pássaros como referência, seguidas pelas que têm serpentes e, por último, as que têm ferramentas.

Ao final da sala, encontramos fotos de Mestre Didi e de sua mãe, Maria Bibiana do Espírito Santo, mais conhecida como Mãe Senhora. Ela foi um dos principais nomes da umbanda em Salvador, responsável por introduzir o filho naquele universo religioso.

A exposição termina com duas videoinstalações de Mestre Didi e do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.

MÔNICA VENTURA E MESTRE DIDI

• Exposições a partir deste sábado (27/5), na Galeria da Praça (G3) do Instituto Inhotim, em Brumadinho.
• Aberto de quarta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).
• Informações pelo site inhotim.org.br.