Houve um tempo em que a viola era associada somente à “coisa de caipira”. Contudo, nos últimos anos, o instrumento de 12 cordas vem ganhando popularidade não só entre os brasileiros. A Rozini, por exemplo, maior fabricante de violões e violas no Brasil, confirmou aumento no número de vendas e o interesse de países estrangeiros pelo instrumento.
“Não dá para você enquadrar atualmente a viola só na linha caipira tradicional”, afirma o violeiro e compositor mineiro Bilora. “Os violeiros e violeiras têm hoje linguagens bem diferenciadas e estão em todos os estilos e segmentos”, emenda.
Foi a partir dessa perspectiva que ele concebeu “Viola orgânica”, seu quinto disco autoral, lançado recentemente em formato físico.
Ao longo de 14 faixas, o músico procura valorizar as coisas mais simples da vida, como uma existência tranquila no sertão, o contato com a natureza e a empatia nas relações interpessoais.
A capa do disco já antecipa essa mensagem: despretensiosamente, Bilora toca viola num quintal de casa para Chico, um simpático cachorrinho vira-lata atento aos gestos do músico.
MANIFESTO “Viola orgânica”, portanto, não deixa de ser um manifesto contra o imediatismo, que se traduz na busca incansável pelo dinheiro e nas conversas “olho no olho”, substituídas por mensagens de texto e de voz criptografadas. “A ideia dessas canções, na verdade, é dar uma freada na gente. Afinal, fomos levados por essa correnteza que a vida tem sido”, resume Bilora.
“Nós acabamos nos esquecendo de dar um ‘bom dia’ para os colegas, bater um papo com os vizinhos, ter tempo para ouvir as pessoas e também para ouvir uma canção. Principalmente hoje, quando escutamos uma música mais pelo entretenimento e deixamos de ouvir o que ela tem a nos dizer”, conta.|
Embora viva na Região Metropolitana de Belo Horizonte há pelo menos 20 anos – ele mora com a família em Contagem –, o músico é natural de Santa Helena de Minas, mais especificamente de uma comunidade rural chamada Córrego do Norte, no Vale do Mucuri, quase divisa com Bahia.
Cresceu num ambiente sertanejo, com direito a rodas de viola e apresentações de violeiros nas épocas de folia, ocasiões em que canções populares eram tocadas. E, como forma de homenagear esse período tão importante para sua vida, escolheu “No cumbuco do balaio” para abrir o disco.
A canção é de domínio público e muito tradicional na região do violeiro. Foi repassada a ele por Waldomiro Lobo, pai de Josino Medina, compositor reconhecido no Norte de Minas. Medina, inclusive, fez parcerias com Frei Chico, frade franciscano, músico e principal pesquisador da cultura da região.
“Eu acho que essa canção mostra justamente aquilo de mais simples que há na vida. Ela aborda a realidade do sertão. Então, quis começar por ela para mostrar qual é o meu lugar. Porque, embora eu viva hoje em Contagem, venho da roça. Minhas raízes, em questão de vivência e de música, vêm de lá”, explica.
REGGAE “Viola orgânica”, no entanto, não se limita a uma sonoridade caipira, típica do cancioneiro do sertão. A faixa “Clorofila”, por exemplo, mais se assemelha a um reggae por causa do ukulele que Bilora toca. Já “Antes que seja tarde”, parceria com Marilia Abduani, é uma balada romântica, tendo solo de violino ao fundo. E “Coisa boa” é um xote à la trio nordestino (o original, com Lindú, o “Gogó de ouro”; e não com a formação jovem e renovada criada nos anos 2000), com direito a acompanhamento de acordeon, triângulo e zabumba.
“Eu não componho para atender só um segmento”, ressalta Bilora. “Por isso, tem muita coisa no disco que pega mais para o lado pop mesmo”. A viola, contudo, marca presença em todas as faixas do disco, mesmo que de maneira tímida. Afinal, para o compositor, ela é o instrumento que tem maior relação com a cultura nacional.
“Se me perguntassem qual instrumento mais representa a cultura brasileira, eu apontaria, sem pensar duas vezes, para a viola caipira”, diz.
“Viola orgânica” conta ainda com músicas que Bilora fez em parceria com outros compositores, como “Viola vai, viola vem”, escrita em conjunto com Álisson Menezes; a já citada “Antes que seja tarde”, com Marilia Abduani; e “Myn Yãn (Espinho)”, fruto de parceria com Rogério Maxakali, originário do povo indígena Maxakali. A canção foi, inclusive, escrita em língua Maxakali e traduzida pelo violeiro.
SHOWS Para divulgar o novo trabalho, Bilora vai sair em turnê pelo interior de Minas, São Paulo e Bahia. A próxima apresentação será em Ipoema, distrito de Itabira. O disco, no entanto, não vai ser disponibilizado nas plataformas digitais, pelo menos não por enquanto.
“Vou esperar um pouquinho, porque, para a gente, que é mero mortal, que não é mega artista, não dá para sobreviver de plataforma digital. Ela é uma forma de fazer a música chegar para as pessoas. Em qualquer lugar do mundo, as pessoas poderão escutar o seu trabalho. Agora, retorno financeiro, só mesmo para quem tem um turbilhão de likes e audição”, destaca, lembrando que, nos últimos quatro anos, mandou para as plataformas dois álbuns e, ao todo, ganhou R$ 200.
“Por mais que se discuta a viabilidade de produzir um CD, ele acaba sendo um meio que te dá motivos para fazer essas pequenas turnês (de onde vem o retorno financeiro)”, conclui.
VIOLA ORGÂNICA
. Disco de Bilora
. Produção independente
. 14 faixas
. R$ 30
. CD à venda pelo site bilora.com.br ou pelo Instagram (@biloravioleiro)
FAIXA A FAIXA
. “NO CUMBUCO DO BALAIO” (domínio público)
. “ALMA DE CORDAS”
. “CLOROFILA”
. “ANTES QUE SEJA TARDE”
(Bilora e Marilia Abduani)
part. Cícero Gonçalves
. “DEUS PROTEJA O MEU AMOR”
. “COISA BOA”
. “CONTRAMÃO”
. “VIOLA VAI, VIOLA VEM”
(Bilora e Álisson Menezes)
part. Álisson Menezes
. “VAZANTE”
. “ESTRELA GUIA” (part. Wilson Dias)
. “LA TERNURA”
. “CABOCLINHO D’ÁGUA/HISTÓRIA DE PESCADOR” (Elizeu Gabriel)
. “MYN YÃN/ESPINHO”
(Bilora e Rogério Maxakali)
part. Rogério Maxakali
. “CUMPAD MANÉL”