Atores do Galpão, vestindo roupas de cabaré, sorriem para a câmera

Teuda Bara (ao centro, embaixo) é a dona do cabaré que começa a funcionar nesta quinta-feira (31/5), no Galpão Cine Horto

Mateus Lustosa/divulgação
 
Qual é a relação entre os tubarões e os outros peixes? Um peixe pequeno pode se tornar um peixe grande? As perguntas, feitas por uma criança, são respondidas com lirismo e ironia pelo Sr. Keuner em “Se os tubarões fossem homens”, fábula do dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956).

O texto é da década de 1950, mas a reflexão sobre a organização social do mundo chega até os dias atuais. Na leitura dos atores Eduardo Moreira e Inês Peixoto, a fábula deu origem à cena entre um ventríloquo e sua boneca. “Traz a ideia de quem manipula quem”, diz ele.

A sequência integra “Cabaré Coragem”, o novo espetáculo do Grupo Galpão. A montagem, com estreia nesta quarta-feira (31/5) para convidados e, a partir de amanhã (1º/6), em temporada até 18 de junho no Galpão Cine Horto, é a resposta da companhia mineira à sua própria trajetória, aos dias de hoje e ao que passamos nos últimos anos.

Sob direção de Júlio Maciel, integrante do Galpão, a peça coloca em cena seis atores do grupo (Antonio Edson, Lydia del Picchia, Simone Ordones, Teuda Bara e os supracitados Eduardo e Inês), mais o convidado Luiz Rocha, para o grande reencontro com o público.

Reinvenção na pandemia

O espetáculo mais recente do Galpão é “Outros” (2018). A montagem dirigida por Márcio Abreu cumpriu sua temporada regularmente. Em meio aos preparativos para “Quer ver escuta”, peça que a sucederia, a pandemia teve início. A companhia se reinventou durante a crise sanitária, trabalhou remotamente e em 2022 retornou para o palco, em meio à comemoração de seus 40 anos.

Mas a montagem inédita, a de número 25, só chega agora, depois de um ano de experimentações. “Quando veio a ideia de um cabaré, sentimos que essa seria a forma deste reencontro. É muito musical, mas ao mesmo tempo é também teatro. O Brecht veio logo no início da nossa inquietação. Queríamos entender o momento que tínhamos acabado de viver, de quatro anos políticos super opressores em que o artista não tinha valor”, explica Maciel.

“Cabaré Coragem” – título tirado de “Mãe Coragem e seus filhos” (1941), um dos textos para teatro mais importantes de Brecht – é coletivo em todos os sentidos. A dramaturgia foi criada pelos próprios atores e supervisionada por Vinícius de Souza.
 
Integrantes do Grupo Galpão, vestindo roupas de cabaré, olham tristemente para a câmera

Novo espetáculo marca o reencontro dos atores do Grupo Galpão com o público depois da pandemia

Mateus Lustosa/divulgação
 

Ao longo do último ano, o grupo fez três curtíssimas temporadas do projeto Experimentos Cênicos, em que levou o público à sua sede para assistir ao resultado das imersões realizadas com Ernani Maletta, Luiz Rocha e Cida Moreira para criar o novo espetáculo.

“Como a gente, na maioria das vezes, convida diretores de fora para assinar os espetáculos, de tempos em tempos fazemos uma direção interna (a cargo de um dos atores do grupo). Isso torna o momento mais íntimo e também mais coletivo. Dirigi o espetáculo mais no sentido de coordenar ideias, pois trabalhamos com muitos amigos criadores, alguns com quem há tempos não trabalhávamos”, explica Maciel, citando Babaya, que fez a preparação vocal, e o cenógrafo e figurinista Márcio Medina.
 

Fio de dramaturgia conecta histórias

Há não uma história, mas um “fio de dramaturgia” guiando o espetáculo, diz Maciel. Esse fio “vai ligando um pouco as histórias dos funcionários e sua relação com a dona do cabaré. Não tem muitos diálogos, são mais pequenos acontecimentos em que o espectador entende um pouco quem são as figuras”, acrescenta o diretor.

A dona do cabaré, como não poderia deixar de ser, é Teuda Bara. “Brincamos dizendo que ela é a Nossa Senhora do Cabaré”, conta Maciel. Os demais atores se desdobram em diferentes papéis – ora são funcionários do cabaré que servem os espectadores, ora estão em cena. Todos interpretam, tocam e cantam.

“O investimento maior, desta vez, foi nos cantos, pois há muitos solos. Para a gente, é certa novidade esse papel de crooner, pois em montagens anteriores o canto era mais coletivo”, continua Maciel.
No repertório se misturam tanto canções de Brecht e Kurt Weill, como “Alabama song” e “Die Moritat von Mackie Messer” (ou simplesmente “Moritat”), quanto músicas do repertório brasileiro, como “Mamãe coragem” (parceria de Caetano Veloso e Torquato Neto) e “Singapura” (Eduardo Dussek).

“Unir esses cantos mais individuais com números de variedades foi um desafio”, comenta Maciel, lembrando que há apresentações de ilusionismo e acrobacia. “É como um show de variedades.”
 
Teuda Bara e Cida Moreira, colaboradora do Galpão, durante ensaio na sede do grupo, em BH

Teuda Bara e Cida Moreira, colaboradora do Galpão, durante ensaio de 'Cabaré Coragem' na sede do grupo, em BH, em fevereiro

Marcos Vieira/EM/D.A Press - 25/2/23
 

Eduardo Moreira endossa a fala do diretor, explicando os números que fará em “Cabaré Coragem”. Além da sequência de ventriloquismo, ele apresenta uma cena de ilusionismo e outra de acrobacia.
 
“Isso tem muito a ver com a linguagem do Galpão, que sempre passeou por muitos lugares. Mas há cenas mais teatrais, narrativas, tendo sempre Brecht como referência. Agora, a música associada ao teatro foi feita nesta peça de maneira muito radical. Tocar e representar junto é, tecnicamente, muito difícil.”
 

'A cena do velho acrobata, que faz o número revivendo seu passado, representa um pouco a trupe que tenta se manter viva. Isso é ao mesmo tempo poético, patético e dramático'

Eduardo Moreira, ator

 

Patricinha bolsonarista no palco

Em dado momento, Eduardo se transforma em mágico no número com Simone Ordones. “Transformo, com o auxílio da hipnose, a personagem dela em uma patricinha, mulher meio bolsonarista para falar com um humor meio besteirol da imbecilidade nas redes sociais.”

Em outro instante, ele participa do encontro de dois velhos acrobatas. “A peça fala um pouco de etarismo, pois fazemos um cabaré de pessoas velhas. De certa maneira, é o deslocamento de um lugar, pois o cabaré é sempre mais associado à juventude, às vedetes. Somos um grupo mais velho, e esta cena do velho acrobata, que faz o número revivendo seu passado, representa um pouco a trupe que tenta se manter viva. Isso é ao mesmo tempo poético, patético e dramático.”

Para que o espetáculo funcione como um cabaré, o Cine Horto adotou nova configuração. Ganhou algumas mesas, postadas no mesmo piso do cenário (as tradicionais arquibancadas continuam). Haverá ainda bar vendendo bebidas e os atores atuarão como garçons que servirão o público das mesas – eventualmente tirarão fotos Polaroids com a plateia.

“O público terá participação muito efetiva em todo o espetáculo, pois há uma dramaturgia entre atores e plateia”, acrescenta Eduardo Moreira.

Uma dica: como não há lugar marcado, quem chegar cedo na fila terá mais possibilidade de assistir a “Cabaré Coragem” numa das mesas.

“CABARÉ CORAGEM”

• Com Grupo Galpão
• Direção de Júlio Maciel
• Estreia nesta quinta-feira (1º/6), às 20h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto)
• Temporada de quinta a domingo, às 20h, até 18 de junho.
• Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada). À venda na bilheteria (aberta uma hora antes de cada sessão) e no site Sympla.