"Ele era o Roberto (Carlos) que o Roberto não podia ser. Não tinha culpa, era muito mais LGBTQI do que qualquer um. Era o cara do povo, da prostituta, do gay, do negro, do branco, do índio, do que fosse"
Otto, cantor e compositor
De fã para ídolo. Assim será o show que o cantor e compositor Otto dedica a Reginaldo Rossi, atração deste sábado (3/6) à noite, n'Autêntica. O pernambucano escolheu a dedo o repertório de “As quatro estações”, no qual, claro, não vão faltar “Garçom” e “Mon amour, meu bem, ma femme”.
“Rossi era meu amigo, além de ser meu ídolo desde a infância. O show dele era o melhor programa da cidade. Ele me influenciou muito na vida. Foi um dos maiores frontmen e compositores brasileiros”, afirma Otto, que fez um profundo mergulho na obra do conterrâneo. “Ouvi quase 200 músicas, pude ver a densidade, a genialidade do cara, a atitude de Rossi.”
Tachado como “Rei do Brega”, Reginaldo Rodrigues dos Santos morreu em 2013, no Recife, aos 69 anos, de câncer no pulmão. Ídolo popular, dizia que jamais fora convidado para “essa MPB”, apesar de ter a estante lotada de discos de ouro devido à vendagem de seus lançamentos.
“Naquela época, era meio assim: ou era Roberto Carlos ou era ninguém, pois não tinha rede social, não tinha liberdade, não tinha uma forma de se driblar o mercado como Reginaldo queria. Então, botaram ele ali com a caricatura do Rei do Brega, do corno”, comenta Otto. “A obra dele é bem mais do que isso, pois a atitude é rock and roll. Reginaldo era um cara que veio dos Rolling Stones, dos Beatles, de toda essa formação maravilhosa.”
Rossi também foi da jovem guarda
Com efeito, Rossi iniciou sua carreira em 1964 à frente da banda The Silver Jets. Inclusive, participou do programa de televisão “Jovem Guarda” comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, que revolucionou a cultura jovem no Brasil.
“Negro, nordestino e falador, Reginaldo era um cara muito inteligente. Por isso, quero trazê-lo para o lugar em que o vejo”, explica Otto, que completa 55 anos no próximo dia 28. Ou seja, o fã nem era nascido quando ele despontou. E o ídolo está de volta em um lugar para lá de especial, diga-se de passagem. “O cenário é de verlon, com figurinos de Eduardo Ferreira e Camila César. São nove músicos no palco”, diz Otto.
O cantor conta que buscou se conectar ao processo de criação do homenageado, “que tinha backings de muito bom gosto”. Para ele, Rossi está no mesmo nível de Roberto Carlos – “e olha que sou louco por Roberto.”
Otto chama a atenção para as letras e o sentimento que se tornaram marcas registradas de Reginaldo. “Ele era o Roberto que o Roberto não podia ser. Não tinha culpa, era muito mais LGBTQI do que qualquer um. Era o cara do povo, da prostituta, do gay, do negro, do branco, do índio, do que fosse. Quero trazer essa coisa do Reginaldo, que é forte e muito importante.”
Ao comentar o machismo, Otto comenta que quando era jovem, homens matavam mulheres alegando legítima defesa da honra. “Vi muitas mulheres serem assassinadas”, diz. Para ele, o autor de “Eu devia te odiar” e “Garçom”, à sua maneira, trouxe novo enfoque para a traição amorosa.
“Reginaldo quebrou isso, fazendo com que o corno fosse uma coisa leve. Dizia: vai devagar, vai sofrer. Ele não era um cara que ficava com raiva (de ser traído), dá pra gente observar nas suas letras. Na realidade, queria resgatar a mulher, queria-a de volta. E isso é um serviço muito importante para o Brasil machista”, afirma Otto. “Ser corno em Pernambuco antigamente era muito complicado”, reforça.
Nos shows, Reginaldo perguntava: “Quem é corno aí'? Quem não é corno? Se você não é, tá com nada”, recorda o cantor. “Ele pegou isso e cantou com leveza, dizendo 'queria te odiar/ no entanto só sei te amar'”, comenta.
De acordo com o cantor e compositor, Reginaldo Rossi influenciou fortemente a música que se ouve atualmente no Brasil. “Ele é o pai de tudo isso aí. Se pegarmos o sertanejo, malfeito assim, é a 'galha' (chifre), o sofrimento, a dor... Isso é escola de Reginaldo, só que ele é refinadíssimo. Era um cara romântico que tinha sentimentos nobres. Dizia: 'garçom, vou a minha conta pagar/ vou ficar aqui calmo/ olha, ninguém está brigando/ só quero que você me escute'. Tem essa genialidade de sentimento, o que é maravilhoso.”
Oito noites com o ídolo
O “processo de imersão” de Otto no mundo de seu ídolo foi radical. Ele conta que atravessou oito noites, das 20h às 8h, fumando, bebendo e ouvindo Reginaldo Rossi até sair a primeira play list.
“Só ia mudando as músicas de lugar, dividindo o repertório em quatro partes. O nome do show é 'As quatro estações', o título de uma das canções dele. Meu show traz 19 sucessos de Reginaldo.”
Otto procurou manter os arranjos originais dos antigos discos de Reginaldo. “Show é outra coisa, mas quis resgatar a criação dele tal qual está lá no disco, na raiz”, explica. “Passo por várias fases. A primeira, mais antiga, depois ele mais velho, meio 'Garçom”. Depois abro para o verão, com 'Itamacará', que é sol. Enfim, são as quatro estações. Tem também o garoto começando, metendo um rock and roll, um yeah, yeah, yeah. Você vê ali cronologia muito assertiva dele, o show mostra esta evolução”.
Recentemente, “Quatro estações” estreou durante a Virada Cultural de São Paulo, no Sesc Pompeia. “Agora chego a BH, uma cidade que para a gente começar, para estrear, funciona muito bem. O povo mineiro tem afinidade muito grande com o Brasil todo, com sentimentos, com a música e a cultura brasileiras. O show vai ser lindo e estou muito feliz em voltar.”
Além de resgatar a obra de Rossi, o pernambucano revela que precisava também movimentar sua própria carreira. “Muitos artistas saíram da pandemia com dinheiro e outros não. Então, disse pra mim mesmo: preciso circular. E bolei essa apresentação maravilhosa que homenageia o meu ídolo”.
Com Rossi no 'Altas horas'
Otto gravou o novo repertório no programa “Altas horas”, de Serginho Groisman, que vai ao ar neste sábado (3/6). “A receptividade e o alcance popular de Reginaldo são enormes. Espero viajar muito, espero também fazer o DVD ao vivo. Daqui a pouco, começam a aparecer coisas, como apresentação no Marco Zero, lá em Recife, ou mesmo na Praça da Liberdade, em BH. Quem sabe?”
Depois da capital mineira, o cantor volta para São Paulo e segue para Goiânia. “Na verdade, agora é que tudo está começando. São Paulo e Belo Horizonte me chamaram logo de cara. Aliás, nem esperaram começar a turnê e já disseram: vem.! Agradeço muito a confiança destas duas cidades que adoro e também do Sesc Pompeia e da Autêntica.”
REPERTÓRIO
>> TÃO SOFRIDO
>>UM ROMANCE QUE NINGUÉM LEU
>>LEVIANA
>>EU DEVIA TE ODIAR
>>QUANDO VOCÊ FOI EMBORA
>>EM PLENA LUA DE MEL
>>AI AMOR
>>DESTERRO
>>A RAPOSA E AS UVAS
>>PEDAÇO DE MAU CAMINHO
>>TEU OLHAR TEU ANDAR
>>GARÇOM
>>AS QUATRO ESTAÇÕES
>> MON AMOUR MEU BEM MA FEMME
>>AMOR AMOR AMOR
>>ITAMARACÁ
>>RECIFE MINHA CIDADE
>>PRA SER SÓ MINHA MULHER
>>BOROGODÁ
OTTO EM 'AS QUATRO ESTAÇÕES'
• Neste sábado (3/6), n'Autêntica (Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia). Também vai se apresentar a Orquestra Mineira de Brega. Abertura da casa às 21h. Inteira: R$ 100 (lote 1), R$ 120 (lote 2) e R$ 140 (lote 3). Meia social mediante doação de 1kg de alimento. Informações e vendas no site e no Instagram da casa.
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