Mergulhar na obra da mineira Ângela Lago (1945-2017) é ser convidado a fazer inferências, deduções e questionamentos a respeito dos mais diversos assuntos. Uma das mais importantes ilustradoras e autoras de livros infantis do país, ela foi precursora da ideia de que as ilustrações deveriam acrescentar informações que completassem o que o texto escrito dizia, e não apenas repetir o que já foi dito.
"A Ângela não subestimava o leitor”, afirma a também ilustradora Marilda Castanha. As duas foram contemporâneas na Editora Miguilim, no final da década de 1980 e início dos anos 1980.
“Ela sempre me dizia para não suavizar meus desenhos nem ‘adocicá-los’. E, de fato, eu reparava que ela não fazia isso nas obras dela. Era uma forma de instigar o leitor a fazer as deduções e questionamentos dele”, diz.
A proximidade entre as duas fez com que Marilda fosse a convidada para a terceira edição deste ano do “Letra em Cena. Como ler”, em homenagem a Ângela Lago, que será realizada nesta terça-feira (13/6), no Café do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Marilda vai conversar com o curador do programa, o jornalista José Eduardo Gonçalves, e com o público sobre a trajetória de Ângela. Na ocasião, também será realizada leitura dramatizada de textos da homenageada pela atriz Juliana Daher.
'Ângela dizia que o melhor escritor para crianças era (Luís da) Câmara Cascudo. Nunca entendi muito bem aquilo, porque ele era um historiador e pesquisador denso, nunca produziu nada para o público infantil. Só depois entendi que o que Ângela queria dizer é que as histórias populares e de folclore são as mais instigantes para o público infantil'
Marilda Castanha, ilustradora
Natural de Belo Horizonte, Ângela era formada em serviço social e não tinha pretensões de se tornar escritora. Antes de publicar seu primeiro livro, fez especialização em psicopedagogia infantil nos EUA, mudou-se para a Venezuela, onde deu aulas na Escola de Serviço Social da cidade de Puerto Ordaz, e, em seguida, partiu para a Escócia para estudar artes gráficas.
Somente quando voltou ao Brasil, a partir da segunda metade da década de 1970, que Ângela ensaiou os primeiros passos na literatura, publicando poemas no “Suplemento Literário de Minas Gerais”, à época editado por Murilo Rubião (1916-1991).
“O fio do riso”, seu primeiro livro, saiu em 1980. Baseado no mito de Orfeu e Eurídice, ele conta a história de Nina, uma menina que, por se sentir entediada, telefona para um número aleatório. Do outro lado da linha, quem atende é a fada Plimpinar, que propõe a Nina uma viagem a um reino encantado. A única condição imposta é que a garota não ria do que encontrar pelo caminho. Assim como Orfeu, Nina não consegue cumprir o combinado e acaba sofrendo as consequências disso.
“Os detalhes são algo com que Ângela sempre teve cuidado”, comenta Marilda. “Ela tinha toda uma atenção e preocupação com a arquitetura da página, com o que vinha depois. Por isso, toda rasura, risco e rabisco eram aproveitados. Nada era desperdiçado”.
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Embora tenha ficado em segundo lugar no Prêmio Jabuti (2010), com "Marginal à esquerda", foi com a adaptação do livro bíblico “Cântico dos cânticos” que Ângela alcançou maior popularidade, em 1992.
Inspirada em desenhos e xilogravuras do holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), a versão que a brasileira fez de “Cântico dos cânticos” não conta com nenhum texto escrito e, além disso, pode ser lida de trás para a frente ou vice-versa, afinal, o encontro entre o casal ocorre nas páginas centrais.
“Esse livro bíblico era o que mais havia tocado Ângela em sua adolescência. Desde essa época, ela sonhava em traduzi-los em imagens”, lembra Marilda, acrescentando que a obra, além de falar sobre o amor de um casal, traz detalhes típicos de cidades do Oriente Médio no intuito de contextualizar a obra.
Referências aos clássicos da literatura e das artes plásticas são uma constante nas obras de Ângela Lago. No entanto, todas essas alusões serviam para contar histórias que tivessem raízes populares.
"Em diversas ocasiões, a Ângela dizia que o melhor escritor para crianças era (Luís da) Câmara Cascudo. Nunca entendi muito bem aquilo, porque ele era um historiador e pesquisador denso, nunca produziu nada para o público infantil. Só depois entendi que o que Ângela queria dizer é que as histórias populares e de folclore são as mais instigantes para o público infantil”, comenta Marilda.
“É interessante porque, se você mergulhar na obra dela, vai perceber que são justamente histórias populares, mas com várias referências clássicas e eruditas. Fica claro que ela era uma grande leitora”, observa.
LETRA EM CENA. COMO LER ANGELA LAGO
Com Marilda Castanha. Leitura de textos por Juliana Daher. Nesta terça-feira (13/6), às 19h, no Café do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca, mediante retirada de ingressos no site do Sympla. Informações: (31) 3516-1360.
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