Rapper Ogoin e DJ Linguini estão em cenário azul e olham para a câmera

Ogoin e Linguini buscam inspiração no passado, mas garantem que não copiam as antigas canções de sucesso. A ideia do duo é dar novo conceito à nostalgia

José Dutra/divulgação


“Good times”, interpretada pelo rapper itabirano Ogoin, de 26 anos, e mixada pelo DJ belo-horizontino Linguini, de 22, conquistou o Prêmio Rap BR na categoria melhor música de 2022. A faixa dos mineiros foi seguida por “Sementinha do mal”, do grupo carioca Febre 90’s, em segundo lugar, e “Se eu não lembrar”, do rapper carioca BK e da cantora mineira Marina Sena – dois artistas que estão “bombando” na cena da música jovem brasileira. O prêmio foi entregue no final de maio deste ano.

A canção faz alusão ao programa “Good times”, transmitido pela rádio BH FM por mais de 30 anos, até o início da década de 2010. A letra relembra as declarações de amor radiofônicas, mesclando sonoridades do jazz, R&B e drill (desdobramento do trap, estilo de rap originado em Chicago, nos Estados Unidos). A música traz o remix de “Give it up 2 me”, da britânica Ojerime.

Cena alternativa

A balada romântica é a segunda colaboração do duo, que chama a atenção na cena da música alternativa de Belo Horizonte. O Prêmio Rap BR é fruto da união entre veículos independentes de cultura, como a publicação digital RapMais, Flagra Rap (antiga Genius Brasil), RapTV, Kalamidade e Inverso. A primeira edição premiou Djonga, BK, Major Rd, WIU, Mc Luanna, Cristal, Matuê, Veigh, Rashid e Rico Dalasam.

João Lucas, o Ogoin, mudou-se de Itabira para Belo Horizonte em 2018. Dentro de seu quarto, criava os vocais das faixas que interpretava. Vinícius Fernandes, o Linguini, mora no bairro Marilândia, na região do Barreiro. Conectados pela internet, eles se conheceram em 2020. Desde então, a afinidade segue gerando bons resultados.

Com 182 mil reproduções no Spotify, “Good times” foi criada no fim de 2021 e estreou em 27 de maio de 2022. A música é fruto das produções independentes do duo, que está à frente do Produto Marginal, selo de Contagem.

“Eu fazia um beat e mandava ‘pro’ Ogoin. Já tínhamos muitas músicas juntos quando fizemos 'Good times'. Ele gravou a voz na véspera de Natal de 2021. Quando recebi, já sabia que era algo especial. Fiquei: ‘Nossa, essa é uma das nossas músicas mais bonitas’”, relembra Linguini.
 
 

Com sua levada romântica, a canção surgiu do remix de “Give it up 2 me”, single de Ojerime, cantora de R&B britânica. “Good times” fala do amor de outros tempos. Naquele programa de rádio, mensagens de ouvintes apaixonados eram recitadas ao som dos chamados “flashbacks”, hits do século 20. A voz do locutor Mardone Carlos dá início à faixa.

“Quando estávamos produzindo (a canção), eu sentia que ainda faltava alguma coisa. Na última sessão, achei um vídeo do antigo locutor da BH FM, no programa 'Good times'. Coloquei e ficou maravilhoso, era o que precisávamos para fechar o som com chave de ouro”, diz Linguini.
 

Mini system: som caseiro e especial

Contando com a parceria do DJ e produtor musical Gabriel Duarte, a segunda colaboração da dupla Ogoin-Linguine foi mixada em casa, num equipamento dos anos 2000, modelo mini system. A canção marcou também a transição dos dois jovens mineiros de artistas independentes para duo profissional.

“DJ Biel mixou a música no som da casa dele, desses que a maioria das famílias brasileiras tem. Não foi em monitor de estúdio. Eu e Ogoin partilhamos da mesma realidade: na pandemia, eu fazia tudo sozinho, até por isso comecei a criar beats. Esse som é muito caseiro e muito especial”, afirma Linguini. “Depois, entramos para a gravadora. Foi a virada de chave para começarmos a profissionalizar nosso trabalho e a nos oficializarmos como duo”, conta.

A faixa completou um ano de lançamento dois dias depois da premiação. Feliz, a dupla se diz surpresa em perceber que sua música continua até hoje presente no cotidiano dos fãs.

“Começamos a atrair um público específico e ele ainda está em expansão. Um ano depois do lançamento, o som está muito presente no cotidiano das pessoas que nos acompanham. Além disso, recebemos diariamente mensagens de pessoas novas que se apaixonam por 'Good times'”, afirma Ogoin.

Linguini também se surpreende ao constatar que os bons tempos “das antigas” continuam impactando a geração do século 21. “É curioso, pois hoje em dia, o processo de consumo de música é muito diferente, elas tendem a sumir muito rápido”, observa. Com quatro canções lançadas, o duo bateu 300 mil visualizações nas plataformas digitais.
 
Atuante na cena noturna de Belo Horizonte, Ogoin e Linguini animam eventos como a “Beagrime”, que reúne influências do rap e do dancehall (ritmo jamaicano), com foco no grime e UK drill, gêneros da música eletrônica britânica preta.

“Um ano atrás, quando a música saiu, a gente tocou na pista da 'Beagrime'. Foi a primeira e a única vez em que toquei 'Good times' e não teve o coro gritando o verso 'sei que é segunda'. Depois, todas as vezes em que a canção tocou, a galera canta (o verso) com emoção”, afirma Linguini.
 
 

Diversidade em foco

Os dois afirmam que o prêmio Rap BR é importante por destacar a diversidade sonora do rap nacional, sem se deixar pautar por números relativos a reproduções em plataformas ou redes.

“É preciso entender que os números não são tudo. Se a melhor música do ano não tiver 1 milhão de plays, não tem problema, 'tá' ligado’? Ela é digna de estar lá e nos prêmios também”, diz Linguini.

O prêmio deu aos mineiros a oportunidade de compartilhar experiências com criadores de todo o Brasil. “Eram vários artistas. Gente do Pará, gente de muitos estados do Nordeste concorrendo aos prêmios de revelação do ano, música do ano. E também artistas que eu não conhecia”, explica o DJ belo-horizontino.

“Propor diversidade cria um ponto de relacionamento entre nós e abre a possibilidade de enxergarmos uma cena conjunta”, comenta Ogoin. “Não é apenas consumir artistas novos no nosso cotidiano, mas entender como os contextos funcionam fora da nossa realidade também. É um intercâmbio.”
 
Com múltiplas referências nacionais, internacionais e de suas próprias vivências, o duo já levou a onda retrô de “Good times” para seu primeiro álbum, que está sendo produzido. “Temos a proposta musical de fundir, com ar de nostalgia, nossas referências em comum”, diz o mineiro.

Ogoin explica que não se trata de cópia ou da reprodução exata de antigas canções. “Nossa missão principal não é passarmos a nos comportar como alguém que saiu diretamente dos anos 1980. Queremos criar a nostalgia a partir de sonoridades e artifícios que a extrapolam, com lírica e até mesmo referências a melodias e ritmos atuais”, afirma.

Uma das fontes de inspiração vem da cena alternativa efervescente da capital. “O que rola na Grande BH dá outra perspectiva para essa nostalgia, temos contato e ouvimos todo mundo na pista. Se quisermos fazer um drill como se fosse nos anos 80, fazemos. Se quisermos fazer um drill como se estivesse tocando na Rádio Alvorada, fazemos”, afirma Linguini.

Mineiros do Ruadois indicados

O grupo mineiro Ruadois, formado pelos artistas Mirral ONE e UEU, o produtor musical Georgeluqas e a DJ Akila, se dedica à música eletrônica periférica. Ele também foi indicado ao Prêmio Rap BR, na categoria de melhor performance ao vivo.

“É a prática da fusão de influências”, diz Linguini. “Por isso o ciclo artístico de BH é tão forte”, conclui o DJ.

“GOOD TIMES”

• De Ogoin e Linguini
• Produção: Gabriel Duarte
• Disponível em todas as plataformas digitais
 
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria