Depois de “Espera” (2018), o cineasta e artista plástico Cao Guimarães fez outro filme, “Santino”, que estreou na programação do Festival É Tudo Verdade deste ano, e já finaliza “Amizade”, com lançamento previsto para breve. Só agora o longa de 2018 entrou em cartaz na capital, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Por ironia do destino, “Espera” teve de esperar.
Aliás, não só por causa do destino, explica Guimarães, mas também devido à pandemia e à política cultural do governo Jair Bolsonaro, que emperrou os mecanismos de distribuição do cinema brasileiro. O longa chegou a ter sessões isoladas na 23ª edição do É Tudo Verdade, em 2018, e na mostra permanente “Cinema e psicanálise”, no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes.
“Me parece digno de nota o filme que fala da espera ter prazo tão dilatado para entrar em cartaz”, diz o diretor, que participa, nesta quarta-feira (14/6), às 19h, de sessão comentada no espaço da Unimed. O longa trata das esperas – assim mesmo, no plural –, sejam elas místicas ou objetivas, registrando-as em suas diferentes manifestações.
Tempo e cinema
Cao Guimarães destaca que a temática lhe é cara porque se relaciona diretamente com o tempo, intrínseco ao cinema. “O tempo de espera é muito precioso, porque ele é uma aparente inatividade ou inação. Assim sendo, contrapõe-se à velocidade do tempo contemporâneo, capitalista, consumista, antiocioso. O filme é uma tentativa de refletir sobre isso”, ressalta.De acordo com o cineasta, o tempo de espera, em si, já é carregado de dramaticidade, pois ocorre sempre na iminência de algo: o fim do mundo, o nascimento de um filho, a chegada do trem ou, no caso do ator, o momento de entrar em cena. “Existe essa carga dramática importante no tempo de espera, o que é muito adequado ao cinema”, sublinha.
O filme trata principalmente da incapacidade contemporânea de exercitar a espera, de estar na fila de banco ou na antessala do consultório médico em estado contemplativo diante do mundo. Atualmente, as pessoas estão permanentemente acossadas pela sensação de que esperar é perder tempo, observa Cao.
“Penso que você deve mais é perder o tempo que o mundo consumista e capitalista introjetou na sociedade. O filme é uma crítica, ou melhor, uma constatação sobre a nossa incapacidade, cada vez maior, de suportar o estado de espera”, diz. Cao Guimarães pondera que o conceito é amplo e o ato de esperar pode ser tedioso, mas seu filme não se furta a abraçar este tempo.
“A gente acha que sempre deve acontecer alguma coisa, mas me interessava trabalhar justamente a carga e a 'gravidez' dramática contida no ato da espera. Por exemplo, o momento da expectativa, o tempo que antecede a entrada do ator em cena”, aponta.
O cineasta observa que “Espera” se insere no conjunto de sua obra de maneira orgânica, pois o tema está presente em praticamente toda a sua produção audiovisual. “Otto” (2012), por exemplo, acompanha os nove meses da gestação do filho de Cao.
“Acidente” (2006), que o diretor classifica como um poema visual composto por 20 nomes de cidades de Minas Gerais, traz Espera Feliz, na região da Zona da Mata. “Ali, coloco várias situações em que objetos, as coisas, estão no estado de espera, no aguardo de alguma ação”, pontua. E observa que mesmo “A alma do osso” (2004), que focaliza o ermitão que não espera por nada, traz a ideia de contemplação da passagem do tempo.
Filme sintetiza o conceito da obra de Cao
Guimarães salienta que seu desejo é trazer o tempo do cinema para mais perto do tempo real. “Há grande distanciamento entre o tempo cinematográfico, cada vez mais veloz, e o tempo da vida, muito mais elástico. Sentir esse tempo na sala de cinema é muito importante. O 'Espera', então, é como se fosse uma síntese, a condensação do conceito que perpassa todos os meus filmes.”
O próprio diretor se coloca como um dos personagens de “Espera”, na sequência em que acha na geladeira rolos de filme Super 8. “Fui criado no tempo analógico da imagem, a gente fazia a foto, esperava a revelação e a ampliação para ver a imagem. Mandar filmes para o laboratório podia levar meses. Isso não existe mais. Hoje em dia, você faz a foto no celular, já recorta, trata, publica e põe no mundo instantaneamente”, conclui Cao Guimarães.
“ESPERA”
Sessão comentada do filme de Cao Guimarães, com a presença do diretor. Nesta quarta-feira (14/6), às 19h, na Sala 1 do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia), na bilheteria ou no site Velox. Informações: (31) 3516-1360.