Viagens no tempo e universos paralelos não são nenhuma novidade no mundo das artes, sobretudo no cinema. “Efeito borboleta” (2004), “Donnie Darko” (2004), “Questão de tempo” (2013) e a já clássica trilogia “De volta para o futuro” são apenas alguns exemplos de títulos que exploraram com maestria essa temática. Contudo, a produção recente tem feito desses temas quase um lugar comum, de tão frequente.
Só nos últimos cinco anos, foram rodados diversos longas cujas tramas exploram o metaverso e os saltos temporais. Entre eles, “Homem-Aranha no Aranhaverso” (2018), “Yesterday” (2019), “Homem-Aranha sem volta para casa” (2018), “Doutor Estranho no multiverso da loucura” (2022) e o mais recente vencedor do Oscar, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”.
Todos tiveram bilheteria superior a US$ 100 milhões, o que indica o alto interesse do público por esse tipo de produção – “Homem-Aranha sem volta para casa” acumulou US$ 1,132 bilhão em bilheteria.
Nessa toada, chega nesta quinta-feira (15/6) aos cinemas o aguardado “The Flash”, de Andy Muschietti. Com Ezra Miller no papel principal, o filme não se limita a contar a história do herói, desde seu drama familiar - a mãe foi assassinada quando ele ainda era criança, e a principal suspeita recai sobre o pai - até suas missões ao lado de Batman, Super-Homem, Aquaman e Mulher Maravilha, na Liga da Justiça.
Efeito Borboleta
“The Flash” vai além. Evocando o já citado “Efeito borboleta”, o protagonista descobre como viajar no tempo e volta ao passado, no intuito de evitar o assassinato da mãe e mudar sua própria história. Contudo, ao mudar o passado, Barry (verdadeiro nome do herói) desencadeia uma série de eventos que colocam a Terra em perigo.
Quando retorna ao presente, ele desembarca alguns anos antes do momento em que viajou para o passado. Portanto, não encontra mais o mesmo mundo em que vivia. Pelo contrário, encontra um outro Barry (também interpretado por Ezra Miller) mais imaturo e mimado pelos pais.
Nesse universo, o Super-Homem, seu colega da Liga da Justiça, nunca existiu - na verdade, até existiu, mas morreu bebê, conforme se descobre em determinado momento do filme -; Aquaman nem chegou a nascer, e o Batman, que era o melhor amigo de Flash, abriu mão da vida de herói e playboy milionário para viver uma velhice em desleixo em sua mansão abandonada.
Aqui cabe um parêntese importante (contém spolier). A grande sacada do diretor Andy Muschietti foi fazer com que o Homem-Morcego fosse interpretado por Ben Affleck no início do filme e, a partir do momento em que Barry muda o passado e vai para um novo universo, Michael Keaton assume o lugar de Affleck, dando ênfase em mais uma mudança decorrente da interferência indevida no tempo. Ambos (Affleck e Keaton) interpretaram o herói em filmes anteriores.
Voltando para a história de “The Flash”, há uma novidade no rol dos heróis. Supergirl (papel de Sasha Calle), que Barry não conhecia, substitui o falecido Super-Homem no novo universo. Ela é resgatada por Barry e pelo Batman septuagenário numa prisão da Sibéria. De quebra, ela ainda dá uma surra nos soldados russos, sem deixar um único vivo - cena bastante sugestiva num contexto de invasão russa na Ucrânia.
Os vilões, contudo, não sofrem nenhum tipo de interferência em suas vidas. Liderado pelo General Zod (papel de Michael Shannon), do planeta Krypton, um exército de alienígenas segue na tentativa de dominar o mundo.
É aí que Barry entende, de fato, a gravidade da situação. Antes de ele mudar o passado, Zod já havia tentado atacar a Terra, mas foi derrotado pela Liga da Justiça. Agora, com o grupo de heróis desfalcado, torna-se impossível barrar o vilão.
Assim, junto com o seu “eu” do novo universo, Barry tenta retornar ao passado e consertar a besteira que fez para que a história siga seu curso natural.
É claro que, antes de chegar a essa conclusão, há muita pancadaria e cenas de explosão acompanhadas por trilhas sonoras extravagantes que ajudam a manter o clima tenso. E, como é praxe nos filmes de super-heróis, Barry precisa ver que está em desvantagem para decidir consertar a situação insólita que criou.
Embora clichê, o filme se salva ao se ancorar no humor. Para além das piadas previsíveis, o roteiro de Christina Hodson traz contradições do personagem que ajudam a dar o tom cômico - Barry, por exemplo, é a pessoa mais rápida do mundo, mas vive atrasado para seus compromissos pessoais.
Batman, Super-Homem e nostalgia
A nostalgia foi outro elemento explorado em “The Flash”. Por escolha do diretor Andy Muschietti, quando Keaton entra em cena para interpretar o Batman, o uniforme, o tradicional logo do Homem-Morcego (amarelo e preto) e o batmóvel são os mesmos que foram usados no filme de Tim Burton, de 1989.
A nostalgia também está nas cenas que Muschietti trouxe de diferentes filmes do Super-Homem, nos quais Christopher Reeve (1952-2004) e Henry Cavill interpretam o herói. No contexto de “The Flash”, esses excertos de filmes são realidades de outros universos pelos quais Barry passa ao viajar no tempo.
Até Nicolas Cage faz uma ponta como Super-Homem em um desses universos. Embora o ator nunca tenha interpretado o herói, ele quase deu vida ao personagem em um filme de Tim Burton que não passou da fase de pré-produção.
A performance dupla do altamente controverso (em sua vida privada) ator Ezra Miller também merece destaque. Ele interpreta com segurança as duas versões de Barry, sabendo separá-las e transitar entre a comédia boba e a dor do personagem ao perder a mãe.
Existiam dúvidas sobre a viabilidade do lançamento do filme, após a divulgação de diversos problemas legais e acusações contra Miller, que variavam de agressão a abuso e invasão de propriedade envolvendo.
“The Flash” parece contribuir para reabilitar a credibilidade da DC, agora sob a direção de James Gunn e Peter Safran, que assumiram com a missão de criar uma nova era para o estúdio, que sempre sofreu com as adaptações cinematográficas de suas HQs. Entre críticos do estúdio, era comum a piada de que a DC só faria bons filmes em outro universo. Com “The Flash”, no entanto, isso pode estar mudando.
“THE FLASH”
(EUA, 2023, 145min). De Andy Muschietti. Com Ezra Miller, Sasha Calle e Michael Keaton. Classificação: 12 anos. Em cartaz a partir desta quinta-feira (15/6) nos cinemas do BH Shopping, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Estação, Itaú, Minas, Norte, Partage, Pátio Savassi e Via Shopping.