Alice vê um coelho branco vestido de terno e carregando um relógio de bolso na mão; desacreditada do que vê, segue o animal e mergulha em um buraco. Depois de uma longa queda, a menina chega em um universo de sonhos, com personagens e cenários emblemáticos. 





O clássico infantil de Lewis Carroll, pseudônimo do romancista inglês Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898), constrói uma narrativa que não segue as regras da lógica e com acontecimentos repletos de absurdos. Originalmente, o manuscrito da obra lançada em 1865 tinha o título de “As aventuras de Alice no reino subterrâneo”.

Foi a partir da imagem do subterrâneo que a atriz Juliana Birchal decidiu criar o solo que ela estreia nesta sexta-feira (16/6) em Belo Horizonte. “Subterrânea: uma fábula grotesca” fica em cartaz até domingo, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium. 

Pandemia e Bolsonaro

Confinada dentro de casa devido à pandemia, a atriz conta que se movimentar dentro de seu estúdio foi a maneira que encontrou para conseguir sobreviver àquele período de crise sanitária. “Essa palavra (subterrâneo) ficou martelando na minha cabeça, ela insistia em aparecer. Então decidi criar um solo sobre isso”, afirma. 





Segundo Juliana, a peça reflete os pensamentos que teve e as angústias que sentiu durante a gestão Bolsonaro. As incertezas causadas pelo contexto político e social brasileiro somadas às inspirações originadas pela pesquisa da atriz sobre a obra "Alice no País das Maravilhas" despertaram nela o desejo de se expressar por meio do teatro. 

Iniciado em 2020, o processo de criação foi concluído três anos depois. “Comecei com a ideia do subterrâneo, tentando cavar um pouco mais fundo, para saber de onde veio essa onda do conservadorismo que emergiu nos últimos anos. Por um tempo eu achei que esse movimento já estava superado, mas ele veio com tudo, mostrando que o nosso país ainda tem muita dificuldade em mexer nas estruturas sociais”, diz Juliana. 

No meio do processo, Juliana entrou no mestrado em Artes Cênicas, pela Escola de Comunicações e Artes da USP, para estudar o uso de máscaras no teatro. Nesse momento, ela sentiu a necessidade de ter alguém para participar da direção do solo e fez o convite a Lenine Martins. 





Tendo como ponto de partida o conservadorismo, Juliana e Lenine passaram a trabalhar em volta de um recorte: o papel da mulher na sociedade. Em cena, Juliana Birchal interpreta uma mulher-cigarra, extremamente conservadora. A peça segue a trajetória dessa personagem que, pelo bem da espécie, tenta se encaixar nos moldes e obrigações  impostas a ela pelo sistema patriarcal.

Ela se casa, cuida dos filhos e do lar e, assim, passa a ser uma das engrenagens da estrutura. “A escolha de representar essa mulher foi pensando em trazer uma figura dúbia. Ao mesmo tempo em que ela é vítima, ela também perpetua esse sistema machista, seja por falta de consciência ou de informação”, pontua a atriz.
 
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Em alguns momentos mulher, em outros cigarra, a imagem de um lugar onde o pior de cada um se esconde é exposta por meio de uma metáfora sobre esse inseto. Isto porque algumas cigarras são capazes de invadir plantações embaixo da terra, sugando a seiva das plantas e trazendo grandes prejuízos às lavouras. 





“A imagem de uma parte sombria que fica escondida, para mim, evocou esse movimento que nós presenciamos. De repente, a gente se assusta e fala: como chegamos aqui?”, questiona Birchal. 

Nas palavras da atriz, o público vai ver uma fábula que não é para crianças. “O espetáculo tem muitos jogos sonoros e visuais. A história dessa mulher-cigarra tem momentos que são cômicos e outros que são mais tensos. O público vai acompanhando a trajetória de vida dela a partir do atravessamento de outras figuras”, conta.

“SUBTERRÂNEA: UMA FÁBULA GROTESCA”

Solo de Juliana Birchal. Direção: Lenine Martins. Nesta sexta (16/6) e sábado, às 20h, e domingo (18/6), às 19h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Ingressos: R$ 30 (inteira); meia social mediante a doação de 1kg de alimento não perecível. 


*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes

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