Yamandu Costa e António Zambujo no palco do Teatro Tivoli, em Lisboa

O pontapé inicial da atual turnê dos artistas foi seu show conjunto de no Teatro Tivoli, em Lisboa, em setembro de 2022, nas comemorações do bicentenário da Independência

Luís M. Serrão/ divulgação
 
Desde que se conheceram pessoalmente, em 2008, e estabeleceram imediatamente um forte laço de amizade, Yamandu Costa e António Zambujo projetavam uma grande turnê conjunta. Passados 15 anos, o intento foi finalmente realizado. O festejado violonista brasileiro e o cantor português – considerado um dos mais destacados músicos daquele país na atualidade – aterrissam em Belo Horizonte na próxima quarta-feira (21/6), com a turnê “Música sem fronteiras”.

O show, que estreou na última quinta-feira, no Rio de Janeiro, terá única apresentação no Grande Teatro do Sesc Palladium. Depois de cumprir um roteiro por algumas cidades brasileiras, a dupla segue para uma série de apresentações por diversos países europeus, em uma agenda que vai se estender até 2024. O repertório que será apresentado reúne músicas de diferentes épocas e lugares.

Foi no palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, que nasceu o show com que Yamandu e Zambujo agora circulam pelo Brasil e, na sequência, pelo mundo. O espetáculo apresentado pela dupla celebrou a amizade entre os povos do Brasil e de Portugal, numa simbiose de ritmos lusófonos, durante as comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, em setembro de 2022.
 

"Nossa amizade e o fato de nossos gostos musicais serem muito parecidos propiciam um diálogo fluido. Ele (Yamandu) não se deslumbra com a capacidade enorme que tem, sabe que a música é o que está em primeiro plano"

António Zambujo, cantor português

 

Antes, os dois chegaram a realizar uma pequena turnê no Brasil, em 2014, quando passaram por meia dúzia de cidades. O desejo de fazer algo maior, no entanto, permaneceu latente. Tanto Yamandu quanto Zambujo atestam que a motivação por trás de “Música sem fronteiras” foi a amizade entre ambos e um gosto musical compartilhado.
 
 

O violonista conta que seu primeiro contato com o músico português – que além de cantor também é compositor e instrumentista – se deu quando ele começava a fazer carreira no Brasil. Zambujo recorda que foi a primeira vez que veio se apresentar no país – um show no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, para o qual convidou Yamandu, cujo trabalho já conhecia.

“Temos e tínhamos já à época um amigo em comum, o Marcello Gonçalves, do Trio Madeira Brasil, que também toca violão 7 cordas – instrumento no qual Yamandu é uma referência. E eu já tinha visto o 'Brasileirinho', um documentário sobre choro do qual ele participava. Também já conhecia o trabalho de Yamandu pelo documentário sobre Vinicius de Moraes, em que está presente”, diz Zambujo.
 

Alma de músico

Para o brasileiro, o convite para acompanhar o português em um show foi uma novidade. “Nunca fui um músico que colaborou com cantores; sempre foquei na carreira de solista, mas António Zambujo é um cantor com alma de músico, ele tem um respeito pela música que é algo que sempre me cativou. A gente se identificou muito rapidamente. Depois da canja que dei no show dele em 2008, começamos a nos frequentar não em função de algum trabalho, mas pela amizade mesmo”, conta.

Yamandu, que se mudou para Portugal há quatro anos – em grande medida incentivado por Zambujo –, observa que a proximidade entre os dois só fez crescer ao longo do tempo. “Resolvemos que agora era a hora de colocar um trabalho conjunto na estrada. É uma parceria natural, não é forçada, não é ensaiada, porque tocamos e cantamos coisas que gostamos de ouvir. É como se estivéssemos em casa, uma coisa genuína, que flui de maneira muito orgânica”, afirma.

Tocar acompanhando um cantor ainda guarda algo de novidade, mesmo depois de terem realizado algumas apresentações juntos, conforme aponta. “Colocar o violão a serviço de uma canção, apoiando a palavra, é diferente do que faço normalmente. A palavra, muitas vezes, pede um ônus, então é um exercício criativo enriquecedor, e praticar isso com um cantor dessa grandeza só acrescenta”, diz.

O repertório do show inclui música tradicional portuguesa, choro, chamamé e outros ritmos do Sul do Brasil, bolero mexicano, bossa e “um bando de coisas diferentes que a gente gosta de ouvir”, segundo o violonista. Ele diz que o roteiro segue praticamente o mesmo da apresentação de setembro do ano passado, em Lisboa, apenas com o acréscimo do bolero “Profecia”, do cubano Antonio Machin.

“É uma música que conheci em Cuba, mostrei para ele e acabamos gravando”, diz. Zambujo ratifica o que Yamandu diz a respeito da seleção do repertório. “Tudo parte do nosso gosto musical. Tem coisas que influenciam os dois, tem coisas que ele conhecia melhor, outras que eu conhecia melhor, mas foram muitas reuniões, muitas conversas, muitos ensaios para decidir a escalação das músicas”, explica o português.
 
 

Yamandu salienta, ainda, o apreço de ambos pelas tradições musicais de seus respectivos países. “Somos dois homens do Sul; ele é do Alentejo e eu, de Porto Alegre. A música brasileira tradicional carrega muito da música alentejana, então a gente se encontra na raiz das coisas. Fazemos música do nosso tempo, mas temos um pé muito fincado nas tradições. Isso acabou nos unindo. O roteiro do show é feito dessa identificação”, aponta.

O repertório da apresentação foi gravado pela dupla e registrado em um álbum físico que está sendo lançado em primeira mão nesta etapa brasileira (e inicial) da turnê – a previsão é de que só chegue às plataformas digitais em janeiro do próximo ano. “É uma tiragem específica, só para a turnê no Brasil, para vendermos nos shows – um projeto especial, exclusivo dessa nossa digressão aqui no Brasil”, salienta o violonista.
 

"Colocar o violão a serviço de uma canção, apoiando a palavra, é diferente do que faço normalmente. A palavra, muitas vezes, pede um ônus, então é um exercício criativo enriquecedor, e praticar isso com um cantor dessa grandeza só acrescenta"

Yamandu Costa, violonista brasileiro

 

Dinâmicas pequeninas e silêncios

Yamandu diz haver muitos pontos de convergência entre seu trabalho e o de Zambujo. “Temos uma ligação forte com a coisa da improvisação, por exemplo. Ele é um cantor que tem isso, o que é raro; é um cara extremamente seguro do que sabe fazer e da capacidade que tem. A gente simplesmente sai tocando e cantando, nada é muito armado ou preconcebido. Ele entoa as canções e eu vou bordando as palavras. Tem dinâmicas pequeninas, muitos silêncios, algo difícil de encontrar no universo da canção, por isso costumo dizer que cada show é único”, comenta.

O português reforça esse traço de espontaneidade: “Nossa amizade e o fato de nossos gostos musicais serem muito parecidos propiciam um diálogo fluido”. Para Zambujo, o que mais chama a atenção na arte de Yamandu é o virtuosismo a serviço da delicadeza. “Ele não se deslumbra com a capacidade enorme que tem, sabe que a música é o que está em primeiro plano”, pontua.
 
 

O violonista, por sua vez, também identifica como grande mérito de seu parceiro de palco a reverência à música e o respeito às suas mais diversas formas de expressão. Yamandu destaca a forma como Zambujo se aproxima da linguagem da música brasileira e a transforma sem nenhuma afetação. “Quando uma pessoa inova, às vezes o faz sem fundamento, porque é algo que já vem carregado de pretensão. No caso dele não soa assim, é uma contribuição natural. O que tem é um respeito pelas tradições, sejam as de Portugal ou as do Brasil”, destaca.

Ele adianta que, após os shows no Brasil, a dupla segue com apresentações em Montenegro e na França, na Ópera de Lyon. A partir da chegada do álbum – batizado com o nome de uma das músicas do show, “Prenda minha”, parceria de Yamandu com Paulo César Pinheiro – nas plataformas, o plano imediato é circular por Portugal e Espanha, cumprindo um roteiro de cinco ou seis cidades em cada país.

“Nossa ideia é viajar de carro, registrando tudo, para virar um documentário”, revela o violonista. Afora a turnê de longa duração com Zambujo, ele diz que vai, paralelamente, seguir com sua produção frenética. “Entre dezembro e janeiro, gravei seis álbuns. Fiz um disco com Armandinho; gravei uma peça de 14 minutos com a Orquestra Assintomática, que está fazendo história em Portugal; estou com dois álbuns solo para sair e um novo concerto para violão e orquestra. É uma loucura. Tenho que começar a aprender a descansar”, diz.

“MÚSICA SEM FRONTEIRAS”

• Show de António Zambujo e Yamandu Costa
• Nesta quarta-feira (21/6), às 21h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, 31.3214-5396)
• Ingressos: Plateia 1 (esgotado), Plateias 2 e 3, entre R$ 100 e R$ 200, à venda no site Sympla e na bilheteria do teatro Promoção pacotes família: dois ingressos a R$ 220, três ingressos a R$ 330, quatro ingressos a R$ 440

REPERTÓRIO

“Carinho/ Serelepe” (Yamandu Costa)
“Samba pro Rapha” (Yamandu Costa)
“Prenda minha” (Paulo César Pinheiro e Yamandu Costa)
“Sinal da cruz” (Ferrer Trindade/Max)
“Valsinha” (Chico Buarque/Vinicius de Moraes)
“Eu já não sei” (Carlos Gonçalves e Domingos Gonçalves Costa)
“Recuerdos de Ypacaraí” (Demetrio Ortiz)
“Tristeza do Jeca” (Angelino de Oliveira)
“Profecia” (Antonio Machin)
“Moda alentejana” (popular)
“Gente humilde” (Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Garoto)
“Odeon” (Ernesto Nazareth)
“Estrela da tarde” (Fernando Tordo)
“Rapaz da camisola verde” (Pedro Homem de Melo e Frei Hermano da Câmara)
“Falando de amor” (Tom Jobim)
“El Cosechero” (Ramón Avala)
“Carinhoso/ Visita de estudo” (Jorge de Barro e Pixinguinha; António Zambujo e Maria do Rosário Pereira)
“Nervos de aço” (Lupicínio Rodrigues)