Formado há 27 anos na comunidade do Alto Vera Cruz por mulheres com idade acima de 50 anos, o grupo Meninas de Sinhá chega nesta quarta-feira (21/6) à etapa final de uma ação iniciada em dezembro de 2021, ainda sob a sombra da pandemia. Trata-se do lançamento do livro “Sabor da memória”, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube, em evento que vai contar com shows do grupo Viva Viola e das próprias Meninas de Sinhá.




 
O livro resulta do projeto homônimo que teve como cerne um concurso de receitas culinárias voltado para moradores das Instituições de Longa Permanência para Idosos de Belo Horizonte (ILPI). Além do concurso, o projeto contou com 59 oficinas de sensibilização, em áreas como memória gustativa, bordado, pintura e brincadeiras, e também com uma circulação de 19 shows das Meninas de Sinhá pelas ILPIs envolvidas.
 
O Sabor de Memória recebeu, ao todo, 73 inscrições no concurso. A curadora, pesquisadora alimentar e cozinheira Patrícia Brito selecionou 30 das receitas enviadas para compor o conteúdo do livro, além das histórias e memórias dos participantes. Os livros serão distribuídos gratuitamente no lançamento.
A iniciativa das Meninas de Sinhá se insere numa sequência de ações que vêm sendo desenvolvidas desde 2008, quando o grupo se formalizou com CNPJ e se tornou uma Organização da Sociedade Civil. Se o foco inicial era a música, com o passar do tempo, várias outras frentes de atuação foram incorporadas.




 
“Começamos a escrever projetos para a comunidade também, a dar aulas de flauta, de percussão e oficinas em outras áreas. Hoje temos o grupo de cantadeiras, com 22 integrantes com idades entre 61 e 87 anos; temos o grupo das bordadeiras, com 18 mulheres; e temos nossos projetos, como o Semeando Saberes Ancestrais, que atende mais de 300 idosos na Regional Leste com oficinas e cursos”, diz Patrícia Lacerda, coordenadora do Grupo Cultural Meninas de Sinhá.
 
ENCONTRO LONGEVIVER Idealizadora do Sabor da Memória, ela ressalta, também, a realização, em 2019, do Encontro Longeviver, com três meses de programação e a presença de artistas como Rolando Boldrin (1936-2022) e as Irmãs Galvão. Esse projeto voltou a ocorrer, de forma on-line, em 2021, e paira novamente no horizonte das Meninas de Sinhá. “É o próximo projeto que a gente vai escrever”, diz Patrícia.
 
Ela assumiu a coordenação das Meninas de Sinhá em 2014, após a morte da fundadora, Valdete da Silva Cordeiro, que foi quem primeiro aglutinou as mulheres do Alto Vera Cruz, em 1996. Sua relação com o grupo, contudo, vem de antes. Patrícia conta que conheceu as Meninas de Sinhá em 2006, quando trabalhava em uma produtora que foi pontualmente contratada para acompanhar o grupo em uma viagem ao Vale do Jequitinhonha.




 
Após acompanhar as Meninas de Sinhá em diversos shows e em outras viagens, ela passou, em 2007, a se dedicar exclusivamente ao grupo, atuando como assessora de Valdete. “Comecei a organizar a vida financeira delas, a cobrar pelos shows, porque elas se apresentavam de graça muitas vezes. Valdete dizia que a gente ia tirar a parte social do grupo, e eu argumentava que não, mas que não dava para ficar tocando de graça toda semana”, conta.
 
Ela se recorda que, com o tempo, o grupo foi conquistando mais espaço, subindo o preço do cachê e vendendo apresentações para outros estados. Até pouco antes da morte de Valdete, as Meninas de Sinhá ainda não tinham uma sede própria – ensaiavam em praça pública ou na sede da Associação dos Moradores do Alto Vera Cruz, quando estava disponível, segundo Patrícia.
 
“Pedimos à Associação dos Moradores para usar um espaço que tem no bairro, a Casa de Brincar, que tinha ficado vaga. Escrevi um projeto de reforma, que Valdete não chegou a ver concluído. A morte dela deixou o grupo meio baqueado, mas resolvemos seguir adiante. As mulheres entenderam que o grupo era o legado de Valdete e que as Meninas de Sinhá eram a razão de se sentirem vivas”, afirma.




Ela aponta que uma outra virada de chave foi começar a captar recursos junto ao Fundo Municipal do Idoso de Belo Horizonte, que já possibilitou a realização do Encontro Logeviver e do projeto Música que Transforma, além do Sabor da Memória. “Quando abrimos esse canal, começamos a pensar em ações direcionadas para o público idoso da cidade”, diz.

RECEITAS GUARDADAS O concurso culinário e as atividades conexas realizadas no bojo do projeto que vai agora chegando ao final resultam desse direcionamento, conforme aponta. “Quando a gente vê os idosos lanchando numa ILPI, é sempre aquele pratinho sem graça, e eu ficava pensando em propor algo que resgatasse a memória gustativa deles, porque é um pessoal que sempre tem muitas receitas guardadas”, comenta.
 
Ela destaca que o projeto alcançou ótimos resultados. “Os idosos ficaram muito felizes. Dona Lulu, que ganhou o prêmio de melhor receita, teve uma vida muito difícil, de não valorização, então é muito importante para uma pessoa assim ser reconhecida por uma receita de pudim de tangerina. Depois desse projeto, outras instituições estão adotando aulas de culinária, de pintura, quer dizer, foi uma ação inspiradora”, aponta.




 
O êxito se deu apesar das dificuldades encontradas pelo caminho, de acordo com a coordenadora. Ela explica que o projeto foi construído antes da chegada da pandemia, com um desenho que previa a realização de oficinas e, ao final, o concurso culinário. “Tivemos que modificar tudo, por uma determinação do Fundo Municipal do Idoso mesmo, para suprir a falta da presença”, diz.
 
O impacto do isolamento social foi grande para as Meninas de Sinhá, conforme aponta. Ela conta que iniciou, remotamente, um processo de ensinar as integrantes do grupo a lidar com o WhatsApp e com as plataformas de reuniões on-line, contando com a ajuda de seus filhos e netos. “Elas ficaram com muito medo. Eu sugeria que acordassem cedo e fossem fazer uma caminhada, de máscara, para tomar um sol, procurando não ter contato com ninguém na rua”, relata.
 
As Meninas também eram orientadas a ler textos, decorar músicas e exercitar o bordado. “A partir de um certo momento, também começamos a planejar várias lives, o que foi muito bom. Eu enviava o link, vinham os convidados, e elas sempre estavam presentes. Fizemos 19 vídeos pelo Encontro Longeviver. A gente ia na casa de cada uma, com segurança, usando máscara, e gravava os vídeos com elas dizendo como estavam atravessando aquele período e cantando. Elas eram remuneradas por esses vídeos.”




 
Com o arrefecimento da pandemia, as atividades regulares do grupo foram retomadas a todo vapor, segundo Patrícia. Em fevereiro deste ano teve início o projeto Semeando Saberes Ancestrais, com um intercâmbio com as bordadeiras do grupo Mulheres do Jequitinhonha, em parceria com o Centro de Referência da Assistência Social, mantido pela prefeitura e pelo Governo Federal.

TERAPIA “O bordado é uma terapia muito rica, que elas amam fazer, mas minha visão é que isso também precisa gerar renda. Nessa vivência com as Mulheres do Jequitinhonha, a gente também tem trabalhado com a troca de conhecimento acerca de remédios, benzimentos, conhecimentos que elas guardam de seus antepassados e culinária, além do bordado”, diz.
 
A coordenadora do grupo ressalta que o Semeando Saberes Ancestrais engloba, ainda, oficinas que vão de musicalização a organização financeira, passando por cursos de artesanato, macramê, crochê e pintura, tudo oferecido gratuitamente. Ela aponta que outros projetos já estão encaminhados ou devem vir à baila em breve.




 
“Já estamos captando para o Sabor da Memória – Receitas Afetivas de Belo Horizonte, que é o concurso que virá na sequência do Semeando Saberes Ancestrais e que vai gerar três livros. O que estamos encerrando agora foi focado no público das ILPIs. Agora, a ideia é expandir para toda a cidade. Também estamos vislumbrando, ainda para este ano, a próxima edição do Encontro Longeviver”, adianta.
 
O show que as Meninas de Sinhá fazem no lançamento do livro “Sabor da memória” tem repertório formado por músicas de domínio público, canções autorais e releituras. No palco, elas interpretam, dançam e conduzem o público com canções como “Roda Ciranda”, “Mexido de Sinhá”, “Peneirei Fubá”, “Mexe, mexe”, composta por Ephigênia Lopes, uma das integrantes do grupo, e “Bolinho de Fubá”, de autoria de Edwina Andrade, que também é uma das Meninas de Sinhá.
 
“Para montar o repertório, a gente escolheu principalmente músicas que falam de comida, justamente para ressaltar essa questão da memória”, diz Patrícia. Com direção musical de Sarah Assis (acordeom e piano), o show conta com o suporte de uma banda formada por Carlinhos Ferreira (percussão), Aloízio Horta (baixo), Andinho Santos (cavaquinho) e Geraldo de Almeida (violão). Algumas das Meninas de Sinhá também engrossam o caldo sonoro, tocando percussão e outros instrumentos.




O grupo Viva Viola, que, como o nome indica, tem seu foco na tradição da viola caipira, reúne cinco importantes cantores e compositores mineiros: Bilora, Chico Lobo, Gustavo Guimarães, Pereira da Viola e Wilson Dias. O repertório que será apresentado no lançamento de “Sabor da memória” é composto por temas autorais dos integrantes do grupo.
 

(foto: Reprodução)
 
 
 
“SABOR DA MEMÓRIA”

Lançamento do livro, com shows dos grupos Meninas de Sinhá e Viva Viola, nesta quarta-feira (21/6), às 14h30, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, 31. 3516-1360). Os ingressos podem ser retirados gratuitamente na bilheteria do Teatro a partir das 12h. 

compartilhe