Nos três anos (2006 a 2008) em que integrou o "Terça insana", Marco Luque sofreu um bocado. Criadora do espetáculo de comédia com vários atores, Grace Gianoukas cobrava novidades de seu elenco a cada mês – ou um novo personagem, ou um número que nunca tinha sido apresentado.





Neste processo de criar sob pressão, Luque, de 49 anos, deu à luz a dois de seus personagens mais populares. O motoboy Jackson Faive e o riponga Mustafary. Ambos já com pelo menos 15 anos estarão juntos no espetáculo "Dilatados", que será apresentado neste sábado (24/6), no Palácio das Artes. Os ingressos estão esgotados.

Juntos não, separados. Em 40 segundos, Luque consegue se desvencilhar do mano Jackson para encarnar o vegetariano que diz amar a natureza e os animais. "Tem gente que acha que dá para ir ao banheiro (durante a troca de personagens), mas não", conta ele, que faz a troca em menos de um minuto com a ajuda de uma caracterizadora, que fica ao lado do palco.

Lançado em 2022 e, desde então, rodando o Brasil, "Dilatados" traz um texto-base, que pode mudar a cada apresentação. "Não sou ator que faz para o horizonte. Gosto de olhar para as pessoas e é inevitável que eu perceba alguma coisa que chama a atenção na plateia. Isso pode me inspirar e eu criar uma piada na hora. Até porque cada plateia é uma. A peça é como se fosse um stand up desses personagens, mas traz uma camada a mais."





Voltando à pressão do "Terça insana", Luque conta que criou Jackson a partir de duas observações. O crescimento do fluxo de motoboys em São Paulo e um antigo cunhado. "Vimos que eles passaram a ter uma importância maior. (Para criar) Eu ficava pensando em qualquer coisa. Daí peguei como referência o namorado da irmã da minha namorada, que era muito mano."
 
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Réveillon na Bahia

Já Mustafary nasceu em um réveillon em Morro de São Paulo. "Adoro a Bahia, é um lugar muito rico não só pela energia, mas pelas pessoas. Fiquei mais ligado em praia, natureza e comecei a pensar num cara mais rastafári. Na verdade, meus personagens são sempre uma projeção de um pedaço de mim. Tenho um pouco da (diarista) Mary Help, um lado nerd muito forte (tanto que daí nasceu o Ed Nerd). Sempre gosto de ampliar para os personagens algo com que simpatizo."

Suas criações também passeiam por diferentes meios. Os personagens funcionam tanto em palco como na TV e nas redes sociais. "Encaro meus personagens como pessoas. Eles têm troca de roupas, textos diferentes. Quando me caracterizo, não só visto a fantasia para dizer o texto, mas me torno aquela pessoa. Por isso que dá para improvisar tanto."





Não só improvisar como também fazer com que suas criações tenham longevidade. Jackson Faive, por exemplo, deverá ganhar um filme. "Estava trabalhando no projeto e parei por causa da pandemia. Acredito que no ano que vem eu vá retomar essa história."

Toda a produção de Luque está concentrada na Macatranja, produtora e agência, que, por ora, trabalha exclusivamente com a carreira do comediante. "Hoje é mais uma agência de criação do que produtora em si. Criamos personagens, textos, ideias para shows. No começo deste ano, estruturei uma equipe para me atender. Agora, em um segundo momento, quero abrir espaço para representar outros artistas."

A menina dos olhos de Luque na Macatranja é um ateliê de caracterização. "Estamos trabalhando com material de cinema mesmo. Tem silicone, prótese de careca, sobrancelha. O material é capaz de transformar o rosto das pessoas, envelhecer, o que for. Era um sonho meu ter esse ateliê, para que eu pudesse me transformar em quem quisesse."





Os números das redes sociais de Luque impressionam: são 8,8 milhões de seguidores no Twitter, 6,3 milhões no Facebook, 4,8 milhões no Instagram, 2,1 milhões no TikTok e 1,1 milhão no YouTube. Tais redes estão a serviço, principalmente, dos 15 personagens que ele criou.

"Não tenho personagem favorito. O que tenho são situações em que prefiro um ou outro. O Ed Nerd, por exemplo, tem muito campo ainda. Lógico que hoje não tenho a cobrança de fazer um novo personagem por mês, mas sempre tem novidade." Neste ano, lançou o Gigio, um senhor de mais idade, marido de aluguel. 

Mas, diferentemente de vários de seus colegas do humor, ele vai além. Faz TV, cinema, dublagem. "São projetos que me realizam como ator. Eu me formei pelo método da Fátima Toledo (mais conhecida preparadora de elenco do Brasil), então tenho uma estrada na dramaturgia. Só que a comédia é muito mais forte para mim, pois comecei sendo palhaço."




Televisão à vista

Fora da televisão neste momento, Luque, que ganhou projeção com o extinto "CQC" (apresentou o humorístico de 2008 a 2015), afirma que, em breve, deve retornar, já que recebeu convite para um novo projeto para a TV aberta.

São 24 anos de humor, desde a época em que atuava como palhaço. A vida de um comediante não ficou mais fácil, Luque admite. Ele, no entanto, vem seguindo com as piadas sem muitos tropeços. "Mas hoje tem exagero, as pessoas interpretam uma piada como se fosse opinião. E opinião é opinião, piada é piada. Tem muita gente falando que o humor morreu. Não tem nada disso, mas você tem que se adaptar."

Para Luque, em comparação com vários colegas, seu humor é mais suave. "Existem vários estilos. O meu, particularmente, não é tão ácido, então não tenho tanta dificuldade em seguir minha jornada. Mas percebo humoristas sofrendo com o politicamente correto. O que posso dizer é que o limite do humor, cada um vai sentir o seu. Hoje em dia está mais difícil. Vejo que a galera está mais chata. Mas é necessário também que a gente se atualize, há muitas abordagens que não cabem mais na comédia, para que a gente não corra o risco de ser preconceituoso. E há coisas muito mais importantes do que uma risada", afirma.

“DILATADOS”

• Show de humor de Marco Luque.
• Neste sábado (24/6), às 21h, no Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400.
• Ingressos esgotados.

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