Conversar mesmo, as escritoras Carla Madeira, de 58 anos, e Giovana Madalosso, de 48, nunca o fizeram propriamente. Encontraram-se rapidamente pela primeira vez em 12 de junho de 2022 para uma foto histórica no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. A mineira era uma das 420 autoras que atenderam ao chamado de um projeto capitaneado pela paranaense.
Um ano atrás, autoras de todo o Brasil – 2.302 escritoras, em 49 cidades – se reuniram para, literalmente, mostrar a cara. Cinquenta e três fotografias foram registradas destes encontros, que redundaram no recém-lançado “Um grande dia para as escritoras” (Bazar do Tempo, 175 páginas), livro de fotos e textos organizado por Giovana e outras quatro escritoras.
Depois disso, se esbarraram em uma padaria em Curitiba e nada mais. Na noite desta terça-feira (27/6), Carla e Giovana vão ter a conversa que nunca tiveram em frente ao público – e com um mediador. As duas são as primeiras convidadas de uma edição especial do projeto Letra em Cena, que será realizado a partir das 19h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube.
Projeto realizado desde 2016 pelo jornalista e escritor José Eduardo Gonçalves, o Letra em Cena leva autores contemporâneos para falar sobre um cânone da literatura no café do Centro Cultural. Agora, diante de um público mais amplo (a capacidade do teatro é de 600 pessoas), Gonçalves vai conversar com as duas autoras sobre suas respectivas trajetórias. O ator Odilon Esteves participará fazendo leitura dramática de textos de Carla e Giovana.
O propósito da conversa é mostrar a força dos escritos de ambas, que despontaram, na última década, como vértices da voz feminina na literatura brasileira da atualidade. Ainda que esta noite seja um teste para o Letra em Cena, outro encontro no teatro já foi agendado. Em 1º de agosto, Conceição Evaristo será a convidada do projeto.
Dez anos na lista dos 10 mais
No ano que vem, “Tudo é rio”, romance de estreia de Carla Madeira, completa 10 anos de publicação. E seu fôlego no mercado não arrefeceu: continua figurando entre os 10 títulos de ficção mais vendidos no país. Atingiu cerca de 190 mil exemplares vendidos. Os números da autora, somados este e seus dois romances posteriores, “A natureza da mordida” (2018) e “Véspera” (2021), a colocam na casa dos 400 mil exemplares.
Mas foi necessário mais de um ano para que a tiragem original de “Tudo é rio” se esgotasse. Os primeiros 700 exemplares foram bancados por Carla e por sua editora, a belo-horizontina Quixote+Do, braço da livraria de mesmo nome. A escritora ficou responsável pelos custos de impressão e edição; e a editora, pela distribuição.
“O desafio de mercado é principalmente o de ser lido, de entrar no boca a boca do leitor. O poder de uma grande editora (desde 2021 Carla é publicada pela Record) é que ela levanta a bola, mas quem corta é o livro. Se o livro tem uma ressonância muito forte no leitor, se transforma em indicação, entusiasmo, e aí é difícil alguém segurar.”
A violenta (e trágica) história de amor de Dalva e Venâncio, que formam um triângulo com a prostituta Lucy, foi o estopim para seu sucesso editorial – Carla é a autora brasileira de ficção mais lida no Brasil nos dois últimos anos. A repercussão continua trazendo muitas alegrias, mas também algumas preocupações.
“A demanda tem assustado, porque continuo trabalhando como empresária na publicidade (há 36 anos ela fundou a Lápis Raro, uma das maiores agências de publicidade no estado). Fica mais difícil escrever. Entendi que vou precisar fazer uma redução drástica nas atividades que gravitam em torno da literatura. Estou escrevendo em um ritmo muito fragmentado. Preciso de disciplina para poder entrar na história.” A partir do segundo semestre, vai diminuir sua presença em eventos literários.
Na agência ela passou a delegar mais e, atualmente, fica à frente de “questões mais estratégicas." Enquanto isso, o quarto romance está em momento embrionário. “Não decidi ainda a estrutura, a arquitetura narrativa, quem vai ser o narrador. As decisões de linguagem e estrutura não estão tomadas”, comenta Carla, que, faça chuva ou faça sol, abre o arquivo diariamente. “Nem que seja só para reler ou alterar uma palavra. Brinco dizendo que costumo escrever passando rodo. Você busca a água e depois avança um pouco.”
O tema da literatura feita por mulheres será, obviamente, abordado nesta noite. “Há muitas mulheres maravilhosas entrando no mercado e as editoras estão sensíveis a publicar livros de mulheres. Mas não acho que seja um movimento só da literatura. É de ocupação, de virada, de ampliação da consciência do papel da mulher de não aceitar mais determinadas limitações. E isto vem muito da força do coletivo”, afirma.
'Escritor tem que se bancar', diz Giovana Madalosso
Giovana Madalosso, escritora curitibana radicada em São Paulo, escreve desde sempre. Aos 8, criou uma peça de teatro para os primos; aos 10, inventou uma língua; aos 15, já fazia poesia. Mas só veio a publicar seu primeiro livro, a coletânea de contos “A teta racional” (2016), aos 36 anos.
“Antes fui para outras formas de escrita”, conta Giovana, que se graduou em jornalismo, depois migrou para a publicidade atuando como redatora, estudou roteiro e escreveu séries. “Mas neste tempo todo continuei escrevendo literatura. Joguei vários livros fora, inclusive um romance inteiro, antes de publicar.”
Dedicando-se hoje exclusivamente à escrita – é autora também dos romances “Tudo pode ser roubado” (2018) e “Suíte Tóquio” (2019) – Giovana comenta que a profissão do escritor tem uma particularidade que a diferencia das demais. “Nas outras, você estuda, faz estágio e depois está pronta. Ninguém faz isto com um escritor, que tem que se bancar. Isto acontece geralmente por meio de outro autor.”
Foi exatamente este o caminho de Giovana até sua estreia editorial. O nascimento da filha, pouco mais de 12 anos atrás, a encheu de angústias. E delas vieram os contos. Ela mostrou para um amigo, o escritor Luís Henrique Pellanda, que lhe deu o aval, dizendo que ali estava um material para ser publicado.
Ela estava pronta, mas o mercado não foi assim tão aberto. “Tudo aconteceu antes da quarta onda feminista (cerca de uma década atrás). As editoras questionaram o tema (a maternidade), achavam o título chulo. Durante um ano e meio, ninguém deu muita bola”, conta Giovana. Quando ela venceu um concurso de contos da editora Grua, o livro foi publicado.
Já no primeiro romance, que nasceu de um conto engavetado, Giovana foi para outro lugar. “Tudo pode ser roubado” acompanha uma garçonete que rouba objetos. “Ela está meio no lugar do malandro, do cafajeste, espaço até então muito ocupado pelos homens.”
Mulheres em destaque
Para ela, tanto a partir de sua própria experiência na escrita, quanto no projeto “Um grande dia para as escritoras” (que além de livro gerou um podcast), a presença feminina no mercado editorial mudou radicalmente na última década.
“Acompanhei o salto que deu. O primeiro deles foi que as editoras passaram a se sentir na obrigação de ter um catálogo pelo menos meio a meio (com autores homens e mulheres). Houve uma corrida das editoras pelas mulheres. Mas isto não foi unilateral, pois houve também uma corrida de leitoras e autoras. Tenho observado que as mulheres vêm trazendo uma literatura muito nova, fresca e interessante. Abordam temas que não eram abordados.”
LETRA EM CENA
• Com Carla Madeira e Giovana Madalosso
• Nesta terça (27/6), às 19h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
• Entrada franca
• Os ingressos devem ser retirados na bilheteria, a partir das 17h.
• Nesta terça (27/6), às 19h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
• Entrada franca
• Os ingressos devem ser retirados na bilheteria, a partir das 17h.