Lançado em 2014, "Relatos selvagens" é o maior sucesso da carreira de Damián Szifron. O filme, uma antologia de humor mórbido com Ricardo Darín, conquistou o público e rodou o mundo, multiplicando o orçamento por 10 na bilheteria. O diretor argentino, por sua vez, acabou indicado ao Oscar e vencedor de um Bafta pela comédia.
Mas o desempenho feroz do projeto demorou a render frutos a seu criador. "Sede assassina", em cartaz nos cinemas brasileiros, é o primeiro trabalho de Szifron em quase uma década. É também a sua estreia em Hollywood, com elenco liderado pela americana Shailene Woodley e o australiano Ben Mendelsohn.
O filme segue a receita do gênero policial americano. A história original acompanha a investigação de um assassinato em massa nas festas de ano-novo de Baltimore, nos Estados Unidos. Além do FBI, uma policial, vivida por Woodley, tenta desvendar a identidade do criminoso, mas seu talento incomum na busca chama a atenção dos oficiais e do público.
Workaholic assumido
Mas nenhum mistério na trama é maior que como a produção, simples e elegante, se tornou o primeiro passo de Szifron após "Relatos selvagens". Segundo ele, as razões são várias, mas a principal é o seu excesso de dedicação. "Eu me importo bastante com tudo o que eu faço, dando certo ou errado", diz o diretor em entrevista.
"Preciso estar apaixonado pelo material e ter uma visão do assunto. Não estou interessado em filmar por filmar. Gosto da vida de roteirista, de estar em silêncio e desconectado de tudo", acrescenta.
O caminho do diretor entre "Relatos selvagens" e "Sede assassina" foi cheio de obstáculos. Szifron conta que a última década foi muito produtiva como roteirista, mas que ele se manteve discreto. Nas suas contas, escreveu cinco ou seis filmes, além de trabalhar em algumas séries de TV – nenhum deles foi para frente.
O diretor também trabalhou em outras funções. No fim de 2019, ele estreou uma ópera em Berlim, "Sansão e Dalila", que dirigiu ao lado do maestro Daniel Barenboim. Em maio deste ano, integrou o júri principal do Festival de Cannes.
O azar define o caminho nos cinemas, porém. Entre os cinco ou seis roteiros, o diretor quase dirigiu a adaptação de "O homem de seis milhões de dólares", famoso seriado americano dos anos 1970. Mas o filme era produzido pela The Weinstein Company, que faliu pouco depois de Harvey Weinstein, seu dono, ser denunciado e preso por crimes sexuais.
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O longa foi parar na Warner Bros. e, segundo Szifron, se manteve ativo por mais dois ou três anos. O diretor tratava a adaptação para o cinema como a história de um Julian Assange em posse de uma tecnologia de US$ 6 bilhões. O estúdio, entretanto, não gostou da ideia.
"Eles tinham questões com o roteiro", afirma. "No fim, o projeto não foi para frente e o estúdio não ia apoiar minha visão, então optei por não dirigir qualquer versão do filme."
Olhar especial
Os percalços com uma produção mais ambiciosa o levaram ao escopo menor de "Sede assassina", o qual também coescreve. O longa, ainda assim, passou por problemas, agora no contexto político e social dos Estados Unidos. Os casos recorrentes de tiroteios no país afastaram financiadores e distribuidores, o que atrasou o processo. Mas a demora não tirou o gosto de Szifron em trabalhar no filme.
"Esses projetos são a minha vida. Eu vivo assistindo a filmes policiais, até sonho com eles", diz o diretor. "Com ‘Sede assassina’, pude trabalhar com todos os elementos dessas histórias e ter um olhar particular sobre essas instituições, brincando com as noções de herói e vilão."
“SEDE ASSASSINA”
Direção de Damián Szifron. Elenco: Shailene Woodley, Ben Mendelsohn e Jovan Adepo. Classificação 16 anos. Em cartaz em Belo Horizonte nas redes Cineart e Cinemark.