Já é esperada, embora não seja lícita, a ação de cambistas em shows de grandes artistas ou em jogos de futebol. O que é novidade, contudo, é a venda ilegal de ingressos para a palestra de um professor universitário sobre Kant, Schopenhauer e Sartre. 





Pois foi isso que o historiador Leandro Karnal viu acontecer em novembro do ano passado, quando apresentou “Prazer, Karnal - O show”, no Teatro Bradesco, em São Paulo.

“Não sei se isso, exatamente, me agrada”, brinca o historiador e ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp). “Mas é muito curioso que tenha gente disposta a recorrer aos cambistas para estar lá”, emenda. 

No próximo domingo (2/7), Karnal traz à capital mineira seu “Prazer, Karnal - O show”. Os ingressos para os 1.500 lugares do Grande Teatro do Minascentro já estão esgotados, e, por ora, não se tem notícia de cambistas vendendo bilhetes no mercado paralelo.





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Contudo, chama a atenção o interesse das pessoas em sair de casa num domingo à noite para ouvir sobre filosofia, história, antropologia, religião e mitologia. Tudo isso sendo correlacionado à vida moderna.

Espetáculo

Nas palavras do próprio Karnal, o show não tem um formato definido. O que inicialmente parece ser uma palestra convencional, aos poucos vai tomando forma de aula, para, na sequência, se aproximar de um espetáculo de humor.

Karnal encena trechos de obras de Shakespeare, chama a plateia para o diálogo, responde dúvidas e faz “releituras” de citações de grandes pensadores. Sempre com seu toque característico de ironia, no intuito de tornar o conhecimento acessível aos diferentes públicos.





“Uma coisa é eu ler Hesíodo, especialista em mitologia, que fala que no princípio era o caos. Outra é eu dizer que Deus era um sugar daddy”, compara Karnal, numa ironia provocativa. “Acho que isso faz a pessoa se conectar, estabelecer links”, diz. 



“Por muito tempo, nós (da comunidade acadêmica) ficamos criando muros, exigindo o conhecimento de línguas como latim, grego ou inglês elizabetano para considerar que a pessoa realmente sabia a respeito de algum clássico ou pensador. Isso acabou afastando as pessoas”, diz ele.

Esse elitismo intelectual teria contribuído para o clima de “anti-intelectualismo” que se desenvolveu nas redes sociais. A partir dessa aversão ao conhecimento científico, teorias absurdas, como terraplanismo e a ineficácia das vacinas acabaram ganhando força e sendo largamente difundidas.




Influencer

Professor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp por 30 anos, Karnal abriu mão da sala de aula para se dedicar inteiramente às palestras (e palestras-show, como é o caso de “Prazer, Karnal”), ao ofício de escritor e - por que não? - de digital influencer.

No YouTube, soma 1,84 milhão de inscritos no canal homônimo do show que traz para Belo Horizonte. No Instagram, tem 5 milhões de seguidores; no Twitter, conta com cerca de 140 mil. Até no TikTok ele deu as caras. Na rede chinesa, também conta com cerca de 140 mil seguidores.

Com a advogada e influencer Gabriela Prioli, criou um clube do livro digital que já conta com 10 mil integrantes. Nele, a dupla sugere os títulos e, em seguida, dá aulas e faz lives tira-dúvidas.

Com conteúdos praticamente diários em cada rede, ele discorre de maneira didática e bem-humorada sobre filosofia, psicologia, antropologia e literatura.





“Não houve uma cena epifânica, como foi a de Saulo caindo do cavalo com a voz de Deus ao fundo, que me fez abrir mão do trabalho como professor na Unicamp e me dedicar a essa nova vida”, brinca Karnal. 

Como professor, ele já usava o humor como recurso pedagógico. E reparou que, frequentemente, os alunos pediam permissão para levar mães e namoradas em aulas inaugurais que ele fazia ou em palestras que dava na Unicamp, sob a justificativa de que suas falas eram muito engraçadas.

Participava ativamente de mesas-redondas e congressos internacionais, mas ficava chateado ao constatar que esses eventos eram restritos à comunidade acadêmica - certa vez, apresentou um simpósio para seis pessoas. 




Mudança 

Os debates eram ricos, conforme lembra, mas ele sentia que mais pessoas poderiam participar sem a necessidade de que termos específicos de uma corrente filosófica ou da própria academia fossem primordiais na discussão.

A mudança foi bem-sucedida. Além de ver maior exposição de sua própria imagem - Karnal virou uma espécie de pop star intelectual -, ele recebe retorno caloroso de seus seguidores. “Muita gente me encontra na rua e diz: Eu li ‘Hamlet’ por sua causa”, conta o historiador. 

O historiador, no entanto, não é crítico ao conhecimento acadêmico. Para ele, é necessário que ele esteja também fora das universidades. Por isso, assume a persona de intelectual midiático para que a internet e os canais de televisão sejam plataformas de divulgação do conhecimento.





Ele diz que o sucesso de bilheteria não o deslumbra. “Os cantores mais vistos podem não ser os mais afinados ou os mais criativos. E os livros mais vendidos nem sempre são os de maior qualidade”, pondera o historiador.

Contudo, ele vê o grande interesse do público como um bom indicador de que está na rota certa. “Eu acho que existe um espaço também para os meus amigos, o professor (Mário Sérgio) Cortella, o Clóvis (de Barros Filho) e o Luiz Felipe Pondé, que estão fazendo uma coisa nova. A figura que antes era o intelectual público, como foi Jean-Paul Sartre e Sérgio Buarque de Holanda, existia, mas agora existe um intelectual midiático, e isso eu acho muito importante para capilarizar o conhecimento”, diz. 

Há algumas desditas, é verdade. Afinal, nas redes, aparece tudo quanto é tipo de manifestação. Nos últimos dias, por exemplo, Karnal publicou um texto em seus perfis dizendo que toda celebração é um signo aberto. Recebeu uma resposta um tanto ou quanto desaforada de um seguidor, afirmando que não existia nada de “signo aberto”. “Só têm (SIC) doze signos”, argumentou o crítico.

Karnal não sofreu com esse tipo de coisa, afinal, isso apenas virou mais um elemento de humor para sua palestra-show. 

“PRAZER, KARNAL - O SHOW’’
• Palestra com Leandro Karnal.
• No próximo domingo (2/7), às 20h, no Grande Teatro do Minascentro 
• (Av. Augusto de Lima, 785, Centro).
• Ingressos esgotados.

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