Ele gosta de dizer que “não para nunca”. Com efeito, assim é o compositor, cantor e escritor Téo Azevedo, que completa 80 anos neste domingo, 2 de julho. Considerado uma das maiores expressões da cultura popular brasileira, ele contabiliza mais de 2,5 mil músicas gravadas, cerca de 3 mil trabalhos e por volta de 1 mil histórias de cordel escritas, além de 12 livros lançados.





“A persistência da memória” – título da obra icônica do pintor espanhol Salvador Dalí, que materializa o tempo a partir das lembranças – ilustra bem a biografia desse mineiro autodidata e versátil. Batizado Teófilo Azevedo Filho, ele se notabilizou como grande defensor da música de raiz.

Além de construir a própria trajetória, Téo produziu dezenas de discos e levou aos estúdios de gravação centenas de cantores e compositores. Conviveu e firmou parcerias com Sérgio Reis, Zé Ramalho e Luiz Gonzaga, entre outros. Em 2013, ganhou o cobiçado prêmio Grammy Latino com “Salve Gonzagão – 100 anos”, na categoria melhor álbum de raiz.




De Ze Coco a Bobby Keys

Criativo, Téo Azevedo rompeu fronteiras estéticas. Gravação de sua autoria faz parte de um disco de Bobby Keys (1943-2014), saxofonista da banda Rolling Stones. Também revelou ao mundo o mestre da viola Zé Coco do Riachão (1912-1998), luthier e instrumentista mineiro que tem entre os fiéis seguidores os craques Paulo Freire, Roberto Corrêa e Chico Lobo.

“Deus foi muito bom comigo, uma pessoa autodidata que só tem a escola da vida. Vivi esse tempo todo e tive as oportunidades que Deus me concedeu. Consegui chegar aos 80 anos ainda de pé, acho que é um grande prêmio”, afirma Téo. Ele também comemora seis décadas de carreira, iniciada em Belo Horizonte nos anos 1960.

Téo Azevedo produziu muita coisa, brilhou no Grammy e apoiou vários artistas, mas não tirou proveito financeiro disso. “Sou uma pessoa que não ganhou dinheiro com a música, mas consegui ajudar muita gente. O grande prêmio que recebi foi o prazer de fazer as coisas, de ver tantas músicas de minha autoria gravadas”, assegura.





Pelos cálculos dele, essa contribuição soma cerca de 2 mil nomes, incluindo artistas regionais (nordestinos, sobretudo), além de pupilos que se tornaram famosos. “Não fiquei rico. Tem gente que ficou milionária com meia dúzia de canções. Eu, com mais de 2,5 mil gravações, só ganhei para sobreviver”, comenta.

A grande conquista desses 80 anos foi “o aprendizado”, diz ele. “A vida me ensinou muito, muito mesmo. A inspiração, o talento de autodidata foi desabrochando com o tempo e chegou a atingir coisas incríveis. Nem eu acreditava chegar aos lugares onde cheguei.”
 
• Téo Azevedo conta o causo de seu primeiro encontro com Gonzagão:
 

 

Festa em Alto Belo

Téo Azevedo leva uma vida simples. Depois de morar décadas em São Paulo, durante a pandemia da COVID-19 ele voltou para o Norte de Minas. Divide seu tempo entre o apartamento em Montes Claros e a casa no distrito de Alto Belo, no município de Bocaiúva, onde nasceu.





Na manhã deste domingo, os seus 80 anos serão comemorados na terra natal com missa e apresentação do Terno de Folia de Reis de Alto Belo. “Como não tenho condições de fazer festança, será uma coisa simples: uns golinhos de cachaça e uma comidinha simples”.

De Alto Belo, o artista acompanha as transformações culturais do país. Téo Azevedo achaque a música brasileira “perdeu um pouco de qualidade” em termos melódicos e literários, o que se verifica também com os intérpretes.

“Mas tem muita gente boa trabalhando por aí na surdina, mesmo escondido. Vem aparecendo uma safra fantástica de uns anos pra cá. Inclusive, mulher tocando viola e sanfona, e tocando bem. Isso tem surgido há uns 10, 15 anos”, diz.




 
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Téo vê o forró perder espaço para o sertanejo nas festas juninas, mas isso não o intimida. “De uns tempos pra cá, a música de forró ganhou várias vertentes, pisadinha e não sei o quê mais. Existem dois tipos de música: a boa e a ruim. A gente não pode ser contra determinadas coisas. Existe gosto pra tudo”, afirma.

“Coloquei a viola no peito e enfrentei de tudo. Entrei no rock, na MPB, no sertanejo, no brega e no escambau. Eu me considero um vencedor dentro, das minhas possibilidades”, diz ele, ao relembrar sua luta em defesa da chamada “música de resistência”.

“Aos poucos, fui fazendo produção, abrindo espaço. Abri frentes de trabalho importantes. Tive ajuda de pessoas como o jornalista Carlos Felipe (que trabalhou no Estado de Minas, autor do livro 'Téo Azevedo: Um poeta cantador'), da produtora Thais de Almeida Dias, da mulher que criou o programa “Viola, minha viola”, do Venâncio, autor de 'O último pau de arara', da dupla Venâncio e Curumba, Inezita Barroso e do Rolando Boldrin. São pessoas importantes, que vêm ao planeta uma vez a cada mil anos”, completa.




 
 

'Choro do cerrado' busca patrocínio

Téo chega animado aos 80, cheio de planos. Ele escreveu o catálogo “Choro do cerrado”, que reúne partituras de cerca de 200 melodias regionais retiradas de nove discos produzidos por ele. Atualmente, aguarda patrocínio para lançar esse rico material.

Ele vai produzir um álbum com músicas de sua autoria gravadas pelo ator Jackson Antunes. Também escreve um livro de cordel sobre São Geraldo Magela, o padroeiro da basílica de Curvelo, cidade da Região Central de Minas.

“Sou incansável. Quanto mais aumenta a idade, mais quero alguma coisa. Tenho 1 mil músicas inéditas e uns 100 cordéis inéditos. Todos os dias faço música e cordel”, revela. “Com 80 anos, vou tocar a bola pra frente. Não fico pensando em parar. Enquanto tiver saúde e condições de realizar as coisas, não paro.”





A pedido do repórter, o novo oitentão manda um recado para o público: “O mundo é bom. A vida é boa, a gente tem que pedir a Deus proteção, saúde para tocar a vida pra frente, ser honesto, correto com as coisas da gente e procurar ganhar ao menos para sobreviver. Não ganhei dinheiro, mas tive o prazer de ver tanta gente gravar coisas minhas. Isso foi muito gratificante.”

Téo Azevedo descobriu Zé Coco do Riachão, que nesta foto toca com Gonzagão, o parceiro de Téo em 'Padroeira da visão'

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

PARCEIRO DE GONZAGÃO E DRUMMMOND

Conviver com Luiz Gonzaga, o Rei do Baião (1912-1989), foi um presente da vida para Téo. “As lembranças que tenho do Gonzagão são muito boas. Quando fez 70 anos de idade, em 1982, me convidou para cantar com ele. Fizemos parceria em 'Padroeira da visão'. A canção é homenagem a Santa Luzia, que livrou o Gonzagão da cegueira. Ele pediu para eu fazer a letra. Não gravou, mas Dominguinhos gravou”, informa.

Azevedo é grato ao Rei do Baião pela inspiração de produzir “Salve Gonzagão – 100 anos”, com músicas de sua autoria dedicadas ao autor de “Asa Branca” e gravadas por vários intérpretes. O álbum deu o Grammy Latino há 10 anos. “O Grammy foi muito bom. Abriu muitos caminhos pra mim”, diz.




 
O mineiro conviveu também com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). A primeira vez que o viu foi em Belo Horizonte, “em um bar de intelectuais, na Rua da Bahia”. Depois, de vez em quando, ia ao apartamento do poeta na Rua Conselheiro Lafaiete, em Copacabana. “Eu contava causos e a gente ria muito. Musiquei o poema dele 'Viola de bolso', que ele dizia que a cara do meu pai”, relembra Téo.

Em 1997, graças ao produtor e músico americano Michael Grossman, que conheceu quando fazia um programa na Rádio Atual, em São Paulo, Téo se aproximou de Bobby Keys, saxofonista da banda Rolling Stones.

O mineiro fez uma composição em homenagem ao saxofonista, “For Bobby Keys (Music and life)”, que entrou em um disco de Keys, em versão de Michael Grossman. A gravação foi patrocinada por Ronnie Wood, guitarrista dos Stones.




 

Téo Azevedo tem orgulho de seus livros. Ele mostra o catálogo 'Choro do cerrado', que acabou de escrever, e 'Léxico catrumano'

(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
 

Sérgio Reis, Milionário & José Rico, Zé Ramalho, Genival Lacerda, Zeca Pagodinho, Jair Rodrigues, Pena Branca & Xavantinho e Tonico & Tinoco, entre muitos outros, gravaram canções de Téo Azevedo. Da extensa lista dos nomes que ajudou a gravar disco, ele menciona Caju e Castanha.

Em seu primeiro compacto, a dupla Cristian & Ralf (chamava-se Os Pássaros, quando os dois eram adolescentes) gravou “Dia de praia”, parceria de Téo e David Nelson, junto da versão de “Um raio de sol”.

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