Elenco de  'Salvador, anoiteceu e é carnaval' no palco

A montagem carioca estreia na próxima sexta-feira no CCBB-BH. Elenco aposta na identificação do público da capital mineira com o carnaval para fazer uma temporada de sucesso na cidade

Paula Kossatz/ divulgação


De um lado, a opacidade do mundo corporativo, onde tudo é regido por prazos, metas e afazeres. De outro, o brilho e a vivacidade do carnaval baiano. É por entre esses dois ambientes que transita o espetáculo “Salvador, anoiteceu e é carnaval”, que chega a Belo Horizonte na próxima sexta-feira (7/7) e cumpre temporada até 31 de julho, no Teatro 1 do CCBB.

Idealizada pelo ator e diretor Paulo Verlings, que está em cena como protagonista, a peça tem dramaturgia assinada por Marcéli Torquato, supervisão dramatúrgica a cargo de Jô Bilac e direção de Vilma Melo. A montagem, que estreou em março deste ano, no Rio de Janeiro, e já passou por Brasília e São Paulo, tem duas versões: uma noturna, dirigida a um público com idade superior a 14 anos, e uma vespertina, com classificação indicativa livre.

O que justifica essa divisão, segundo Verlings, é o fato de se tratar de uma fábula. A trama de “Salvador, anoiteceu e é carnaval” acompanha o jovem músico, percussionista e compositor Salvador, que foi abandonado pela noiva Constância no dia de seu casamento. Depois de receber uma carta anônima dizendo que sua amada está em Ermo, um lugar desencantado, ele parte à procura dela.

Nessa cidade, ninguém tem tempo para nada, nem mesmo para dormir, comer ou mesmo falar as palavras completas. Também é um lugar onde ninguém nasce ou morre. Tudo por lá é ditado pela TimeTime, uma fábrica de relógios que passou a controlar o tempo e é dirigida por uma personagem denominada apenas como CEO, e seu auxiliar, o Gerente.

“Por se tratar de uma fábula, entendemos que poderia contemplar todos os públicos, incluindo as crianças. Pegamos o que chamamos de versão adulta e editamos algumas cenas para a versão livre”, diz Verlings, pontuando que a primeira traz, por exemplo, um beijo entre duas atrizes. “O que tira a classificação livre de uma obra é a violência e a sexualidade. Na versão adulta, a gente lida com esses conteúdos, que são editados para a versão dirigida a toda a família”, explica.
 
Cena de 'Salvador, anoiteceu e é carnaval'

Na história, o músico Salvador é abandonado pela noiva Constância, que passa a viver em Ermo, onde a fábrica de relógios TimeTime controla o tempo de todos

Juliana Caribé/ divulgação
 

Contraponto à folia

Paulo Verlings conta que o argumento original se baseava na ideia de fazer uma história contemporânea que tivesse o carnaval da Bahia como um contraponto, com um personagem central chamado Salvador. Diretor da peça “Pá de cal (ray-lux)”, que passou por Belo Horizonte em outubro de 2021, Verlings explica que convidou Marcéli para criar a dramaturgia e, juntos, foram lapidando as ideias.

Foi ela quem trouxe a proposta de se explorar a questão do tempo, tratando, por exemplo, do espaço que é reservado ao trabalho e aos sonhos no mundo atual. A qualidade de vida e o engessamento das ações e das relações no mundo corporativo são outros temas que o espetáculo aborda, segundo o ator e diretor.

“A trama ficou toda na mão da Marcéli, a partir do argumento que apresentei; eu não escrevi nenhuma linha. Foi ela quem trouxe essa questão do tempo, onde o estamos depositando, qual a qualidade do tempo que destinamos a nossas relações, a nossas famílias”, diz. Ele destaca que o enredo traz algo de distopia, que é, em alguma medida, revertida pelo caráter festivo da música baiana.

“Quando Salvador chega nessa cidade chamada Ermo, ele vê tudo tomado pelo corporativismo, todos por lá são chamados Silva. A subjetividade do indivíduo foi subtraída. É uma coisa interessante que a Marcéli trouxe e que o espetáculo aborda de maneira fabular. Salvador chega para procurar a noiva e, nesse ambiente hostil, se depara com um grupo de resistência, que o ajuda e é ajudado por ele na missão de retomar o controle da cidade e de suas próprias vidas”, relata.

Um detalhe do musical é que os corações dos cidadãos de Ermo não fazem tum tum, aludindo ao som do tambor e ao carnaval, mas tic tac, da contagem do tempo. Em algum momento do espetáculo, Salvador consegue descobrir o mistério que cerca aquilo, e os corações dos moradores começam a bater normalmente. “Quando os corações dos moradores de Ermo voltam a fazer tum tum, a cidade acorda e eles conseguem vencer a tirana e seu ajudante”, aponta Verlings.
 
Ator Paulo Verlings toca tambor

Paulo Verlings idealizou 'Salvador, anoiteceu e é carnaval' e protagoniza o musical

Paula Kossatz/ divulgação

'Pensando no carnaval da Bahia, o que não poderia ficar de fora? (...) A gente vai de Dodô e Osmar a Banda Eva e Banda Cheiro de Amor, passando por todos os grandes nomes do axé. Tudo é casado com a encenação'

Paulo Verlings, diretor

 

Trilha com hits baianos

Fundamental para costurar a história, a trilha sonora conta com sucessos como “Nobre vagabundo” e “Canto da cidade”, de Daniela Mercury; “Haja amor”, de Luiz Caldas; “Várias queixas” e “Vem meu amor”, do Olodum; “Cara caramba”, do Chiclete com Banana; “Levada louca”, de Ivete Sangalo; “Dandalunda, de Margareth Menezes; “Chuva, suor e cerveja” e “Não enche”, de Caetano Veloso.

A direção musical ficou a cargo de Marcelo Rezende, que, além de já ter assinado trilhas para diversos espetáculos, é maestro da banda que acompanha o ator e cantor Tiago Abravanel. Ele foi o responsável pela seleção musical e por aglutinar os instrumentistas que executam a trilha ao vivo: o guitarrista e violonista João Vinícius Barbosa, os bateristas João Marcos Freitas e Lucas Fixel e os baixistas Tássio Ramos e Guilherme de Menezes, que se revezam ao longo das temporadas.
 
Verlings observa que, além de cumprir uma função dramatúrgica, a música confere ao espetáculo um grande apelo popular. “O carnaval de Salvador é musical demais, é vivaz, é alegre, o que tem a ver com a batida do tambor, por isso cumpre essa função de contraponto, porque uma cidade que se chama Ermo não tem nada a ver com a explosão da música baiana. As músicas são muito conhecidas, estão no imaginário, todo mundo sabe cantar, então as pessoas saem muito alegres do espetáculo”, ressalta.

Ele diz que o roteiro musical é fruto de uma pesquisa aplicada de Rezende. “Pensando no carnaval da Bahia, o que não poderia ficar de fora? Marcelo se orientou a partir disso, então a gente vai de Dodô e Osmar a Banda Eva e Banda Cheiro de Amor, passando por todos os grandes nomes do axé. Tudo é casado com a encenação. Ele teve que construir uma dramaturgia musical em diálogo com o texto da Marcéli”, aponta.
 

'É uma história de salvação através do amor. As pessoas que habitam essa cidade não têm mais coração, e elas vão resgatá-lo através da música, da poesia, da batida do tambor. É o amor que permeia toda a história'

Vilma Melo, diretora

 

Tudo ao vivo

Vilma Melo observa que a interação dos integrantes da banda com o elenco de atores se dá apenas por meio das canções. Ela diz que os músicos estão suspensos em andaimes e que executam não apenas o roteiro proposto por Rezende, mas toda a sonoplastia do espetáculo.
 
“Não tem trilha gravada, é tudo ao vivo. Até cogitamos o diálogo dos músicos com os atores, mas a gente montou o espetáculo muito rápido, não daria tempo de orquestrar isso, então colocamos cada um fazendo o que sabe de melhor”, destaca.

Para a diretora, o que mais chama a atenção no texto de Marcéli é sua forma poética. Foi isso, conforme aponta, o que orientou a concepção cênica do musical. “Eu já tinha trabalhado com ela, como atriz, então já sabia desse viés muito peculiar, dessa forma poética de escrever. Não é um texto direto, um texto objetivo, então pensei num lugar fantasioso, que levasse o espectador a viajar com a gente. Ermo é um lugar distópico, que não existe, mas que pode existir, pode ser aqui e agora”, afirma.
 
Ela diz que buscou, com a encenação, traçar um paralelo entre “a dura realidade e a doce poesia de Marcéli”. Outra característica marcante do texto, segundo Vilma, é o foco no romance – não apenas do protagonista com a noiva de quem sai em busca, mas de todos os personagens, uns com os outros.
 
“Quando falo de romance, digo que é uma história de salvação através do amor. As pessoas que habitam essa cidade não têm mais coração, e elas vão resgatá-lo através da música, da poesia, da batida do tambor. É o amor que permeia toda a história”, diz.

O elenco traz, além de Verlings, os atores Aline Carrocino, Carolina Pismel, Ester Dias, Jefferson Melo, Nando Brandão, Patricia Elizardo e Udylê Procópio. O idealizador do espetáculo ressalta que já havia trabalhado com alguns nomes da equipe de “Salvador, anoiteceu e é carnaval”.
 
Carolina Pismel, por exemplo, estava em cena em “Pá de cal (ray-lux)”. Na peça “Primeira morte”, que ele dirigiu, Vilma Melo integrava o elenco. Do espetáculo “Piquenique”, com texto de Marcéli Torquato, Verlings participou como ator e foi premiado por sua atuação.

Expectativa para estreia em BH

Segundo o ator e diretor, a recepção ao espetáculo nas cidades por onde já passou não poderia ter sido melhor. “Em Brasília, foi sensacional. Tinha fila de espera dando a volta no quarteirão do teatro. Em São Paulo também foi uma temporada com os ingressos esgotados em praticamente todas as sessões da temporada. E no Rio foi uma experiência muito boa, de muita identificação do público, porque tem essa questão do carnaval, que lá é muito forte, é algo que se infiltra na vida das pessoas, como acontece em Salvador”, comenta.

Por essa mesma razão, a expectativa pela temporada em Belo Horizonte é alta. “É uma cidade que, ao longo dos últimos anos, construiu uma cena carnavalesca muito forte, então também está impregnada desse espírito festivo que o espetáculo traz como lenitivo. Essa circulação tem sido uma experiência impactante para mim. As pessoas cantam junto durante a apresentação. O elenco é incrível. Carolina, por exemplo, está maravilhosa no papel de CEO”, diz.

“SALVADOR, ANOITECEU E É CARNAVAL”

• Estreia na próxima sexta-feira (7/7) e segue em cartaz até 31/7, no Teatro 1 do CCBB-BH, (Praça da Liberdade, 450, Funcionários
• Com sessões noturnas às sextas e segundas, às 19h (classificação indicativa 14 anos), e sessões vespertinas aos sábados e domingos, às 17h (classificação indicativa livre)
• Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda no site bb.com.br/cultura e na bilheteria do teatro (de quarta a segunda, de 10h às 22h)
• Informações: (31) 3431-9400