As atrizes Gláucia Vandeveld, Talita Braga, Andréia Quaresma, Kelly Crifer e Mariana Maioline na Fazendinha Dona Izabel

As atrizes Gláucia Vandeveld, Talita Braga, Andréia Quaresma, Kelly Crifer e Mariana Maioline na entrada da Fazendinha Dona Izabel

André Veloso/Divulgação

'Ao entrar, as pessoas são divididas entre os cinco cômodos. Os monólogos acontecem ao mesmo tempo. Quem viu um e quiser assistir a outro monólogo vai ter de voltar outro dia'

Talita Braga, atriz e dramaturga



O interesse em contar histórias reais é a alma da Zula Cia de Teatro. Criado em 2010 por Talita Braga, Andréia Quaresma e Cristiano Araújo, o grupo mineiro estreou com “As rosas no jardim de Zula”, peça inspirada na história da mãe de Talita, que se separou do marido, saiu de casa, recorreu à prostituição e viveu situações de violência na rua.
 
Depois de rodar o Brasil e fazer breve temporada na Argentina, o grupo começou a receber relatos de mulheres sobre a maternidade. Foram tantas histórias que os integrantes da companhia decidiram montar nova peça a partir daqueles depoimentos. Assim nasceu “Mamá!”.
 
Com direção de Grace Passô, o espetáculo não se limitava à maternidade, abordando também a evolução da vida, a transitoriedade da dor e a existência – ou não – do amor inabalável. A montagem recebeu o Prêmio Myriam Muniz em 2014, concedido pela Fundação Nacional das Artes (Funarte).
 
“Banho de sol”, por sua vez, terceiro e último espetáculo concebido pela companhia, nasceu da vivência de Talita Braga em penitenciárias femininas, ao encabeçar projeto de arte-educação para as detentas. A peça relatava o dia a dia de mulheres privadas de liberdade.
 
Andréia Quaresma leva seu monólogo para o quarto

Andréia Quaresma leva seu monólogo para o quarto

André Veloso/Divulgação
 
 
Com a experiência de contar as histórias de terceiros, a Zula decidiu montar um espetáculo autobiográfico. Na verdade, outra autobiografia das atrizes que atualmente integram o grupo. Além de Talita e Andréia, ele conta com Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer e Mariana Maioline.
 
“Casa”, que estreia nesta quinta-feira (6/7) e segue em cartaz até 16 de julho na Fazendinha Dona Izabel (imóvel tombado, no Aglomerado Santa Lúcia, Região Centro-Sul de Belo Horizonte), traz cinco monólogos, apresentados simultaneamente em diferentes cômodos da casa.
 
Cada sessão comporta, no máximo, 60 pessoas – ou seja, as primeiras 60 que comprarem ingresso. “Quando o público chega para assistir à peça, as cinco atrizes estão recebendo as pessoas na área externa. Ao entrar, as pessoas são divididas entre os cinco cômodos. Os monólogos acontecem ao mesmo tempo. Quem viu um e quiser assistir a outro monólogo vai ter de voltar outro dia”, adianta Talita Braga.
 
Os solos das atrizes passam por diferentes temáticas. Envelhecimento, maternidade, morte e abusos são o pano de fundo para textos que, em camadas mais profundas, tratam de dilemas inerentes ao ser humano.
 
São histórias particulares e delicadas, reconhece Talita. No entanto, foram compartilhadas devido ao desejo das atrizes de romperem o silêncio e se colocarem em risco em nome da criação.
 
Gláucia Vandeveld na varanda, antes de entrar para o 'palco-quarto'

Gláucia Vandeveld na varanda, antes de entrar para o quarto

André Veloso/Divulgação
 
 
Os solos surgiram a partir do mote “deixa eu te ver”. A frase foi o ponto de partida para o elenco se despir de vaidade, medos e preconceitos, disposto a se expor verdadeiramente. “É muito difícil a gente se deixar ser visto, porque estamos o tempo todo nos protegendo e nos defendendo”, afirma Talita Braga, que assina formalmente a dramaturgia do espetáculo.
 
Embora os textos sejam de autoria de todas as atrizes, coube a Talita propor o jogo cênico, orientar a relação das intérpretes com o espaço e o público, além de lançar provocações às colegas na hora de criar os monólogos, com perguntas e direcionamentos sobre o que abordar.
 
“Quando estávamos no processo de criação dos textos, vi que havia muita coisa nas entrelinhas e valia a pena investir”, lembra a atriz. “Coisas que são nossas, mas que de alguma maneira atravessam questões existenciais, atingindo homens e mulheres”, emenda.
 
Kelly Crifer revela suas inquietações para a copa

Kelly Crifer leva suas inquietações para a copa

André Veloso/Divulgação

 
A peça foi concebida no auge da pandemia. Fechadas dentro de casa, sem trabalho e sem perspectiva de voltar à vida normal, as atrizes alimentavam a esperança de que, em breve, poderiam novamente conviver com os amigos, reunindo todos para comemorar o fato de terem sobrevivido à COVID-19.
 
Exatamente por isso, elas decidiram não montar a peça no teatro convencional, mas numa casa, com apresentações na cozinha, copa, sala e quartos.
 
A escolha dos cômodos também não ocorreu acaso. O local onde cada atriz vai atuar tem relação com o texto. Glaucia Vandeveld e Andréia Quaresma se apresentam nos quartos do casarão. Kelly Crifer faz o solo na copa, e Mariana Maioline na sala.
 
“Já o meu vai ser na cozinha”, revela Talita. “Cozinhar é algo que atravessa minha vida. Sempre que recebo amigos em casa, vou para a cozinha fazer uma comida”, conta. Durante o monólogo, ela prepara a sopa que será oferecida ao público.
 
Talita Braga tem apreço especial pela cozinha

Talita Braga tem apreço especial pela cozinha

André Veloso/Divulgação
 
 
A Fazendinha Dona Izabel serviu como palco para o espetáculo por uma questão de sorte. O local que inicialmente abrigaria a peça apresentou problemas, deixando a companhia sem alternativas para montá-la.
 
 
Durante um encontro fortuito com Nil César, um dos fundadores do espaço cultural Casa do Beco, no Aglomerado Santa Lúcia, Talita soube que ele era gestor do casarão tombado. Nil ofereceu o espaço para que a Zula encenar “Casa”.
 
A proposta veio a calhar. O grupo procurava não apenas uma casa, mas um imóvel localizado em alguma região periférica da cidade. “Para a gente, essa é uma questão muito importante, porque temos o compromisso de levar a arte até a periferia”, ressalta a atriz da Zula.
 
Mariana Maioline recebe a sua plateia na sala

Mariana Maioline recebe a sua plateia na sala

André Veloso/Divulgação
 
 
Como agradecimento, a companhia convidou Flávia Regina, filha da Dona Izabel que dá o nome ao casarão, para uma breve participação no início do espetáculo, quando as atrizes recebem o público.
“É uma forma de a história e a memória desta casa fazerem parte do espetáculo”, garante Talita Braga.

“CASA”

Montagem da Zula Cia de Teatro. Dramaturgia: Talita Braga. Direção e atuação: Andréia Quaresma, Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga. A partir desta quinta-feira (6/7) até 16/7. Quintas e sextas-feiras, às 20h; sábados e domingos, às 19h. Fazendinha Dona Izabel (Avenida Arthur Bernardes, 3.120, Barragem Santa Lúcia). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), no Sympla. Capacidade: 60 pessoas. Informações: zulaciadeteatro.com.br. 

Fazendinha Dona Izabel viu a capital mineira nascer

Fazendinha Dona Izabel viu a capital mineira nascer

Ricardo Laf/divulgação

TESTEMUNHA DA HISTÓRIA

Construída há 125 anos, a Fazendinha Dona Izabel é testemunha dos primórdios de Belo Horizonte, cidade inaugurada em 1897. O imóvel foi erguido na Fazenda do Capão, na região conhecida como Colônia Afonso Pena.
 
Localizada no Parque Jornalista Eduardo Couri, na Barragem Santa Lúcia, um dos maiores aglomerados de Belo Horizonte, o casarão hoje é sede do espaço cultural gerenciado pela Casa do Beco.
 
O imóvel pertenceu a diferentes famílias. A última proprietária foi Maria Izabel Rocha Magalhães, a dona Izabel, principal responsável pela preservação do casarão. Tombado em 1992, ele foi reformado pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2020 e reinaugurado em 2022.