Bailarinos deitados de mãos dadas no espetáculo Morte vida sonho

Em 'Morte vida sonho', Guilherme Morais se inspirou em pinturas da Idade Média feitas durante surtos da peste bubônica

Guilherme Morais/divulgação

'Na dança macabra, todas as pessoas - clero, plebeus e burguesia - estão de mãos dadas com a morte em um grande círculo. Todo mundo fazia a dança na qual morte e vida são coisas indissociáveis'

Guilherme Morais, coreógrafo



O espetáculo de dança “Morte vida sonho” estreia nesta quinta (6/7) e cumpre temporada até sábado (8/7), no Galpão Cine Horto. A montagem teve início a partir de um processo de residência artística desenvolvido pelo coreógrafo Guilherme Morais em Berlim, sobre as representações da dança macabra, estilo de pintura feita na Idade Média durante os surtos da peste bubônica.
 
Nos afrescos, pessoas de todas as classes da sociedade medieval eram representadas em uma roda de dança, de mãos dadas com esqueletos. A alegoria demonstra a ideia de que, independentemente de status ou riqueza, a morte chega para todos. Além disso, servia como forma de enfrentar a perspectiva da mortalidade, sempre presente.
 
“Na dança macabra, todas as pessoas – clero, plebeus e burguesia – estão de mãos dadas com a morte em um grande círculo. Todo mundo fazia a dança na qual morte e vida são coisas indissociáveis”, explica Morais.

Ritual contra o sistema

Em “Morte vida sonho”, os bailarinos sobem nus ao palco para interpretar as transições e transformações da vida cotidiana. Numa espécie de ritual, eles dançam em sentido anti-horário, trazendo provocações e reflexões sobre as percepções singulares da vida.
 
De acordo com o coreógrafo, a ideia da gira é interpretada como uma manifestação contra o sistema, girando em sentido contrário – não existe ponto de chegada nem de partida. Assim, ele explora conceitos como verdade, presente e memória.
 
Para a montagem do espetáculo, o diretor realizou uma convocatória à qual compareceram 63 interessados. Desse total, oito foram selecionados para a performance: Débora Oliveira, Julia Teles, Noreh Soares, Priscila Patta, Renata Fernandes, Sara Boratti, Sílvia Maia e Vina Amorin.
 
“Esse elenco é maravilhoso, todos têm uma entrega incrível. Formamos um grupo diverso. Há pessoas da área da performance, do teatro, da dança... Criamos a multiplicidade de corpos com entendimentos, movimentos e treinamentos diferentes. Acho isso muito importante e rico para o trabalho”, diz ele.
 
 
Segundo Guilherme Morais, o público vai assistir a algo “completamente novo e desconhecido”. Como o metrônomo que conduz o ritmo da música, a apresentação trabalha  estímulos sonoros por meio de atritos que pretendem atravessar o inconsciente dos espectadores.

“Mais do que ver, as pessoas vão sentir muitas coisas. É uma peça que vai trabalhar bastante com o sensorial e o sistema nervoso de cada um. Acho que o público questionará o seu próprio inconsciente individual. A ideia é que os espectadores tenham acesso a seus próprios sonhos e memórias, talvez eles até visitem aquelas coisas que guardamos as sete chaves e acabamos esquecendo”, diz Morais.

Inspiração indígena

O título do espetáculo surgiu da vivência de Guilhrme em uma tribo indígena no Sul da Bahia.Lá, o bailarino conheceu uma anciã que o questionou sobre os seus entendimentos sobre a vida e a morte.
 
“Admiti que não sabia muito, então ela me disse que, na verdade, vida, morte e sonho são iguais à água, porque são diferentes estados da mesma matéria. O espetáculo tem essa ideia da transformação da matéria, vamos lidar com um corpo que se transforma”.

O processo de pesquisa deu origem a um segundo espetáculo, que será apresentado em outubro, no Parque Ecológico da Pampulha. Em “Rinoceronte não dá em árvore”, a ideia é dar continuidade à pesquisa dos diferentes estados corporais.
 
Enquanto em “Morte vida sonho” os artistas se voltam para dentro do corpo e das questões humanas, na próxima montagem o objetivo é expandir as questões para abordar as relações sociais e com o espaço.
 
Com formação em dança contemporânea em Buenos Aires e atuação profissional em Berlim, Guilherme tem planos de levar os dois projetos para uma turnê na Alemanha. 
 
“A dança do Brasil é uma coisa que realmente não há no mundo. A gente não encontra em nenhum outro lugar o pensamento corpo-ritmo-música do brasileiro”, afirma.
 
Para o coreógrafo, a tradição de grupos e companhias de dança é um diferencial de Belo Horizonte. “Isso consolida e solidifica muito o trabalho mineiro. Acho que estamos entre os melhores grupos de dança do mundo. As produções que fazemos aqui são muito ricas, não vejo lá fora as coisas que eu vejo aqui”, afirma Guilherme Morais.

“MORTE VIDA SONHO”

Espetáculo dirigido por Guilherme Morais.  Nesta quinta-feira (6/7), às 21h, sexta e sábado (8/7), às 20h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto). Ingressos: R$ 16 (inteira) e R$ 8  (meia), à venda no site Sympla e na bilheteria.
 
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro