Músico BK dá entrevista ao podcast Divirta-se

BK' revelou ao podcast "Divirta-se" que sua missão é fazer com que o rap seja "combustível" para "a mente e a vida dos irmãos"

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Um dos personagens mais conhecidos da Grécia Antiga é Ícaro, o jovem que construiu asas para fugir do labirinto de Creta e morreu queimado quando chegou perto do sol. Assim como o mito grego, muitos cantores saem do zero, alcançam altos patamares na carreira, mas rapidamente caem no “mar do esquecimento”.

Essa analogia, contudo, não pode ser feita com a carreira de BK'. O rapper colhe os frutos de “Icarus”, o quarto álbum de sua discografia, lançado em novembro do ano passado. Com 13 faixas, o trabalho garantiu ao carioca o posto de melhor artista de 2022 na primeira edição do Prêmio Rap Brasil.

Criado no bairro do Catete, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o cantor nasceu em 1989 e ganhou o nome de Abebe Bikila em homenagem ao histórico maratonista etíope que levou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, e de Tóquio, em 1964.

“Se ‘Icarus’ é o melhor álbum que já lancei ou o preferido dos fãs, isso é outra discussão. Mas, no momento, ele é o segundo disco mais importante da minha carreira. Estamos fazendo muitos shows, temos esgotado vários lugares e os números também (têm sido expressivos), se comparar com outros álbuns que lancei”, diz BK'.

“O ‘Gigantes’ levou mais de um ano para ser disco de ouro, mas o ‘Icarus’ foi eleito em poucos meses. A galera gostou bastante e canta muito (nos shows). A gente quis fazer algo para a galera se identificar e cantar, mas também para os prêmios. É sempre legal ter esse tipo de reconhecimento, mostra que a parada está funcionando tanto para os fãs quanto para os críticos. Dou a vida quando entro no estúdio”, afirma ele.
 
O rapper BK olha para o lado e tem o céu ao fundo

O rapper BK' na capa de 'Icarus', seu álbum mais recente

Bruna Sussekind/divulgação
 

'Quero dominar todos os tipos de rap (...) Sou próximo dos caras que estão há mais tempo (no rap), mas consigo circular entre a galera mais nova. Consigo me aventurar e tentar dominar os dois'

BK', rapper

Sonho de ancestrais

O legado dos antepassados é tema de BK'. “Eu sou a continuação de um sonho/ Da minha mãe, do meu pai/ De todos que vieram antes de mim/ Eu sou a continuação de um sonho/ Da minha vó, do meu vô/ Quem sangrou pra gente poder sorrir/ Eu não herdei o trono, eu recuperei e pronto/ Perdi noites e noites de sono/ Entre foices da corte e sangue derramado de quem veio antes/ E o resultado tu não quer que eu cante? Eu canto/ Além de carro, moto e rolê de lancha/ seja solo, céu ou mar, tu não me alcança”, diz a letra de “Continuação de um sonho”, faixa de “Icarus”.

Em menos de oito meses, a canção mais popular deste álbum, “Música de amor nunca mais”, se tornou o segundo maior sucesso do canal de BK’ no YouTube, com 14 milhões de visualizações. A recordista é “Planos”, de 2018, com 65 milhões de reproduções.

Apesar de toda essa repercussão, BK’ coloca “Icarus” atrás de outro disco dele, “Castelos & Ruínas” (2016), em termos de importância. O trabalho de estreia foi considerado o melhor disco do rap nacional na década de 2010 por veículos especializados.
 
Confira: BK' fala de sua carreira e do rap ao podcast DIVIRTA-SE:
 
 
 
Outro fator que impulsionou a carreira do carioca foram as participações em projetos que moldaram o rap brasileiro nos últimos anos. Além de parcerias com outros artistas na segunda edição do Favela Vive e na primeira do Poetas no Topo, BK' participou de duas edições do projeto Poesia Acústica que somaram 930 milhões de visualizações apenas no YouTube.
 
“Estamos em uma época em que chegam muitos estilos novos e quero estar próximo deles. Quero dominar todos os tipos de rap”, comenta. “Sou próximo dos caras que estão há mais tempo (no rap), mas consigo circular entre a galera mais nova. Consigo me aventurar e tentar dominar os dois”, diz.

 “Às vezes a galera chega e fala: ‘BK e Djonga é só papo reto. Óbvio que a gente tem consciência da parada, mas nós nos divertimos também”, pontua.

Vozes potentes da nova geração do rap brasileiro, o carioca, que tem 34 anos, e o mineiro, de 29, fazem letras contundentes sobre os impasses do mundo contemporâneo e os negros nesse contexto, mas também valorizam temas mais leves ligados ao universo dos jovens.
 
 

Prêmio em Cannes

Derrotas e vitórias do homem comum já eram abordadas por BK' em faixas de “Castelos & Ruínas”, como “Quadros” e “Caminhos”. No álbum mais recente, elas têm o voo de Ícaro como cenário. O design do disco rendeu a BK’ o Leão de Bronze no Festival Internacional de Criatividade de Cannes, na França, e o troféu de melhor capa do Prêmio Rap Brasil de 2022.

“O conceito de Ícaro veio quando o álbum já estava quase pronto. A ideia saiu do EP ‘Cidade do pecado’, mas criamos uma coisa nova. Já tínhamos algumas músicas e uma linha de raciocínio, aí fizemos vários brainstormings e chegamos ao mito de Ícaro. Ali nós conseguimos a ideia para a capa e a primeira track, ‘Luzes’, que diz bem o que vai ser o álbum, ou seja, não voar perto demais do sol e não voar baixo demais para não se afogar. Ícaro tentou fazer isso, mas se deslumbrou e foi embora (risos)”, comenta.

“Em ‘Castelos & Ruínas', abordei isso, mas levei para o lado mais pessoal, a visão de dentro para fora. Icarus’ já consegue ir para mais lugares, é bem mais plural”, diz BK', citando “o rolê de você não se iludir nas tentações da cidade e também não deixar ser puxado para baixo.”

O conceito do projeto foi transformado em quadro de Nikolas Demurtas exposto no Museu de Arte do Rio de Janeiro, em novembro passado. Trata-se da releitura da pintura barroca “A queda de Ícaro”, do artista flamengo Jacob Peter Gowy, trazendo BK’ no papel do personagem mitológico.

Nos próximos meses, o rapper planeja lançar o videoclipe de “Músicas de amor nunca mais”, com o cantor Luccas Carlos, e a gravação doshow ao vivo do álbum.

“Vivemos duas cenas diferentes no rap. Tem isso de você ter de lançar músicas novas toda hora e atingir os números (nas redes e plataformas), mas também tem a questão de você deixar o trabalho amadurecer e as pessoas o conhecerem enquanto ele está rodando. Soltar um trabalho em cima do outro é ruim, porque de certa forma você mata o anterior. Todo mundo pode voltar e escutá-lo, mas você tem que trabalhar o disco novo”, pondera.
 
O rapper carioca BK e o rapper mineiro Djonga sorriem

O carioca BK e o mineiro Djonga: parceria consolidada

reprodução

'Conforme o tempo foi passando, eu e Djonga fomos ficando mais amigos. A gente se encontrava e trampava, mas hoje em dia nós somos muito mais brothers. A gente se fala com mais frequência e tenta fazer projetos, mas não podemos entregar qualquer coisa. BK%u2019 e Djonga têm um peso'

BK', rapper

 

Conexão mineira

BK’ é grande amigo de Djonga. Nos últimos sete anos, ele colaborou em 10 músicas do belo-horizontino. Assim como Djonga, que criou o selo fonográfico A Quadrilha, o carioca tenta emplacar o seu Gigantes.

Uma de suas metas é expandir a marca e apresentar ao público os artistas que contratou. “Pensei em lançar o (álbum) deluxe de ‘Icarus’, mas estamos fazendo a mixtape do selo Gigantes. Vai ter o Jxnvs (produtor musical e segunda voz de BK’) rimando e nossos novos beatmakers, além de artistas que a gente trouxe para o time. Estou focado em começar a trabalhar o selo”, revela. As faixas que levaria para a versão deluxe vão para o álbum com os novos artistas, como uma forma de atrair a atenção do público.

BK’ planeja a futura parceria entre os selos Gigantes e A Quadrilha. Porém, há dificuldades para conciliar agendas.

“Conforme o tempo foi passando, eu e Djonga fomos ficando mais amigos. A gente se encontrava e trampava, mas hoje em dia nós somos muito mais brothers. A gente se fala com mais frequência e tenta fazer projetos, mas não podemos entregar qualquer coisa. BK’ e Djonga têm um peso”, comenta.

O empoderamento é um dos pilares da cultura hip-hop, que surge nas periferias e denuncia o racismo, a exclusão social e o preconceito, entre outras mazelas.

Impulsionado por referências de outras gerações, como Marcelo D2, Racionais MC’s, Black Alien e MV Bill, BK’ transmite em suas letras sentimentos de um homem preto que cresceu nos subúrbios do Rio de Janeiro e viu sua realidade mudar devido ao rap.

“Quero devolver ao hip-hop um pouco do que essa cultura entregou para mim. O rap trabalhou na minha autoestima, no meu caráter e no que sou hoje. Quando a gente ouvia músicas e via os irmãos se dando bem, dava vontade de conquistar as paradas. Por isso a gente tenta entregar faixas igual a ‘Vivos’. A gente sabe da realidade. Não são todos os irmãos que estão fazendo dinheiro. Mas, se entrar na mente de pelo menos um e for combustível para ele alcançar (o que quer) e se movimentar, fé. Minha missão está cumprida”, destaca.

* Estagiários sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

DISCOGRAFIA


2016
CASTELOS & RUÍNAS
. 13 faixas

2017
ANTES DOS GIGANTES CHEGAREM VOL. 1
. EP com três faixas

2017
ANTES DOS GIGANTES CHEGAREM VOL. 2
. EP com três faixas

2018
GIGANTES
. Álbum com 13 faixas

2020
O LÍDER EM MOVIMENTO
. Álbum com 10 faixas

2021
CIDADE DO PECADO
. EP com cinco faixas

2022
ICARUS
. Álbum com 13 faixas