Quando Aretha Franklin morreu de câncer no pâncreas aos 76 anos em agosto de 2018, acreditava-se que ela não havia deixado testamento sobre seu patrimônio, que era avaliado em milhões de dólares.
Meses depois, no entanto, testamentos manuscritos foram encontrados em um armário e embaixo de uma almofada do sofá em sua casa no subúrbio de Detroit, em Michigan, nos Estados Unidos.
Um júri determinará agora qual dos dois documentos deve ser considerado o último testamento válido da "Rainha do Soul". O julgamento começou na segunda-feira (10/7) e a previsão é que dure menos de uma semana.
Um júri de seis pessoas no Tribunal de Sucessões do Condado de Oakland ouvirá testemunhas, incluindo os filhos de Franklin, sua sobrinha Sabrina Owens e um especialista em caligrafia.
Vencedora de 18 prêmios Grammy, Franklin gravou dezenas de canções que chegaram ao topo das paradas. Ela foi a primeira mulher a entrar para o Hall da Fama do Rock & Roll.
A cantora conhecida por sucessos como Think, I Say a Little Prayer e Respect era muito discreta sobre seu patrimônio e teria resistido à ideia de preparar um testamento formal, apesar de anos de problemas de saúde.
Quando ela morreu, aos 76 anos, a ausência de um testamento faria com que seus bens — incluindo casas, carros, casacos de pele e joias — fossem divididos igualmente entre seus quatro filhos.
Mas com a descoberta de testamentos em sua casa nove meses depois de sua morte, um dos filhos está argumentando que os papéis datados de junho de 2010 e encontrados em um armário trancado devem ser considerados como o verdadeiro testamento.
Dois outros filhos dizem que um testamento datado de março de 2014 e encontrado em um caderno espiral sob as almofadas do sofá seria o verdadeiro.
Na segunda-feira, a juíza Jennifer Callaghan disse aos jurados que a única decisão que eles tinham que tomar era se o documento de 2014 pode ser aceito como um testamento válido.
Apesar de algumas diferenças, ambos os documentos dão aos filhos o dinheiro da reprodução da música e dos direitos autorais de Franklin.
Cada versão foi rabiscada à mão, de forma difícil de decifrar, com palavras riscadas e anotações nas margens. Tal condição os tornaria inadmissíveis na maioria dos Estados, mas a lei de Michigan permite testamentos manuscritos, desde que atendam a alguns critérios.
Theodore White 2º — terceiro filho de Franklin, de seu breve casamento com seu ex-empresário — argumenta que o documento de 11 páginas autenticado em cartório em 2010 seria o testamento válido.
Essa versão indica White como coexecutor ou representante pessoal do espólio, junto com Owens, a sobrinha. O documento também pede que Kecalf e Edward Franklin, segundo e quarto filhos da cantora, "tenham aulas de negócios e obtenham um certificado ou um diploma" se quiserem se beneficiar da herança.
Mas Kecalf e Edward argumentam que o documento de 2014 representa a vontade real de sua mãe.
Kecalf substitui seu irmão como co-executor no documento de quatro páginas. Ele e seus netos também herdariam a mansão de $ 1,2 milhão (cerca de R$ 6 milhões) de sua mãe — uma casa descrita pelo advogado de Edward como "a joia da coroa".
O documento mais recente também estipula que os vestidos de Franklin sejam leiloados ou entregues ao Smithsonian Institute em Washington.
Clarence Franklin, o filho mais velho de Aretha, não está envolvido na disputa. Ele mora em uma casa de repouso em Michigan e está sob tutela legal.
Um advogado de seu tutor disse à BBC que eles não participarão do julgamento e "chegaram a um acordo que dá a Clarence uma porcentagem dos bens sem levar em consideração o resultado da contestação do testamento".
A desavença familiar já havia levado Owens a deixar o cargo de representante do espólio de sua tia.
"Dado o amor pela família e o desejo de privacidade de minha tia, isso não é o que ela desejaria para nós, nem é o que eu quero", escreveu ela em processo judicial de 2020.
"Eu amo meus primos, não guardo animosidade em relação a eles e desejo-lhes o melhor."
No início deste ano, o tribunal em Pontiac, Michigan, ouviu três mensagens de correio de voz, gravadas meses antes da morte de Franklin, nas quais ela discute outro testamento que estava preparando com um advogado.
Nas mensagens, Franklin — que estava de cama em Detroit — expressa "intenções firmes", mas o advogado Henry Grix testemunhou que acreditava que ela "não havia se decidido" sobre seus desejos finais.
O juiz excluiu esse documento da consideração no julgamento.
A fortuna de Franklin era estimada em US$ 80 milhões (cerca de R$ 400 milhões) quando a estrela morreu em 2018, mas avaliações mais recentes e vários anos de impostos não pagos reduziram bastante esse número.
De acordo com um inventário arquivado no tribunal e visto pela BBC, os bens da falecida cantora estão avaliados em pouco menos de US$ 6 milhões (R$ 30 milhões).
Nicholas Papasifakis, que atualmente atua como representante pessoal de Franklin, disse que não está participando do julgamento e não está tomando partido na disputa.
"Uma vez que haja uma determinação do Tribunal quanto à disposição do espólio de Franklin, eu seguirei essa determinação na distribuição dos bens da Sra. Franklin", escreveu ele em um e-mail.