Foi durante um sonho que o escritor angolano José Eduardo Agualusa teve a ideia de escrever “O vendedor de passados” (2004). “Na época, eu morava em Berlim. Sonhei que tinha entrado em um dos vários bares brasileiros que tem lá e encontrei o homem que vendia passados”, conta.
Ao acordar, Agualusa colocou no papel tudo o que imaginou enquanto dormia. O extenso conto chegou a ser publicado no jornal português Público, no qual ele trabalhava como repórter.
Agualusa, no entanto, percebeu que o conto tinha potencial para virar romance. Foi assim que a história do homem que inventava passados para as pessoas virou sátira política, repleta de reviravoltas e críticas à alta burguesia angolana.
Ainda que “O vendedor de passados” seja ambientado do outro lado do Atlântico e aborde questões locais (a história se passa durante a guerra civil de Angola, entre 1975 e 2002), o romance despertou o interesse dos brasileiros. Até versão cinematográfica a trama ganhou em 2015, dirigida por Lula Buarque de Hollanda, estrelada por Lázaro Ramos e Alinne Moraes.
Sessão com Agualusa
O livro foi escolhido para ser comentado no projeto Clube de Leitura CCBB 2023, que será realizado pelo Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (12/7). Radicado em Portugal, Agualusa vem ao país especialmente para participar do projeto. A conversa será disponibilizada no canal do banco no YouTube.
Com um pé no realismo fantástico, “O vendedor de passados” acompanha Félix Ventura, negro albino que tem como ofício inventar histórias para pessoas insatisfeitas com a própria existência. O que Félix faz é, basicamente, criar mentiras para o currículo de pessoas que o pagam.
Os clientes de Félix são pessoas ilustres: políticos, generais, empresários e representantes da alta burguesia angolana, um dos principais “alvos” de Agualusa. Ocupando posições de prestígio, eles se sentem na obrigação de ter passado honroso para exibir à sociedade.
Em determinado momento, chega até Félix um homem com pedido, no mínimo, curioso. Não queria apenas glórias em sua trajetória, mas a identidade criada do zero. Batizado José Buchmann, ele passa a ser o fotógrafo profissional encarregado de retratar a destruição que a guerra promoveu em Luanda, a capital de Angola.
Buchmann, contudo, não dá sossego a Félix. Encantado com a história que o vendedor de passados criou para ele, começa a segui-lo, ora pedindo mais detalhes sobre os pais inventados, ora solicitando situações marcantes que poderiam moldar a personalidade do personagem.
Os dois ficam amigos e Buchmann passa a frequentar a casa de Félix. Nesses encontros, ele reencontra pessoas de grande relevância em sua história verdadeira, que haviam sumido em decorrência da guerra.
Guerra civil e MPLA
Angola foi palco de uma das guerras civis mais sangrentas da África. O conflito começou tão logo acabou a guerra de independência – em 1974, reconheceu-se oficialmente o país africano, até então sob o domínio português. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) assumiu o poder, adotando linha de governo pautada pelo marxismo-leninismo.
Agualusa, que hoje tem 62 anos, só viu a democracia instalada em seu país em 2002, quando se encerrou a guerra e movimentos armados deixaram de se ver como inimigos para atuar como oponentes no Legislativo. Ao longo desse período, houve diversas tentativas fracassadas de estabelecer a democracia em Angola.
“A gente viveu numa ditadura por muito tempo”, lembra o escritor. “Sempre fui contra os regimes ditatoriais. Quando fui para Portugal fazer faculdade, com 20 poucos anos, eu era oposição”, emenda.
De acordo com ele, apesar de muitas diferenças entre as histórias de Angola e do Brasil, há pontos semelhantes, o que faz com que brasileiros se interessem pela sátira política escrita por ele.
Assim como o Brasil independente em 1822, Angola não tinha um projeto da sociedade que pretendia construir ao se separar de Portugal. Estabeleceu-se, então, um sistema de governo corrupto e ineficiente.
“Mas, diferentemente do Brasil, a mesma alta burguesia angolana que proclamou a independência se manteve no poder o tempo inteiro. Não era como aí (o Brasil), onde as pessoas podem se candidatar para ocupar cargos públicos”, observa Agualusa.
CLUBE DE LEITURA
• Com José Eduardo Agualusa
• Nesta quarta-feira (12/7), às 17h30, no Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro
• O bate-papo ficará disponível no canal do Banco do Brasil no YouTube
• Nesta quarta-feira (12/7), às 17h30, no Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro
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