Existem artistas que comprometem seu trabalho ao se tornarem comerciais demais. Há outros que também abraçam o aspecto comercial ao longo da carreira, mas que tiveram, no passado, um período criativo tão importante que não perdem seu valor. Um terceiro grupo de criadores pode ter diferentes períodos relevantes. E há uma artista que cria o mundo a partir de bolinhas.





Diretor-fundador de Inhotim, o norte-americano Allan Schwartzman é o mais didático possível ao falar sobre a obra da japonesa Yayoi Kusama. "Ela é sempre contínua, vai até onde um ponto pode ir. Seu trabalho pode ser tanto físico quanto psicológico. É uma artista única e acho que nada o que fez comprometeu a sua obra."

Kusama é uma marca global, que da arte atingiu a moda e, já neste século, redes sociais. Há exatos 50 anos a artista, hoje com 94, se internou em uma instituição psiquiátrica em Tóquio, após tormentos (pessoais e profissionais, incluindo mais de uma tentativa de suicídio e algumas rasteiras de colegas artistas) sem fim. Os pontos e círculos, que ela dizia enxergar em alucinações desde a adolescência, estão em suas obras há mais de seis décadas.

Desde 2009, Inhotim exibe "Narcissus garden", na verdade 750 esferas de aço inoxidável sobre um espelho d'água, que se refere ao mito de Narciso. A obra nasceu na Bienal de Veneza, em 1966, quando a artista, sem convite (para o evento), em uma forma irônica de tratar do comércio de arte, expôs 1,5 mil bolas espelhadas –  todas foram vendidas na época. 




 

A artista japonesa Yayoi Kusama em evento no National Art Centrer, em Tóquio, em fevereiro de 2017

(foto: Toshifumi Kitamura/AFP)
 

Espelho infinito

A partir deste domingo (15/7), Inhotim passa a contar com um espaço permanente dedicado à artista. A Galeria Yayoi Kusama reúne duas outras obras. A mais interessante delas é "Aftermath of obliteration of eternity" (2009, Consequências da obliteração da eternidade, em tradução livre), um título pomposo que apresenta um quarto de espelho infinito. 

A primeira experiência de Kusama com uma sala espelhada foi em 1965, quando vivia em Nova York (foi também o primeiro ambiente de sala espelhada do mundo). O conceito, passados tantos anos, se mantém. "É a desintegração do espaço, com experiências infinitas", explica Schwartzman.

O visitante entra em um ambiente imersivo todo espelhado (inclusive o chão, que é contornado por um espelho d'água). A porta se fecha, e a iluminação chega aos poucos, vinda de lanternas que se multiplicam ad infinitum. É um minuto só lá dentro (a visitação comporta até três pessoas), mas o mundo lá fora, neste curto espaço de tempo, não existe mais - só o vazio que se repete indefinidamente.





A outra sala apresenta uma obra já conhecida do público de Inhotim. "I'm here, but nothing" (2000) foi exibida em 2018 em mostra temporária do instituto. Um quarto exibe um ambiente doméstico comum. Só que tudo, objetos, móveis, teto, chão, paredes está tomado por bolinhas coloridas, que parecem cintilar por causa da luz negra. Serão três minutos de visitação, para até oito pessoas.

"Este espaço básico, um tipo genérico de apartamento, vai além da vida ordinária", acrescenta Schwartzman, dizendo também que os três trabalhos de Kusama que Inhotim passa a exibir permanentemente mostram "aspectos diferentes de uma obra de uma artista que trabalhar com um tema em expansão."
 

A galeria Yayoi Kusama conta com um jardim no qual foram plantadas 3,5 mil bromélias; desenho do espaço faz com que o prédio não seja facilmente distinguível, num proposital diálogo com a obra da japonesa

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press)

Espaço 'impermanente' para Yayoi

A Galeria Yayoi Kusama foge totalmente do conceito das duas dezenas de pavilhões dedicados a artistas. "A galeria, que vai abrigar obras de maneira permanente, talvez seja a primeira impermanente de Inhotim", explica o arquiteto Fernando Maculan, que assina o projeto arquitetônico com Maria Paz.





"O prédio foi construído como uma parede (uma estrutura de aço). Ou seja, você não o vê de imediato, e isto não foi arbitrário", explica Schwartzman. O conceito, ele diz, foi traçar uma linha que divide o jardim criado na abertura da galeria e o ambiente natural da área, com um bosque na parte de trás. "Isto faz um paralelo com o que a artista explora, que é o espaço além do espaço físico."
 
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Localizada numa área alta do parque em Brumadinho – o local onde havia, em tempos remotos, um pequeno número de casas da vila chamada Inhotim - a galeria é aberta com uma grande jardim, criado por Juliano Borin, curador botânico da instituição. Três mil e 500 bromélias de várias espécies foram plantadas nesta área. "Várias delas têm pintinhas, bolinhas ou formas de folhas arredondadas", explica Borin.

A impermanência de que fala Maculan refere-se justamente ao jardim. Neste momento, a sombra deste jardim é feita por telas modulares. "Aos poucos, elas serão totalmente cobertas por centenas de mudas de congéias (congea tomentosa, um tipo de trepadeira) que foram plantadas na extremidade. Ou seja, será um espaço constante de transformação que seguirá o fluxo da natureza."

GALERIA YAYOI KUSAMA

• Abertura para o público neste domingo (16/7), a partir das 10h, em Inhotim, Brumadinho
• Visitação de terça a sexta-feira, das 9h30 às 16h30, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30
• Ingressos: R$ 50 (inteira, crianças até 5 anos não pagam)
• Visitação gratuita às quartas-feiras
• Para visitar a obra "Aftermath of obliteration of eternity" é necessário retirar senha
• Informações: inhotim.info/yayoikusama

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