Desde 2017, o músico mineiro Haroldo Bontempo, de 25 anos, guitarrista da banda Mineiros da Lua, mantém parceria com a casa de shows A Autêntica. Uma de suas funções é convidar artistas para se apresentar lá. Como resultado dessa colaboração, já passaram pelo palco d’A Autêntica bandas como Lamparina, Moons e os cariocas do Gorduratrans. O maior desafio de Bontempo, no entanto, foi promover uma apresentação de João Donato.
É verdade que a casa de shows já mantinha conversa com Donato há alguns anos, mas nunca conseguia acertar uma data para ele se apresentar no local. E Haroldo, por sua vez, estava alheio a essa negociação. Na verdade, até 2019, ele sequer conhecia a obra de Donato, que morreu na segunda-feira (17/7), no Rio de Janeiro, aos 88 anos.
“Eu ouvia o nome dele sempre. Via documentários (de músicos) e entrevistas nas quais as pessoas sempre diziam ‘João Donato isso’, ‘João Donato aquilo’, ‘João Donato’. Aí, eu decidi escutá-lo efetivamente”, conta o músico.
Disco 'Quem é quem' impactou Haroldo
Ele começou ouvindo “Quem é quem”, álbum lançado em 1973, com produção de Marcos Valle. O disco, que mescla a Bossa Nova com diferentes ritmos, como o soul e o funk norte-americano, teve um efeito arrebatador em Haroldo Bontempo.
Na sequência, partiu para “Síntese do lance” (2021), que Donato compôs em parceria com Jards Macalé, e, por fim, ouviu praticamente a discografia completa do pianista acreano.
Influenciado pelo piano de Donato, Haroldo decidiu convidá-lo para fazer o lançamento de “Síntese do lance” em Belo Horizonte, o que de fato ocorreu, em junho do ano passado. A apresentação foi a última de Donato na capital mineira. Na ocasião, o guitarrista abriu o show da dupla.
Conhecer o trabalho de Donato foi enriquecedor para o jovem músico. Ele, que sempre flertou com a melancolia ao compor, sentiu um verdadeiro baque ao perceber que era possível fazer músicas com letras e linhas melódicas mais alegres, suplantando, justamente, a tristeza.
Aula de composição
Ouvir Donato, afirma Haroldo, “serviu como uma verdadeira aula de composição, de como fazer música em alto astral”. Influenciado pela audição de “Quem é quem”, ele pegou o violão e criou um pequeno tema - uma frase musical com quatro acordes - e uma melodia cantada.
Haroldo achou que aquela melodia era “100% a energia do João Donato” e, assim, decidiu que mostraria a música ao veterano no dia do show que fariam n’A Autêntica.
“Foi muito engraçado, porque eu gosto muito do Jards Macalé, mas eu gosto muito mais do Donato. É uma outra coisa, outro nível de admiração. E no dia (do show), o que eu e o Jards proseamos você não tem ideia. A gente falou desde partituras até (do filósofo francês, Gilles) Deleuze. Mas, quando eu chegava perto do Donato, as palavras sumiam, eu ficava tímido. O Donato puxava assunto comigo, mas eu não conseguia tocar a conversa (risos)”, conta.
Contudo, em determinado momento, Haroldo superou a timidez e, durante a passagem de som, mostrou para Donato a música que tinha feito para ele.
“Eu falei: ‘Olha, Donato, essa música aqui é 100% inspirada em você, queria te apresentar”, lembra. “Depois do show, a Ivone (Belém, viúva e empresária do compositor) veio falar comigo e brincou: ‘Cadê o piano para o Donato gravar?”
Haroldo ficou com aquilo na cabeça. Era uma brincadeira despretensiosa, ou, de fato, um convite para uma colaboração com um dos precursores da Bossa Nova?
Donato compôs o que faltava
Depois de passar semanas amargando com a dúvida, ele resolveu perguntar para Ivone qual seria a possibilidade de Donato gravar a música dele. Ela foi direto ao ponto: “Olha, a possibilidade de o Donato gravar é ele gostar da música e querer participar”.
Confiante, Haroldo mandou a canção. “Até que, um dia, ele me ligou de manhã; parecia até que estava me provocando. Perguntei o que ele tinha achado, mas ele respondia apenas que estava legal, mas faltava alguma coisa. Ele repetia isso sem parar, até que soltou: ‘Eu posso fazer uma segunda parte aqui’. Eu quase caí pra trás. Sorte que eu estava sentado”, brinca Haroldo.
Donato cumpriu o que prometeu. Além de ter feito uma segunda parte para a canção, deu alguns floreios na melodia que já havia sido criada pelo mineiro. Dessa parceria nasceu “Risada”, que deve ser lançada como single até o final deste ano.
“Essa é uma música que fala sobre deixar a tristeza de lado para pensar no amanhã, nas coisas boas que ainda podemos fazer. É uma música muito alto astral”, ressalta Haroldo.
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