"Coreografei até os silêncios, as pausas em que a orquestra tem de passar as páginas da partitura"
Rodrigo Pederneiras, coreógrafo
O movimento dos bailarinos, com gestos firmes e batidas ritmadas dos pés no palco, lembra o estilo de dança malambo, modo tradicional de o gaúcho demonstrar destreza e vigor em competições. O movimento é suave, lembra o vento que enverga o trigo. A vida no pampa é a premissa temática de “Estancia”, coreografia que o Grupo Corpo estreia nesta terça-feira (18/7) nos Estados Unidos.
O balé assinado por Rodrigo Pederneiras, coreógrafo da companhia, surgiu do convite do regente titular da Filarmônica de Los Angeles, o venezuelano Gustavo Dudamel, um dos maestros mais importantes do mundo. A composição sinfônica do argentino Alberto Ginastera, criada em 1941, é a trilha que dá nome ao espetáculo na agenda do Hollywood Bowl, teatro de 17,5 mil lugares da cidade californiana.
Desafios para Rodrigo
Pela primeira vez, a companhia se apresenta com orquestra ao vivo. Pederneiras conta que a articulação dos movimentos da dança com o andamento dos músicos foi desafiador. Os ensaios seguiram a gravação da trilha enviada por Dudamel. “Coreografei até os silêncios, as pausas em que a orquestra tem de passar as páginas da partitura”, diz ele.
Não há cenografia ou desenho de iluminação. A movimentação dos bailarinos na frente dos músicos foi estudada. O comprimento do palco, a profundidade reduzida e a falta de coxias foram provocações criativas para o desenvolvimento da coreografia.
"Coreografei até os silêncios, as pausas em que a orquestra tem de passar as páginas da partitura"
Rodrigo Pederneiras, coreógrafo
O balé composto por Alberto Ginastera é inspirado no poema argentino, de caráter nacionalista, “O gaúcho Martín Fierro”, escrito por José Hernández, em 1872. Os versos exaltam o modo de vida gauchesco e criticam a arbitrariedade da luta política e militar oitocentista que empurra o protagonista para patrulhas policiais e o leva à ruína moral.
“Estancia”, de Ginastera, porém, não segue a jornada de Fierro. A peça sinfônica apreende a estrutura temporal do poema e traz episódios da vida de um gaúcho no ciclo de um dia. Os movimentos se dividem em cenas entre o amanhecer, o dia, a tarde, a noite e um novo amanhecer.
O enredo narra a história de um rapaz que, vindo da cidade, se apaixona por uma moça do campo. Para vencer a desconfiança dela e conquistar seu amor, ele terá de provar todas as suas habilidades de montaria, doma e dança, como um verdadeiro gaúcho.
A coreografia do Corpo escapa de uma correspondência estrita e não se estrutura pela linha figurativa, como encenação da história.
Há, no entanto, aproximações com os motivos da composição, como o primeiro pas de deux em que o desejo surge à flor de suave sensualidade.
Em “Estancia”, a fidelidade é à música, ainda que as relações entre literatura, sons e dança formem, por vezes, um todo indistinguível. Versos de “O gaúcho Martín Fierro” surgem cantados e recitados no balé do compositor.
A passagem do dia no pampa, com a transformação da vasta paisagem e as interações humanas no cenário, também se desdobra na música e na dança com grandes grupos, entremeados de solos, pas de deux e grupos menores.
O amanhecer, com flauta solo e violino no movimento “Danza del trigo”, é marcado por gestos delicados.
O ímpeto de “Los trabajadores agrícolas” aplica a intensidade gestual da lida campestre diária nos grupos de bailarinos. No amanhecer, a “Danza final” traz a orquestra com toda a sua potência.
O figurino de Janaina Castro, em tons de marrom, remete aos costumes tradicionais do pampa. As bailarinas usam saias pregueadas e ajustadas à cintura por uma faixa bem escura, com camisetas claras sem manga; os bailarinos vestem calças com a barra franzida e camisas de manga comprida na cor de café.
Pandemia atrasou parceria
O convite de Dudamel para a apresentação em Los Angeles ocorreu em 2019, mas o projeto foi interrompido pela pandemia. Com a reabertura, a proposta foi reiterada. Ginastera, morto há 40 anos, é um dos nomes mais importantes da música de concerto latino-americana. Seu repertório inclui óperas, música de balé e obras para piano.
De acordo com Fabio Mechetti, diretor artístico e regente titular da Filarmônica de Minas Gerais, “Estancia” talvez seja a obra mais famosa de Ginastera. “Ele conseguiu unir a rusticidade do folclore rural argentino ao lirismo que também caracteriza a música de raiz do nosso país vizinho”, afirma o maestro.
Regida por Mechetti, a Filarmônica de Minas Gerais e o Grupo Corpo apresentam “Estancia”, em agosto, na Sala Minas Gerais, com ingressos esgotados. O programa inclui “Seis danças sinfônicas”, com trilha de Marco Antônio Guimarães, do repertório da companhia, e “Danças norueguesas”, com música de Edvard Grieg.
“ESTANCIA”
• Estreia nesta terça (18/7), no Hollywood Bowl, em Los Angeles (EUA), com direção de Rodrigo Pederneiras e Gustavo Dudamel
• De 3 a 5 de agosto, às 20h30, na Sala Minas Gerais, em BH, com direção de Rodrigo Pederneiras e Fabio Mechetti
• Ingressos esgotados
• De 3 a 5 de agosto, às 20h30, na Sala Minas Gerais, em BH, com direção de Rodrigo Pederneiras e Fabio Mechetti
• Ingressos esgotados
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