“Dóris Monteiro – 65 anos de muita bossa.” O nome deste show de 2016 fala, de forma eloquente, do papel da cantora, morta ontem, como precursora do grande movimento da música brasileira no século 20.





Com sua “voz pequena”, segundo ela mesma definia, interpretando coisas “mais mexidinhas”, como sugerira a ela o compositor Billy Blanco, já cantava no estilo da Bossa Nova em 1957, quando gravou “Mocinho bonito”, de autoria de Blanco, a música mais tocada nas rádios brasileiras naquele ano. “O encontro”, espetáculo com João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes que marcou o início da Bossa Nova, só aconteceria cinco anos depois.

Doris Monteiro morreu nesta segunda-feira (24/7), de causas naturais, segundo o comunicado publicado no perfil da artista no Instagram. Ela tinha 88 anos e estava em sua casa no Rio de Janeiro. A artista será velada nestaa terça (25/7), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, das 10h às 13h, junto com a amiga Leny Andrade, também cantora.


Doris estreou em 1949, aos 16 anos, na Rádio Nacional, no programa de imitações “Papel carbono”, de Renato Murce. Em um tempo de vozeirões e arroubos de interpretação, o apresentador não soube sugerir uma cantora que a menina, com a sua voz peculiar, pudesse imitar.





A mãe lembrou Lucienne Delyle, intérprete das delicadas canções francesas da época. Foi assim que, vencendo a competição com “Boléro”, de Paul Durand e Henru Contet, Monteiro passou de caloura a contratada pela Rádio Nacional, onde permaneceu por mais de dois anos.


Seu primeiro disco, “Todamérica”, lançado em 1951, com a canção “Se você se importasse”, de Peterpan, fez enorme sucesso. Da Rádio Nacional, após breve passagem pela Rádio Guanabara, a cantora foi para a TV Tupi, onde permaneceu por mais sete anos. Na nova emissora, perdeu o Adelina do nome e viveu seu apogeu. Contratada pelo Copacabana Palace, cantava em francês e inglês.

Estrela de cinema

Estreou no cinema em 1953, em “Agulha no palheiro”, de Alex Viany. Faria mais sete filmes, incluindo o premiado “De vento em popa”, de Carlos Manga, lançado em 1957. Na TV Tupi, ganhou um programa com o seu nome. Depois, voltou para a Rádio Nacional.





Ao longo da carreira, ela gravou mais de 60 álbuns de repertório, a maioria pela Odeon, e participou em coletâneas e reedições posteriores. Alguns de seus maiores sucessos, além de “Mocinho bonito”, foram “Mudando de conversa”, composta por Maurício Tapajós e Hermínio de Carvalho, “Conversa de botequim”, de Noel Rosa, e “Dó-ré-mi”, de Fernando César e Nazareno de Brito.


Nascida no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1934, filha de Glória Monteiro Murta, portuguesa que trabalhava como empregada doméstica, Adelina Doris Monteiro nunca conheceu o pai biológico. Foi adotada pelo casal português Ana Maria e Lázaro Cordeiro.


Ana Maria virou folclore nos bastidores do rádio por estar o tempo todo acompanhando a filha que, ainda menina, despontava para o sucesso. Mais tarde, Dóris conviveria bem com as duas famílias.


Seus romances seriam movimentados. O casamento, aos 18 anos, com um playboy capixaba, tendo Chacrinha como padrinho, foi capa da revista Manchete. Seis meses depois, ela estava separada.





Seu envolvimento com Alberto Bandeira, tenente da Aeronáutica, detento da penitenciária Lemos Brito, foi noticiado em 1955, depois de Monteiro cantar no presídio. Bandeira, condenado por um caso de homicídio no Rio de Janeiro, sentença posteriormente revogada, teria se apaixonado pela cantora, que, embora negasse o namoro, o visitou algumas vezes na prisão.

Rainha do rádio

Em 1956, coroada Rainha do Rádio, a imprensa creditou sua eleição a um pretenso envolvimento amoroso com Assis Chateaubriand, que ordenara a compra intempestiva de centenas de milhares de exemplares da Revista do Rádio, que equivaliam a votos no certame.


Ruy Castro, no livro “A noite do meu bem”, justifica a ação de Chatô por seu interesse de que pela primeira vez a Rádio Tupi, emissora dos Associados que comandava, emplacasse uma vencedora no concurso. E acrescenta que não haveria lógica em o magnata esconder um romance com uma das mulheres mais belas e desejadas da época.





Em depoimento a Maria Luisa Hupfer para o livro “As rainhas do rádio”, a cantora minimizou não só o papel do jornalista no episódio, como também a importância do certame. “Esse concurso não tinha o menor valor artístico”, afirmou.


Monteiro não teve filhos. Na década de 1970, casou-se com o tecladista Ricardo Júnior. Em 1990, fizeram uma turnê pelo Japão a convite de Lisa Ono. Em 2009, Ricardo Júnior acompanhou Monteiro e Billy Blanco no antológico reencontro dos dois precursores da Bossa Nova, que excursionou por capitais do país.


O casamento e a parceria artística duraram mais de 40 anos, só terminando com a morte do músico, em março de 2017. Em julho do mesmo ano, Monteiro voltou, acompanhada pelo pianista João Cortez, ao palco do Beco das Garrafas, no Rio. Aos 83 anos, cantou, com sua voz cheia de ginga, os grandes sucessos de sua carreira.

 

 

 

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