Coreografia de 'Estância'

Coreografia de 'Estância', criada por Rodrigo Pederneiras, não se prende à narrativa do poema de José Hernández que inspirou o balé de Alberto Ginastera

José Luiz Pederneiras/Divulgação

Supersticioso, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras nunca assiste a estreias do Corpo. Geralmente, fica no camarim. Teve de abrir uma exceção em 18 de julho, quando o grupo  estreou “Estância” no Hollywood Bowl, anfiteatro para 18 mil pessoas em Los Angeles.

No palco do espaço monumental a céu aberto havia mais de 100 pessoas – bailarinos e musicistas da Orquestra Filarmônica de Los Angeles, sob a regência de Gustavo Dudamel. A coreografia para o balé do argentino Alberto Ginastera (1916-1983) foi criada por Pederneiras sob encomenda do maestro venezuelano.

O coreógrafo não quebrou a superstição, realmente não assistiu ao espetáculo. Mas ficou na coxia (na verdade, o espaço lateral do palco, já que coxia propriamente ali não existe), para caso houvesse alguma eventualidade. Vai assistir a “Estância” comme il faut na próxima quinta-feira (3/8), quando o espetáculo terá sua segunda apresentação.

Segunda estreia

Depois dos Estados Unidos, a montagem chega a Belo Horizonte, com quatro sessões na Sala Minas Gerais. Desta vez em casa, o Corpo vai estrear ao lado da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sob a batuta do maestro Fabio Mechetti.

A curta temporada terá um tom quase de reencontro, pois em 2015 a Filarmônica gravou a trilha de “Dança sinfônica”, de Marco Antônio Guimarães, composta para celebrar os 40 anos da companhia mineira. Esta trilha, por sinal, foi pensada para o corpo de músicos da orquestra.

Tanto por isso, o programa será aberto com “Seis danças sinfônicas”, seleção de trechos da trilha composta por Guimarães, também pela primeira vez interpretadas pelo Corpo e a Filarmônica no mesmo palco. A orquestra terá a companhia do percussionista Paulo Santos, ex-Uakti, que vai tocar instrumentos do antigo grupo fundado por Guimarães utilizados na gravação original.

Completando o programa, a Filarmônica, sozinha em cena, vai interpretar “Danças sinfônicas”, do compositor norueguês Edvard Grieg.
 
Bailarinos do Corpo dançam a coreografia Estancia

'Estância' será apresentado em São Paulo, com a Osesp, e deve voltar ao cartaz nos EUA

José Luiz Pederneiras/divulgação

'Foi uma coisa impressionante, muito maior do que imaginava que seria. O espetáculo acabou com 16 mil pessoas de pé aos berros. É uma loucura o tamanho do lugar, assustador até'"

Rodrigo Pederneiras, coreógrafo, sobre a estreia do Corpo em Los Angeles

 

Rodrigo Pederneiras diz que quebrou a cabeça para criar a coreografia de “Estância”. Mais conhecida obra de Ginastera, foi composta em 1941 sob influência de “El gaucho Martín Fierro” (1872), poema em 13 capítulos de José Hernández (1834-1886), obra popularíssima na Argentina.

“Que caminho fazer, já que existe uma narrativa? Nunca gostei de fazer historinha, e ela é muito fraquinha, exatamente o oposto da música, que é poderosíssima”, explica Rodrigo.

“Estância” acompanha um dia – amanhecer, manhã, entardecer, noite e novamente o amanhecer – na vida do jovem que se apaixona pela moça que o despreza até que ele se prove capaz de ser um verdadeiro gaúcho.

Mechetti concorda com o poder da música. “Adoro Ginastera, ele tem muito do que o Villa-Lobos representa para nós, utiliza muitos elementos do folclore argentino e escreve muito bem para orquestra, com cunho rítmico e melódico.” A Filarmônica, diz o regente, já executou várias vezes a suíte “Estância: Quatro danças”. No entanto, é a primeira vez que interpreta o balé completo.

Coincidentemente, já que a temporada de 2023 foi fechada muito antes do convite da companhia de dança, a orquestra vai executar a mesma suíte, em 10 e 11 de agosto.

Para a temporada com o Corpo, a Filarmônica convidou o barítono Michel de Souza, que atuará como solista e narrador. A intenção de orquestra e companhia de dança trabalharem juntos, conta o maestro, vem desde a gravação de oito anos atrás.

Rodrigo Pederneiras procurou não se ater à narrativa. “Foi desafiador principalmente nas partes narrativas, mas fiz uma coisa mais abstrata. Mas quando ele fala com a mulher dele, ao lado dormindo, fiz um pas de deux mais romântico. Houve algumas deixas, mas a peça é abstrata.”
 


Palco ampliado

Levar a companhia de balé completa (20 bailarinos) para se apresentar em uma sala de concerto ao lado de uma orquestra exige adaptações. O palco da Sala Minas Gerais vai ganhar extensão, que  cobrirá até a quarta fileira de assentos da plateia central.

“É um espaço razoável, por volta de seis metros de profundidade por 17 metros de largura. A gente levou muito em consideração a visibilidade da plateia, pois se avançássemos um pouco mais, alguns lugares perderiam visibilidade”, comenta Paulo Pederneiras, diretor artístico do Corpo.
 
Os ajustes serão feitos a partir de amanhã, quando começam os ensaios da orquestra com o grupo. Já está definido que os músicos tocarão com arandelas.
 
“Cada estante terá uma iluminação individual”, conta Mechetti. E a iluminação do espetáculo, diz Paulo, será o mais simples possível. “Sempre acho que menos é mais. Deveremos usar só o essencial, pois o palco já traz muita informação com a orquestra e o Corpo.”

Em Los Angeles, como se tratava de um espaço enorme a céu aberto, o som foi amplificado. Aqui, ainda mais com a acústica da Sala Minas Gerais, obviamente que não.

Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e maestro Fabio Mechetti

Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e maestro Fabio Mechetti se apresentarão ao lado dos bailarinos do Corpo no palco da Sala Minas Gerais

Rafael Motta/divulgação

Dudamel já planeja turnê nos EUA

“Parecia show de rock and roll”, comenta Rodrigo Pederneiras sobre a reação da plateia ao final da apresentação do Corpo no Hollywood Bowl. “Foi uma coisa impressionante, muito maior do que imaginava que seria. O espetáculo acabou com 16 mil pessoas de pé aos berros. É uma loucura o tamanho do lugar, assustador até.”

Paulo Pederneiras ratifica a impressão. “Estava muito cheio, você não conseguia ver o fim (da plateia)”

Por ora, “Estância” só vai existir com uma orquestra executando a música. A próxima temporada, já confirmada, será em 2024, com a Osesp, na Sala São Paulo.

Gustavo Dudamel ficou tão feliz que, segundo Rodrigo, quer levar “Estância” para outras cidades e orquestras norte-americanas.

O convite de Dudamel, que fica na Filarmônica de Los Angeles por mais dois anos e meio – em 2026, assumirá a direção artística e a regência da Filarmônica de Nova York –, foi feito ao Corpo no início de 2020. Veio a pandemia e todos os planos foram por água abaixo.

Os Pederneiras davam o projeto por perdido quando o contato foi refeito. E valeu a espera. “A princípio, o convite era para que fizéssemos esse trabalho na sede da orquestra”, conta Paulo Pederneiras. A mudança para o Hollywood Bowl veio no convite pós-pandemia.

Até o fim do ano, a agenda está cheia. De 30 de agosto a 2 de setembro, o Corpo se apresenta novamente em Belo Horizonte, no Palácio das Artes, com o programa “Gil refazendo” e “Breu”.

No exterior, a companhia ficará um mês nos Estados Unidos e duas semanas em Israel. Volta a BH no fim do ano, com sua tradicional temporada popular no Cine Theatro Brasil Vallourec.

'Estância'

Com Grupo Corpo e Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. De quinta-feira a sábado (3 a 5/8), às 20h30, e domingo (6/8), às 18h, na Sala Minas Gerais (Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto). Ingressos disponíveis apenas para domingo: de  R$ 100 a R$ 280 (inteira). À venda na bilheteria e no site filarmonica.art.br