Escritora Conceição Evaristo

Conceição Evaristo diz que encontros com os leitores fazem parte de seu 'exercício da escrita'

Juh Almeida/divulgação

No final de julho, Conceição Evaristo, de 76 anos, passou sete horas autografando seus livros, no Rio de Janeiro. Ficou exausta, admite, mas não teve coragem de encerrar a sessão quando viu que havia pessoas que ficaram quatro horas para ganhar um autógrafo. “Quando lembro que passei a infância sem ter contato direto com escritores e escritoras, principalmente negros, sei o quanto é representativo estar em público”, diz.

Falar para muitas pessoas em lugares, auditórios e teatros lotados faz parte de seu “exercício da escrita” há muito. Não deverá ser diferente nesta semana. Amanhã (1º/8), Conceição retorna à Belo Horizonte natal como convidada do projeto Letra em Cena, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Os ingressos gratuitos para o encontro da autora com o jornalista e escritor José Eduardo Gonçalves, curador do projeto, estão esgotados desde a semana passada – as 600 entradas acabaram em um dia. A atriz, curadora e pesquisadora Soraya Martins fará a leitura dos textos de Conceição.
 

'Quando lembro que passei a infância sem ter contato direto com escritores e escritoras, principalmente negros, sei o quanto é representativo estar em público'

Conceição Evaristo, escritora e professora

 

Pouco tempo para escrever

A autora diz que o tempo para a escrita vem, nos últimos cinco anos, diminuindo sensivelmente diante dos compromissos literários. “Na medida do possível eu vou, mas não dou conta de responder a tudo positivamente. Mas se aceito convites para falar com os mais diversos públicos, tenho que desenvolver empatia, ser capaz de tocar as outras pessoas pela emoção.”

Conceição busca fazer a sua parte da melhor maneira possível. A recente e longuíssima sessão de autógrafos citada por ela ocorreu durante a inauguração da Casa Escrevivência Conceição Evaristo, aberta no bairro da Saúde, na região portuária da capital fluminense.

“É um território bastante simbólico, marcado pela presença dos navios negreiros que chegavam da África trazendo as pessoas que seriam escravizadas. Além dessa memória histórica, a região guarda uma memória física, pois lá são encontradas ossadas de pessoas escravizadas. Ou seja, estamos pisando sobre os nossos mortos nesta casa que traz a cultura afrodiaspórica.”

O espaço físico é exíguo, Conceição comenta. “O eixo central da casa é a biblioteca, porque levei para lá todo o meu acervo particular: livros, rascunhos, textos, prêmios, cartazes. No momento, estamos na fase de catalogação do acervo. A ideia é abrirmos para consulta (presencial). Mas o nosso desejo é ter também um acervo rotativo. Nesse espaço não cabem nossos sonhos, não dá para as pessoas transitarem. Então faremos também um trabalho on-line.”

Escrevivência, o leitor de Conceição conhece bem, é o termo que ela cunhou a partir das palavras escrever e vivência. “Para falar sobre isso, preciso retomar a frase que circula muito e usei em um seminário: ‘A nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande e, sim, para acordá-los de seus sonos injustos’. As mães pretas eram mulheres escravizadas que tinham como função contar histórias para ninar os da casa grande. Essa mãe preta tinha o corpo escravizado e também a fala, na medida em que era uma voz que cumpria os desígnios da casa grande. Na escrevivência não, produzimos o texto que queremos. E ele incomoda, sem sombra de dúvidas.”

De acordo com Conceição, trata-se do discurso de uma voz autoral captado pela experiência, herança histórica e também pela condição de uma coletividade. “A escrevivência nasce da experiência individual, mas que traz muito da vivência de um sujeito coletivo.”
 

De BH para o mundo

Nascida em Belo Horizonte em 29 de novembro de 1946, Conceição foi criada no Pindura Saia, favela localizada no atual Mercado do Cruzeiro, no bairro Cruzeiro, extinta no início dos anos 1970.

Formada pelo Instituto de Educação, ela trocou BH pelo Rio em 1973. Na capital fluminense, após concurso público, começou a dar aulas. Toda sua carreira acadêmica – a graduação em letras, o mestrado, que levou 14 anos para concluir porque tinha de se dividir entre o trabalho e os cuidados com a filha, e o doutorado, que concluiu aos 65 – ocorreu no Rio.
 
Ainda que escreva desde garota, só se tornou autora publicada a partir de 1990, quando, aos 44, foi lançada a antologia “Cadernos negros” (Quilombhoje).

Escritora que trafega por diversos gêneros – poesia, prosa, ensaios –, seu título mais recente é a novela “Canção para ninar menino grande” (Pallas, 2022). A narrativa é centrada em Fio Jasmin, negro, jovem e belo. Assistente de maquinista de trem, a cada parada explora não só o novo local, mas as mulheres. A história dele é contada por meio destas mulheres.

Originalmente, o livro saiu em 2018. Relendo a obra, Conceição sentiu necessidade de incorporar outros personagens, tanto que lançou a nova edição no ano passado. “Agora, trago as vozes das personagens que estavam silenciadas no primeiro romance.”

Com a agenda de compromissos cheia, Conceição Evaristo guarda vários escritos a concluir. “Tenho um romance já começado há mais de cinco anos, um livro de contos de antes da pandemia, assim como poemas também. E há o rap que preciso terminar para dar vazão ao desejo de criar uma letra”, finaliza.

LETRA EM CENA

Com Conceição Evaristo. Nesta terça-feira (1/8), às 19h, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos esgotados.