FBC posa ao lado de globo de luz de discoteca

FBC lança disco dançante que traz metais caprichados e a proposta de valorizar o amor, o perdão e a tecnologia

Bel Gandolfo/divulgação

'Não sou artista de single. Sou um cara que faz álbum conceito, sou 'jorgebenzístico''

FBC, cantor e compositor



É enorme o título do quinto álbum de estúdio do mineiro FBC: “O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta”. Maior ainda foi a coragem dele ao trocar a zona de conforto –  certamente lucrativa – pela arriscada jornada por outras galáxias musicais, que está a alguns anos-luz da sonoridade de “Baile”, disco lançado em 2021.
 
Afinal de contas, aquela parceria com o talentoso produtor belo-horizontino Vhoor havia “catapultado” FBC para as pistas no Brasil e no exterior. “Baile” conquistou milhares de cliques no TikTok, Instagram, YouTube, Spotify, Twitter e afins. Mesmo assim, o artista diz viver na fronteira entre o mainstream e a cena independente.
 

Pois agora mudou tudo na pista do moço. Diretamente do estúdio doméstico da Cabana do Pai Tomás, na Região Oeste de BH, veio a dance music à la FBC. Os jovens produtores brasilienses Ugo Ludovico e Pedro Senna pilotaram a nave – Vhoor, atualmente, exibe seu talento na Europa.

 

Dançarinos do clipe 'Químico amor', de FBC

Dançarinos dão show na 'discoteca de FBC' durante o clipe 'Químico amor'

Instagram/reprodução
 

Do bailão à discoteca

Sai o bailão funk das canções estouradas “Se tá solteira” e “De Kenner”, entra a discoteca elegante, repleta de trombones, trompetes, saxofones e teclados das 15 novas faixas. Mas é para dançar, e a faixa “Químico amor” deixa isso bem claro.
 
Aos 34 anos, 18 de carreira, FBC está consciente do risco de não atrair novamente a multidão que se jogou em “Baile”. Diz que não lhe interessa se tornar refém do universo volátil do sucesso instantâneo alimentado por redes e plataformas. Sempre foi artista independente e bancou “O amor, o perdão e a tecnologia” com R$ 200 mil, dinheiro vindo de seu bem-sucedido trabalho. 
 
Desta vez, ele não planejou as estratégias criativas na web com as quais atraiu atenção ao lançar “Baile” e os álbuns “Padrim” (2019) e “SCA” (2018). Resumindo: em vez de caçador de likes, quer voar por outros planetas – house, R&B, jazz, dance... Foram disponibilizadas também as 15 faixas apenas em versão instrumental.
 

 
FBC avisa: “Não sou artista de single. Sou um cara que faz álbum conceito, sou ‘jorgebenzístico’.” Aliás, Jorge Benjor é o padroeiro do novo trabalho, cujo mote vem de “Charles Jr.”, aquela canção que saudava o século 21 em pleno 1970, ano de chumbo da ditadura militar. Jorge dizia que a paz universal e a vitória da humanidade viriam “das conquistas científicas, espaciais, medicinais”. Isso virou mantra para FBC, defensor ferrenho da vacina e da ciência.
 
O mineiro explica que seu álbum não é amontoado de singles. Traz a história da disco music. “O número de instrumentos vai mudando de faixa para faixa, com efeitos de voz, autotune, passando pela atmosfera dos anos 2000 e deep house.”
 
Ali também está o amapiano, ritmo da África do Sul cujo DNA contém jazz, lounge, deep house, sintetizadores, percussão. Ganhou até o apelido de “piano para o quadril”.
 
Foto do rapper Abott

Abott: aposta de FBC na nova geração

Hey Yury/Instagram
 

Aula de piano

Falar nisso, FBC, que já foi baterista de banda de rock, está firme nas aulas de piano com o professor Adriano Lopes. Quer se habilitar como tecladista. Tem ouvido John Coltrane e os mestres do jazz.
 
Cria do Duelo de MCs, ele é nome de ponta do hip-hop nacional, amigo e ex-companheiro de palco de Djonga. Explica que sempre será rapper, mas isso não o impede de estudar, mergulhar em outros universos sonoros. Fica horas e horas no estúdio pesquisando – descobriu, por meio de Vhoor, ritmos da África e do Oriente Médio que o encantaram. “Sou trabalhador da música”, resume.
 
Diretor musical do próximo álbum do rapper Abbot, também da Cabana do Pai Tomás, FBC conta que já avisou ao jovem pupilo: “Só entra no meu estúdio se estudar canto”. Foi obedecido. E acha que o garoto tem tudo para ser a nova revelação de Minas. 
 
Abbot participa de quatro das 15 faixas de “O amor, o perdão e a tecnologia”. Em 2020, com “Hylander”, ele conquistou milhares de streamings no Spotify.
 
 
Para o FBC estudante de piano, fazer música não é sinônimo de ler partitura e de ser craque em harmonia. Para ele, essa é a “visão europeia”, pois africanos ensinam que “música é te fazer sair do lugar”, dançar, se expressar por meio do corpo. “Palma na mão também é música”, defende.
 
Em vez das rimas do rap, FBC surge cantando em todas as faixas. E não faz feio. O álbum é superdançante, mas ele deixou os passos, no clipe de “Químico amor”, para bailarinos que dão um show.
 
A começar de Gabriel Henrique, craque das pistas de BH. O vídeo foi gravado à noite, do alto de um prédio do Centro de BH, com vista das luzes da cidade. FBC faz o papel do barman da discoteca.
 
 

Sem violência

Se o som mudou bastante, o que dirá as letras. Certamente, vai se surpreender quem se habituou ao rap com rimas contundentes sobre racismo, violência, abuso policial, discriminação dos jovens castigados pela exclusão social.
 
A prosa agora é outra: amor, romances, separações doídas, perdão, redes sociais e o desejo de vislumbrar novas dimensões e planetas. O disco até lembra um pouco “Racional”, de Tim Maia, e “Boogie naipe”, o solo de Mano Brown. Mas o Hal 9000 desta odisseia é mesmo Jorge Benjor.
 
“Vivi a revolta muitos anos. Agora quero ser diferente para a Charlotte”, diz ele, referindo-se à caçula de quase 2 anos. Casado com Michelle há 15, é pai de Samuel e Yasmin.
 
Artista que sempre deixou clara sua posição política, Fabrício Soares criticou o governo Bolsonaro. Participou de live que deu o que falar, questionando o então vereador Nikolas Ferreira (PL), hoje deputado federal. Virou alvo de copos bolsonaristas durante show no Rio de Janeiro, em 2022, ao defender “a luta contra o fascismo”.
 
Em entrevista ao “Podcast Divirta-se”, ele afirma que não repetiria a live com Nikolas. “Antes eu discutia, ia para a internet falar. Hoje, quero que minha música chegue antes do meu pensamento político”, diz. Mas admite: sempre será rapper, MC – portanto, o posicionamento político “chega na frente”.
 

Metáfora da Terra

FBC se cansou da cultura do cancelamento, do ódio e da intolerância disseminados nos últimos tempos. Diz que o outro planeta a que se refere nas canções é metáfora da Terra. Defende “o amor, o perdão e a tecnologia” como antídotos ao baixo astral. “Eu me preocupo com o futuro”, resume, citando os filhos de novo.
 
“Hoje sou outra pessoa”, garante, referindo-se a posturas na internet e cancelamentos que ele próprio compartilhou, enfatizando que está interessado em “mecanismos que nos levem a um futuro melhor”.
 
Se são diferentes do rap que o tornou conhecido, as novas letras de FBC nada têm de “delivery autoajuda”. Cronista talentoso, nas faixas de “O amor, o perdão e a tecnologia” ele mira no impacto do universo da internet sobre o mundo contemporâneo. Há stalker sem coragem de se aproximar da garota, egos alimentados pelas telinhas. “Pare de falar com o espelho”, provoca ele no refrão de “Dilema das redes”.
 
Don L e FBC abraçados

Don L e FBC levaram a literatura de Giovani Martins, Machado de Assis e Baudelaire para 'Estante de livros', o rap solitário do novo disco

Reprodução
 
 
“Mastigo Zolpidem/ Não tiro os olhos desse telefone/ Atualizo a time/ Te vejo on-line/ Ou não”, canta FBC na love song “Não me ligue nunca mais”. Para quem sentir falta de rap, “Estante de livros”, parceria de FBC e Don L,  conta a história de uma separação, digamos, literária.
 
O rapaz abandonado vê nos stories da garota, que só lê livros no Kindle, seu valioso livro “primeira tiragem” na estante, agora dividida “com outra pessoa/em sua nova hospedagem”. São bacanas os versos de Don L, o convidado desta faixa (“foi ela quem quis/ um fim de Geovani Martins”). Baudelaire, Machado de Assis, “Flores do mal”, “Bras Cubas” e Cartola testemunham uma “DR” daquelas.
 
Em sua nova odisseia musical, FBC experimenta sons e repertório em dimensões ainda não exploradas por ele. Porém, deixa claro: não abandonou o rap nem as rimas contundentes de outrora. Diz ter várias “pedradas” guardadas na gaveta. E ainda está nos planos o “Baile 2”, mas sem repetir o primeiro.
 
 

'Tripulação' talentosa

Por enquanto, ele decola da Cabana do Pai Tomás com sua “Enterprise” disco lotada de gente talentosa, além da dupla Ugo Ludovico-Pedro Senna. Embarcaram ao lado de FBC o rapper Don L, Abott, niLL, Pepito; os instrumentistas Jackson Ganga, Hilton Lima, Danillo Mendonça e Felipe Charret; as belas vozes de Aline Magalhães, Sàvio Faschét, Iolanda Souza, Sarah Reis e Fernanda Valadares; e o produtor Rafael Barra, fiel escudeiro de FBC desde sempre.
 
A próxima aterrisagem presencial em BH está marcada para 29 de setembro n’Autêntica. Antes disso, FBC lança o bólido em Fortaleza (20/8); no Coala Festival (15/9), em São Paulo; em Patos de Minas (2/9). Florianópolis também está na rota, em outubro. O produtor Rafael Barra informa que foram fechados 12 shows em festivais e eventos. Todos distantes do planeta rap. (Com Victor Pena e Adriano Oliveira)
 
O famoso globo de luz das discotecas está na capa do álbum de FBC

O famoso globo de luz das discotecas está na capa do álbum de FBC

Bel Gandolfo/divulgação
 

'O AMOR, O PERDÃO E A TECNOLOGIA VÃO NOS LEVAR PARA OUTRO PLANETA'

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