performer Graziele Sena e o músico Luciano Mendes

Graziele Sena se inspirou nos encontros festivos com a família para criar "Sol à meia-noite", performance cênica-musical que tem a participação do músico Luciano Mendes

Poly Acerbi/divulgação

Cantos sagrados da diáspora afro-brasileira fazem parte do repertório de Graziele Sena em “Sol à meia-noite”, performance cênico-musical que a artista apresenta nesta quarta (9/8), às 14h30, no CRAS Aarão Reis.

“Eu ainda era muito jovem quando comecei a reparar nos momentos de reunião da minha família, nos quais estávamos juntos para cantar e dançar. Eu via as pessoas de maneira muito diferente, porque elas estavam ali no momento de existir, de reafirmar elas mesmas, as suas necessidades profundas e o contato com a sua própria cultura. Olhava para esses momentos e pensava ‘por que a gente não pode viver sempre assim?’”, explica Graziele,

A indagação da infância gerou frutos no futuro. Pesquisadora, multi-artista, performer e instrutora de teatro, Graziele Sena conheceu cantos tradicionais da diáspora africana no Sul dos Estados Unidos, no Caribe e na Colômbia, além dos já conhecidos em terreiros de religiões de matriz africana, como o candomblé, no Brasil.

Coração e alma

“Eu gosto de chamar esses cantos de ‘chave de conhecimento ancestral’. O Du Bois (sociólogo) dizia que os cantos vivem no coração e na alma da gente negra. Então, não penso neles simplesmente como formas da cultura, mas como organismos vivos, porque, quando cantamos, entramos em contato com o passado e com a história de um povo que sobreviveu durante gerações”, afirma a artista.

As lembranças do passado, ditam as ações do presente e impulsionam as mudanças no futuro, como diz Graziele. Ela afirma que “Sol à meia-noite” é, além de arte, também uma homenagem aos seus antepassados: “Sou o sonho do meu ancestral. Por isso, desejo que essa performance aja em combate ao preconceito e à intolerância religiosa, racial e étnica”.

Ela espera ainda que a performance possa estabelecer e nutrir um compromisso ético e poético com a sociedade, principalmente com as mulheres negras. “As que vieram antes de mim e as que virão depois de mim, que sonham em um futuro diferente”, acrescenta.

Pesquisa artística

Segundo Graziele, a apresentação de hoje é baseada na investigação artística que ela desenvolveu no Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards, na Itália, referência em pesquisa teatral e performática.

Graziele viveu no exterior de 2012 a 2021 e, por onde passava, pesquisava sobre cantos tradicionais. Ela esteve radicada na comuna toscana de Pontedera, na Itália, onde estudou em um centro teatral, criado pelo diretor Jerzy Grotowski.

O polaco foi responsável pelo desenvolvimento de uma pesquisa sobre o “teatro pobre”, que foca em um trabalho com a plateia, sem o uso de muitos suportes, como cenários, figurinos e iluminação. No teatro de Grotowski, os atores baseiam suas atuações em trabalhos psicofísicos individuais, guias da performance de Graziele.

Durante seu tempo fora do Brasil, a mineira limitou sua investigação artística em torno de manifestações afro-diaspóricas. A artista explica que o desejo do estudo surgiu bem antes da ida à Europa, quando ainda praticava teatro no Brasil.

Liberdade

“Desde o início algumas coisas me incomodavam no teatro. Eu olhava para uma turma com 25 alunos, que tinha duas pessoas negras e sentia que o papel que eu faria ali já estava estabelecido de antemão. Por isso, acho que a primeira possibilidade que encontrei dentro desse centro de pesquisa foi de entender que a arte, na verdade, é a procura por espaços de liberdade”, afirma Graziele.

As práticas no centro a fizeram enxergar a arte de outra maneira.  “Eu não precisava necessariamente me conformar com os papéis que já estavam definidos para mim, poderia criar outros, inventar outros mundos, em que a minha imaginação, o futuro que desejo, fosse possível”, diz a performer.

De volta ao Brasil, Graziele Sena materializou seus estudos no Projeto Ressonância. A iniciativa foi criada em 2021 e promove o desenvolvimento de pesquisas e discussões sobre saberes tradicionais na criação cênica da arte contemporânea, além de propor diálogo e reflexão sobre a identidade negra no Brasil.

Trilha ao vivo

Durante a performance de “Sol à meia-noite”, Graziela será acompanhada pelo músico Luciano Mendes, que executa trilha sonora ao vivo. A temporada segue com apresentações ao longo da semana, em diferentes regionais de Belo Horizonte.

PROJETO RESSONÂNCIA
Performance “Sol à meia-noite”, com Graziele Sena, nesta quarta (9/8), às 14h30, no CRAS Aarão Reis (Av. Risoleta Neves, 347 – Guarani); quinta (10/8), às 14h, no Centro Cultural Usina de Cultura (Rua Dom Cabral, 765 – Ipiranga); e nesta sexta (11/8), às 9h, no Instituto São Rafael (Av. Augusto de Lima, 2109 – Barro Preto) e, às 19h, no Centro Cultural Venda Nova (Rua José Ferreira dos Santos, 184 – Jardim dos Comerciários). Entrada franca. Informações: @projetoressonancia (Instagram)

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro