Que a favela vem ocupando cada vez mais espaço no cenário artístico, não há dúvidas. Na música, o funk e o rap (com seus respectivos subgêneros), que até pouco tempo atrás eram escanteados e mesmo criminalizados, tornaram-se mainstreaming no Brasil.
Em grandes festivais, os headliners têm sido artistas que vieram da cultura do gueto, como 50 Cent (no Planeta Brasil do ano passado) e Emicida (na edição 2022 do Festival Sarará) – só para ficar em dois exemplos de grandes festivais da capital mineira.
No cenário hip hop, a cidade é destaque por causa de nomes como Djonga, Douglas Din, FBC, Sidoka, Iza Sabino, Laura Sette, Paige, entre outros rappers.
No cinema, os diretores André Novais, Gabriel Martins e Maurílio Martins e o produtor Thiago Macêdo Correia, da produtora Filmes de Plástico, de Contagem, levam para as telonas conflitos e dramas de quem vive na periferia.
Na dança, o grupo Favelinha Dance, do Aglomerado da Serra, ganhou destaque na cena artístico-cultural. E, nas artes plásticas, grafites foram incorporados nas laterais de grandes prédios do Centro.
Em 2022, o evento contou com um dia inteiro de programação, que reuniu artistas periféricos na Praça de Corridas e Caminhadas Celso Mello de Azevedo, no bairro Nova Cachoeirinha.
Favela na Praça da Liberdade
A partir desta quinta-feira (10/8), tem início a segunda edição do Toca na Favela, com programação ampliada e atividades agendadas para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), na Praça da Liberdade, até o próximo dia 20. Haverá exposições de pinturas e fotografias, workshops, residência em dança, mesas-redondas e shows com, entre outros, o grupo de samba Manzo N‘gunzo Kaiango, as rappers Iza Sabino e Laura Sette, e o funkeiro MC Dodô.
“O Toca na Favela surgiu com meu incômodo pela falta de acesso das pessoas de quebrada nos festivais”, conta Grabs. “Eu ia nesses festivais, via pessoas pretas no palco, mas não na plateia. Muitas não iam porque não podiam comprar o ingresso, ou porque o consumo dentro desses festivais era muito caro, ou mesmo por questão de mobilidade e logística, porque esses eventos eram feitos longe da periferia. Isso me incomodava muito”, destaca.
A ideia, então, foi criar uma “experiência honesta” para os moradores da favela, conforme Grabs faz questão de frisar. Ou seja, criar um evento feito por quem é da periferia e que contemple a cultura periférica. “O festival nasce dessa falta de acesso, mas a gente não vem para falar disso, e sim de coisa boa, celebrar a nossa cultura, o berço cultural do nosso país, que é a favela”, diz.
Bênção especial
A abertura do evento será com ritual de bênção protagonizado por Mametu Muiandê, sacerdotisa da umbanda e liderança da comunidade quilombola Kilombu Manzo Ngunzo Kaiango. Ela vai percorrer os corredores do CCBB junto da equipe do festival, no intuito de abrir os caminhos e os trabalhos do evento.
Na sequência, o grupo de samba Manzo N‘gunzo Kaiango apresenta no pátio do CCBB clássicos de Toninho Gerais, Arlindo Cruz, Clara Nunes e composições autorais.
Na sexta (11/8), a economia criativa como transformação social é tema da mesa Deixa Eu Te Dar Uma Ideia, com o artista carioca Maxwell Alexandre e Ana Cecília Assis, curadora do Toca na Favela. Iza Sabino, encerra a programação do dia, com show no teatro.
“Acho muito importante a gente conquistar esses espaços culturais. Ainda mais na Praça da Liberdade, tá ligado? Que é aquele lugar que via sempre como um ambiente frequentado por pessoas burguesas, aquelas senhorinhas que passeiam com um poodle dentro da bolsa”, diz Iza, rapper natural de Santa Luzia.
Para o show desta sexta, ela pretende fazer um apanhado da própria carreira, com músicas dos discos "Glória" (2020), "Trono de vidro" (2021) e "Amar dói" (2023). “Eu penso, às vezes, em cantar algumas músicas de ‘Augusta’ (álbum de estreia da cantora, lançado em 2019), mas fico assim meio com receio de não lembrar as letras”, diz Iza.
“Marte Um”
A programação continua no sábado (12/8) com os workshops de criação de conteúdo com o multiartista Felipe Viana e de mixagem e pesquisa musical com Marta Supernova. Em seguida, haverá sessão comentada de “Marte Um” com o diretor do longa, Gabriel Martins.No domingo (13/8), os artistas Marciele Delduque, Filipe Thales, Janaina Damaceno e Kdu dos Anjos compartilham suas experiências com empreendedorismo na mesa Vou Te Dar Um Papo. Haverá ainda, neste dia, debate com MC Martina sobre o processo de criação do livro "Nunca foi sorte, sempre foi poesia" e pocket show de Akin Zahin. A programação de domingo termina com a performance de dança de Suellen Sampaio e apresentação musical de DJ Princeznha da Paz.
Em todos os dias estarão em cartaz as exposições de pintura da artista quilombola Ana Paula Sirino e de fotografias de Rafael Freire, natural do Aglomerado da Serra.
“Essa programação foi pensada com muito carinho e com uma pesquisa muito minuciosa da Ana Cecília Assis para que a gente pudesse contemplar o máximo de segmentos artísticos possíveis. Porque é isso, na favela tem todas essas artes”, afirma Grabs.
Na semana de 14 a 20 de agosto, a programação do Toca na Favela continua com mais workshops, residência de dança com Leo Garcia, performances de slam, shows com Laura Sette e MC Dodô (ambos em 19/8), lojinha com produtos personalizados do evento e espaço gastronômico. A programação completa está disponível no site do CCBB (ccbb.com.br/belo-horizonte/).
“Embora a gente conte com artistas de fora, a grande maioria é daqui, porque o Toca na Favela é um festival local. Então tivemos esse cuidado de pensar em uma experiência que pudesse fortalecer os artistas daqui, a nossa cena de BH, a cena das periferias da região”, afirma Grabs.
TOCA NA FAVELA
Exposições, workshops, residência em dança, mesas-redondas e shows que abordam a cultura da periferia. De 10 a 20 de agosto, no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Entrada franca, mediante retirada de ingressos na bilheteria ou pelo site do CCBB. Informações programação completa em (ccbb.com.br/belo-horizonte/).