Com obras de 23 fotógrafos que se dedicam a temas distintos, será aberta nesta quarta-feira (17/8), na Câmera Sete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, a mostra “Um país chamado Pará”.
“Penso que a ‘fotografia paraense’ consiste em dois extremos”, afirma a fotógrafa e curadora Rosely Nakagawa. “O primeiro é que o Pará manteve uma cultura muito arraigada, não teve uma contaminação; seus elementos remetem aos marajoaras e demais povos originários. Além disso, os paraenses se desenvolveram tendo muita influência de países vizinhos, como a Venezuela, e não dos estados do Sul e Sudeste”, diz.
Embora a gênese criativa de “Um país chamado Pará” remonte a 2004, quando a exposição foi montada pela primeira vez, em São Paulo, a mostra não envelhece, segundo a curadora, em razão de um único fator: está sempre em atualização. Para Belo Horizonte, por exemplo, há obras e fotógrafos que não chegaram a integrar edições anteriores da mostra, dando um caráter inédito ao projeto.
Os trabalhos em exposição na Casa Sete são assinados por Alberto Bitar, Alexandre Sequeira, Betania Barbosa Marajó, Claudia Leão, Dirceu Maués, Elza Lima, Emídio Contente, Flavya Mutran, Guy Veloso, Ionaldo Rodrigues, Irene Almeida, Jorane Castro, Mariano Klautau Filho, Miguel Chikaoka, Orlando Maneschy, Octavio Cardoso, Patrick Pardini, Paula Sampaio, Rafael da Luz, Suely Nascimento, Wagner Almeida, Walda Marques e Yan Belém.
“Nossa proposta era misturar gerações”, conta Rosely, destacando que foram contemplados desde artistas que trabalham com a fotografia analógica até os que trabalham com suportes alternativos, como videoinstalações, foto-esculturas e pinholes (espécie de câmera sem lente, que pode ser feita com uma caixa de madeira ou de papelão).
Fragmentos e abstração
Para “Um país chamado Pará”, Klautau Filho escolheu os registros que fez de uma série de retratos do fotógrafo alemão August Sander. Em fotografia sobre papel, no formato bidimensional, o paraense se apropria de fragmentos de imagens feitas pelo alemão. Ou como ele diz, simplificadamente, é “a foto da foto”.
“Quando você vai ver uma exposição de fotos, certas interferências entram. Por exemplo, às vezes tem um vidro que dá um reflexo, ou um brilho da luz sobre o papel, que acaba se confundindo com a imagem”, explica.
“Então, nesse meu trabalho, tem quatro dípticos, porque eu junto aos retratos feitos pelo August Sander - ele fotografou muitas pessoas de acordo com suas profissões, por exemplo, advogado, padeiro, operário, artista - registros de um lâmpada se apagando, como se estivesse deixando esses personagens na sombra”, descreve o fotógrafo.
Intitulada “Looking (for) Sander”, que seria o equivalente em português a “Procurando por Sander”, a obra de Klautau Filho, além de metalinguística, é um tanto ou quanto abstrata.
“É quase um exercício de percepção sobre a fisicalidade do papel. Mas, claro, faço uma visita meio introspectiva ao universo desses personagens que o Sander gravou nos anos 1920, que tiveram uma vida, mas hoje são completamente anônimos”, afirma.
Além de participar de “Um país chamado Pará” como expositor, Klautau Filho também vai ministrar, na próxima sexta-feira (18/8) a palestra “Arte e fotografia no Pará 2010-2020 – Notas sobre a dissolução de territórios identitários”, na qual questiona se existe realmente uma “fotografia paraense”.
O fotógrafo reconhece que sua tese pode ir de encontro à proposta da mostra, contudo, defende que é arriscado limitar aspectos culturais de uma região tão grande quanto o estado nortista, que conta com experiências muito diversas e plurais.
Essa diversidade, inclusive, é reforçada pelo trabalho de Guy Veloso, outro veterano que integra a mostra como artista e palestrante. Na quinta-feira (17/8), ele fala sobre “Religião e fotografia: Relato de experiência”.
Do Círio a Iemanjá
A espiritualidade e a religião, aliás, são elementos recorrentes em seu trabalho. Para a mostra, ele selecionou os registros que fez do tradicional Círio de Nazaré, em Belém, sua cidade natal; um ritual do Vale do Amanhecer, movimento religioso ufológico de Planaltina (DF) e uma festa de Iemanjá, também em Belém.
“Considero que o Pará é um local efervescente justamente porque ele está afastado dos grandes centros e não foi ‘contaminado’ pelos grandes centros”, avalia Guy. “Para se ter uma ideia, na década de 1970, era mais fácil escutarmos estações de rádio do Caribe do que as do Sudeste”, diz o fotógrafo.
A esse processo de isolamento de Belém do eixo Sul-Sudeste, Guy chama de “desinfluência” e é endossado por Klautau Filho.
“Por causa dessa distância, tivemos que produzir do jeito que era possível. O ponto positivo é que nós não tivemos amarras de um mercado constituído, como a fotografia publicitária, o fotojornalismo ou a fotografia de moda. Produzimos de maneira independente, sem apoio nenhum, quase como uma forma de enfrentamento e de resistir”, afirma Klautau Filho.
É claro que, da década de 1980 para cá, muita coisa mudou, conforme reconhecem os fotógrafos. Contudo, o ímpeto de criar sem se submeter a exigências de mercado ainda acompanha os artistas paraenses, incluindo os da nova geração.
“UM PAÍS CHAMADO PARÁ”
Mostra de fotografia de artistas paraenses. Na Câmera Sete – Casa da Fotografia de Minas Gerais (Av. Afonso Pena, 737, Centro). Abertura nesta quarta-feira (17/8), às 19h. A exposição segue em cartaz até 30/9, das 9h30 às 21h, com entrada franca. Na próxima quinta-feira (17/8), haverá a palestra “Religião e fotografia: Relato de experiência”, com Guy Veloso, às 19h. Na sexta (18/8), “Arte e fotografia no Pará 2010-2020 – Notas sobre a dissolução de territórios identitários”, com Mariano Klautau Filho, às 19h. Todas têm entrada franca. Mais informações: (31) 3236-7400.