Jovem branca de jaqueta preta posa em frente a um backdrop

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, Larissa Manoela disse que vivia sob controle financeiro dos pais

Getty Images

Crianças celebridade sempre existiram, mas com cada vez mais menores de idade ganhando fama nas redes sociais, ao produzir e monetizar conteúdo visualizado por milhões de pessoas, casos de desavenças familiares, como o da atriz Larissa Manoela, podem se tornar cada vez mais comuns, alertam advogados ouvidos pela BBC News Brasil.

Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, a atriz Larissa Manoela disse que os pais a deixavam no escuro sobre o gerenciamento do dinheiro que ganhou ao longo de sua carreira. Seus pais negaram as acusações.

A BBC News Brasil entrou em contato com o advogado dos genitores da atriz mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Os advogados ouvidos pela BBC afirmam que a lei é clara quanto à gestão do dinheiro ganho por filhos menores de idade: os pais são "administradores", e não "donos" desse patrimônio até os filhos completarem a maioridade.

E mais: eles têm a obrigação legal de zelar por esses recursos, sob pena de serem destituídos pela própria Justiça como gestores.

Se por um lado, os pais devem gerir os bens dos filhos, por outro, também são "usufrutuários" deles (podem usufruir deles), desde que não tomem nenhuma atitude que prejudiquem financeiramente os herdeiros.

Descumprir tal regra — por exemplo, gastando o dinheiro dos filhos ao bel-prazer sob a justificativa de que estão agindo em prol do bem-estar da família — às vezes até por desconhecimento sobre o que diz a lei, aumentam as chances de problemas com a Justiça no futuro, acrescentam os especialistas.

"É importante deixar claro que não é porque você é pai e administra a carreira do seu filho que compartilha deste patrimônio; esse patrimônio não é um patrimônio familiar, ele é um patrimônio individual gerado por aquela criança", explica Alessandro Fonseca, sócio de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do escritório de advocacia Mattos Filho.

"Nada impede que o responsável legal eventualmente tenha algum tipo de participação ou remuneração, como um trabalho mesmo. Mas não deve existir confusão patrimonial. Este patrimônio não é um patrimônio que é da família indiscriminadamente. Ele é um patrimônio vinculado ao melhor interesse desse menor", acrescenta.

"A legislação brasileira reconhece o direito à indenização por um dano efetivamente material se esse patrimônio foi administrado de uma maneira negligente, equivocada ou, no limite, até com desvio de finalidade".

Sobre a eventual remuneração dos pais pelo trabalho prestado, Fonseca diz que tem que seguir o princípio da razoabilidade.

"Ou seja, o que é razoável em termos de remuneração, com condições praticadas pelo mercado. Se houvesse um agente profissional, quanto que seria cobrado em termos de parâmetros de mercado, em condições pactuadas com terceiros? Esse é um parâmetro que deveria ser utilizado em todos os contratos", assinala.

Fernanda Haddad, associada sênior de Contencioso Cível do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, acrescenta que a administração dos bens do menor é, segundo o Código Civil, uma "obrigação" dos responsáveis legais (pais ou guardiões).

"A lei traz isso como uma obrigação para com os filhos menores. Isso é, inclusive, um pilar do que a gente chama de 'poder familiar'. Só que esse poder não é absoluto; não pode ser utilizado de uma forma que venha a prejudicar esse menor", diz.

Haddad lembra que, se esse patrimônio não for gerido no melhor interesse da criança, a Justiça pode ser eventualmente acionada e intervir para dizer se está ocorrendo um "abuso desse poder familiar".

"Se a Justiça considerar que isso (abuso de poder familiar) está ocorrendo, os pais podem ser destituídos dessa função (de administradores dos bens dos filhos) e o juiz pode apontar um curador para administrar o patrimônio desse menor", acrescenta.

"É uma seara que quando a gente começa a discutir, é como se a gente abrisse uma caixa de Pandora, porque são muitas questões envolvidas".

Os dois especialistas ressalvam, contudo, que no caso de Larissa Manoela, a situação fica mais complexa porque, conforme foi noticiado pela imprensa, os contratos estavam sendo feitos em nome da empresa criada pelos pais dela e que recebia os pagamentos pelos serviços prestados pela atriz quando ainda era menor de idade.

"Há, na minha visão, um conflito de interesses, porque os pais se apropriaram por meio de uma relação societária de direito que é personalíssimo (direito de imagem do menor de idade). Como o sócio é responsável pela pessoa jurídica, tem o direito de apropriar os lucros gerados por essa pessoa jurídica que, teoricamente, de fato, são decorrentes da exploração desse direito de imagem", explica Fonseca.

"Essa é uma relação, na minha visão, conflitante do ponto de vista jurídico. Tem algum equívoco em relação a isso? Do ponto de vista da forma, talvez nenhum. Mas sim do ponto de vista de essência, pois há uma apropriação e desvio da utilização desses recursos", acrescenta ele.


Justiça e Direito

Justiça e Direito

Getty Images

O que deve ser feito, na visão de especialistas

Haddad defende ser fundamental que os pais — ou responsáveis legais — tenham "educação jurídica".

"A administração não se confunde com propriedade, a propriedade é do menor. A administração é dos pais. Para evitar abusos do poder familiar, de que essa administração foi feita equivocadamente ou de uma forma que não preservou os interesses desse menor, o ideal é ter uma educação jurídica", diz.

"E para isso os pais devem buscar assessoria de especialistas. O que eu mais vejo na minha profissão, hoje cada vez mais difundida, são pessoas com muito patrimônio, mas sem qualquer organização. Isso não é gasto; é investimento", acrescenta.

Haddad cita uma decisão da Justiça de São Paulo que entendeu haver ocorrido abuso de poder familiar em um caso sobre como uma mãe administrou pensões pagas a seu filho antes de completar a maioridade — e autorizou uma prestação de contas sobre o uso desses recursos.

"Se você não é devidamente assessorado, a conta vai chegar lá frente, com certeza", alerta.

Fonseca faz ainda um alerta importante.

Ele lembra ainda que, pela lei brasileira, quando uma pessoa faz 18 anos, "ela é absolutamente capaz, o que significa que, nos termos legais, ela tem condições de tomar as decisões por si mesma, sem depender de qualquer tipo de aprovação ou anuência dos seus responsáveis".

"Esse é um aspecto importante, porque às vezes os pais podem não concordar, pela própria experiência, com a decisão que seus filhos tomem aos 18 anos, mas, do ponto de vista legal, existe uma limitação. Essa pessoa é responsabilizada pela lei. Portanto, tem autonomia patrimonial", diz.

"Na minha visão, o principal é manter o vínculo emocional da instituição família para que a opinião dos pais possa ser uma opinião ouvida ou uma opinião relevante".

"Mas se o filho quiser ser absolutamente titular de seu patrimônio e administrá-lo para o bem e para o mal, é um ônus que cabe exclusivamente a ele do ponto de vista legal".

"Portanto, minha recomendação (para evitar problemas futuros) é tratar como se não fosse uma relação de pais e filhos, e sim como uma relação absolutamente profissional", conclui.

Entenda o caso

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, a atriz Larissa Manoela, hoje com 22 anos, disse que vivia sob o controle financeiro dos pais e que era mantida no escuro sobre o gerenciamento do seu dinheiro.

Mesmo sendo milionária, ela afirmou não saber quanto ganhava e que precisava pedir autorização para fazer qualquer tipo de gasto.

Ela afirmou que os pais tinham dito que ela era dona de 33% da empresa que geria o patrimônio fruto de seu trabalho, mas na realidade era dona de 2%.

Disse também que teve dificuldades ao negociar com os pais a saída da sociedade.

Os pais não deram entrevista ao programa.

Mas em nota enviada à produção, o advogado de Gilberto e Silvana Elias dos Santos afirmouque Larissa Manoela "falta com a verdade" ao dizer que não sabia qual era o percentual dela em suas empresas e nada nunca lhe faltou.

Em uma nota enviada ao UOL, a defesa dos pais afirmou que "o percentual de 33% é o que ela tem em outra empresa (...) na qual estão registrados os bens de mais valor da família" e que "assinou de próprio punho" um contrato que dizia que ela tinha 2% da outra empresa.

"Todas as contas e despesas, sem exceção, eram pagas pelos pais", diz a defesa. Além disso, afirma, ela "sempre teve e utilizou seus cartões de crédito black e similares, com os quais sempre pôde comprar tudo o que desejou".

Em uma carta enviada ao Fofocalizando, do SBT neste mês, os pais lamentaram o rompimento com a filha: "Por mais que tentem nos separar hoje com injúrias, difamações e até lançando histórias inverídicas na imprensa, sempre seremos seus pais e ela sempre será nossa filha. Lamentamos muito por terceiros tentarem criar um ambiente hostil em nossa relação".