A Rainha do Pop completa 65 anos nesta quarta-feira (16/8). Após passar por uma internação de emergência no último mês de junho, Madonna fez uma postagem nas redes sociais para comemorar seu aniversário. A cantora se prepara para uma turnê mundial com 84 apresentações, que celebra seus 40 anos de carreira.
Desde o começo de sua trajetória, Madonna quebrou barreiras, falando sobre sexo e sexualidade feminina, e feminismo. Ela também levantou outras bandeiras importantes, como direitos das pessoas LGBTQIAPN+ e desmistificação de pessoas com HIV/Aids.
Madonna também recebeu o título de Rainha do Pop por ter revolucionado a forma como pessoas consumiam a música. A pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Mariana Lins é fã da cantora e dedica sua carreira acadêmica a estudar o impacto da americana na cultura pop. Ao Estado de Minas, ela explicou como a presença de Madonna na mídia foi importante para a história contemporânea das mulheres.
“Talvez Madonna não seja a figura mais importante da cultura midiática, mas é a que circula mais. E figuras recorrentes na mídia chamam mais atenção, e sua mensagem se pulveriza com mais rapidez. Madonna é uma figura que moldou a forma de consumir música, ver show, encarar mulheres na música. Ela coloca vários temas em pauta, coisas que não vou dizer que são inéditas, mas que circularam bem menos do que quando Madonna passou a tratar desses temas. Ela é uma das figuras mais importantes para se pensar o feminino na cultura midiática. Madonna extrapola a música e tem uma abrangência mais social, é uma figura de muito relevo ainda. Agora, talvez com outras bandeiras”, ressalta.
No começo da carreira, a cantora levantou debate sobre liberação sexual, aborto, feminismo e expressão de gênero. Hoje em dia, suas bandeiras são sobre envelhecimento feminino e ainda continuar em atividade ao envelhecer. “Ela vem se renovando em atividades caras ao feminismo”, destaca Mariana.
Envelhecimento
A questão do envelhecimento não é nova na carreira de Madonna e vem bem antes de ela se tornar uma pessoa idosa. A pesquisadora destaca que, em 1993, a cantora foi chamada de “vovó” por uma revista britânica. Na época, a Rainha do Pop tinha apenas 34 anos.
Em março de 2023, Madonna recebeu uma chuva de xingamentos. Desta vez, por “não aceitar envelhecer”, já que ela fez modificações na aparência por meio de procedimentos estéticos. A pesquisadora da UFPE ressalta que essas questões levantam um debate mais profundo.
“A bandeira do envelhecimento já está no escopo da Madonna há um tempo e não é de hoje. Ela foi chamada de velha aos 34 anos. Temos um problema aí na sociedade que vê a mulher que passou dos 30 de uma forma diferente. As mudanças no corpo de Madonna suscitam debate sobre filtros, o tipo de envelhecimento que esperamos dos artistas, quais são os parâmetros que definem o que é envelhecer bem? Madonna vem quebrar todos eles. Para mim, é claro que ela tem alguns problemas sobre envelhecer, mas aí a ela ser julgada sobre as intervenções é outra história”, defende.
Sexualidade
Madonna não foi a primeira artista a falar sobre sexualidade feminina. O tema já estava presente no início do movimento rock. Mas é claro que a Rainha teve um papel fundamental para popularizar o assunto. “Ela pavimentou um caminho para outras artistas, como ainda está pavimentando, a respeito de envelhecer fazendo música pop, dançando e explorando seu corpo. Hoje, o normal é as cantoras mostrarem seu corpo”, aponta.
Se em pleno 2023 algumas artistas como Luísa Sonza e Anitta têm seu trabalho questionado ao falarem sobre sexo e aparecer usando pouca roupa, no começo da carreira de Madonna seu trabalho era considerado um escândalo.Em 1992, ela lançou um livro fotográfico, chamado ‘Sex’, que foi um verdadeiro retrato da época. “O livro é uma estetização do sexo. Reflete muito da época, quando a Aids estava no auge, sem muita solução, e havia um medo muito grande sobre o sexo. Madonna sofreu muito por ter abraçado essa causa”, analisa.
Mariana ainda destaca uma diferença em Madonna e em cantoras que surgiram nos últimos anos. “Eu particularmente não vejo nenhum problema. Mas esse corpo está sendo usado a serviço de quê? Como ele acrescenta esteticamente e musicalmente ao trabalho delas? Hoje, existe uma celebrização que toma essa celebrização, essa ‘vulgarização’ um pouco mais hiperbólica”, avalia.
Símbolos religiosos
Ao longo de seus trabalhos, Madonna causou polêmica ao trazer elementos religiosos, em especial símbolos da Igreja Católica, para sua música. Três momentos foram mais marcantes e fizeram com que a cantora fosse excomungada pelo Vaticano: quando colocou fogo em uma cruz no clipe de ‘Like a prayer’, quando se masturbava no palco na turnê ‘Blond ambition’ e quando se crucificou no show ‘Confessions’.
A pesquisadora destaca que Madonna provoca uma reflexão ao usar esses símbolos. “Ela tem uma história longa com os símbolos religiosos, especialmente da Igreja Católica, que tem uma posição histórica muito problemática em relação às mulheres. Acho que ela tensiona coisas importantes em relação ao feminino, à sexualidade e a uma série de tabus que a igreja tem. Ela dá um choque para ver se muda alguma coisa. É uma via de questionamento”, pontua.
Da mesma forma, a pesquisadora de gênero e mídia e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Karina Gomes Barbosa aborda como questionar a igreja era uma forma de pôr em cheque todo o sistema patriarcal. “Ela questiona muitos valores patriarcais como, por exemplo, a Igreja Católica, a heteronormatividade compulsória, e traz à tona – de uma maneira que hoje a gente pode ler como datada – a cultura LGBT, trabalha com valores que a gente pode chamar de afrontosos hoje mesmo. E isso é importante para ela afirmar essa imagem de mulher empoderada independente”, acredita.
Para a docente, a persona de Madonna trazia uma feminilidade irônica e agressiva, que causou a fúria de algumas pessoas. “Especialmente nos anos 80 e 90, ela sofreu uma bateria de reações negativas, até mesmo por parte da moda, porque a revolução que ela traz não é a revolução que se esperava. A igreja reagiu muito mal a uma das músicas mais cultuadas de Madonna, que ‘Like a prayer’, ela foi excomungada. Mas o que é mais importante pensar a respeito dela não são as reações negativas, mas o fato de ela conseguiu enfrentar com sucesso uma opinião pública que era majoritariamente conservadora”, avalia.
Questionamentos sobre Madonna
Karina também faz uma reflexão sobre como Madonna representou o encontro entre a cultura pop e o feminismo. “Um encontro que ao mesmo tempo que torna pautas feministas muito mais acessíveis, mas também é controverso por esvaziar algumas questões importantes. A Madonna tem sido uma mulher livre desde o início da carreira, a performance pública artística dela gira em torno dos desejos femininos dos desejos de liberdade de protagonismo dos desejos sexuais amorosos. Isso muda um pouco o paradigma de como as mulheres se colocam na cena pública na cena pop e de novo como ela tem esse alcance Global, até então inédito a imagem dela transgressora visualmente nos clipes nas letras das músicas tem um impacto muito grande”, afirma.
Aos longo dos 40 anos de carreira, Madonna é considerada uma exceção, já que muitas mulheres ainda hoje não conseguem enfrentar a opinião pública conservadora. Por isso, sua existência já é uma contribuição histórica que não pode ser descartada, mas que precisa ser olhada com cuidado.
Karina aponta que o feminismo de Madonna por vezes se aproxima de mulheres brancas, jovens e magras. “Ela tem muito a dizer, mesmo na produção mais antiga. Agora, a gente também precisa entender que é uma produção de alguma forma datada e é preciso promover um um uma leitura interseccional da Madonna em relação à raça e à questão dos corpos, da magreza dos corpos, de geração, em relação à Juventude e em relação também à orientação sexual e identidades de gênero. Mas isso não invalida a contribuição histórica que ela tem para o movimento”, pondera.
Por fim, ela destaca que todas as outras cantoras que vieram após Madonna, de certa forma, beberam da fonte da Rainha do Pop. “Ela vem de uma de uma série de outras grandes cantoras mulheres que vieram antes dela, mas o alcance dela global é o que permite que venham hoje grandes divas pop globais, desde Britney Spears a Taylor Swift, passando por Beyoncé e Katy Perry. São mulheres que conseguem construir essas carreiras mais longevas, com esse alcance grande, mesclando o pop com questões dos feminismos, com estudos de raça e com outras questões”, avalia.