Cena da peça 'O método Grönholm'

Texto do catalão Jordi Galcerán coloca candidatos a uma vaga de emprego numa feroz disputa, que testa não apenas seus limites profissionais, mas sobretudo os éticos

João Caldas/Divulgação

Quatro candidatos a uma vaga de executivo de uma multinacional aguardam em uma sala a fase final de testes seletivos. Sem saber, eles já estão sendo postos à prova, mas de maneira nada ortodoxa. Essa é a premissa da peça “O método Grönholm”, dirigida por Lázaro Ramos e Tatiana Tiburcio, que chega a Belo Horizonte neste fim de semana, com apresentações no sábado (19/8) e no domingo, no Grande Teatro do Sesc Palladium.

O texto escrito pelo catalão Jordi Galcerán em 2002 e levado ao cinema pelo argentino Marcelo Piñeyro em 2005 explora tanto os meandros – muitas vezes absurdos – do mundo corporativo quanto os limites da ética e da moral humana. Até onde você é capaz de ir na disputa pelo emprego dos sonhos? Essa é a pergunta que o espetáculo coloca, por meio dos personagens, para o público.

Indicada na edição deste ano do Prêmio Shell de Teatro na categoria melhor direção, a peça tem elenco formado por Luis Lobianco, Raphael Logam, George Sauma e Anna Sophia Folch. Dos personagens que interpretam emergem, durante o imprevisível processo de seleção, a competitividade feroz e a falta de escrúpulos. Para os quatro candidatos à vaga de executivo, a meta é ganhar, não importa como.

Com diálogos ágeis, a montagem explora o humor a partir do quão ridículo pode ser o ser humano em um ambiente competitivo. À medida em que o processo seletivo avança, a disputa entre os quatro personagens vai ficando acirrada e, assim, a verdadeira natureza de cada participante aflora e eles vão sendo envolvidos em situações ao mesmo tempo surpreendentes e constrangedoras.

A atual montagem de “O método Grönholm” estreou em 2020, mas naquele ano ficou em cartaz apenas um fim de semana e teve a temporada interrompida pela chegada da pandemia, conforme recorda George Sauma. Ele diz que embarcou no projeto a convite de Lázaro Ramos, que, por sua vez, foi chamado por Anna Sophia – de quem partiu a ideia da montagem – para assumir a direção. Ambos tinham uma relação pregressa com o texto de Galcerán.

'É uma peça divertida, mas que oferece ao público reflexão e profundidade. É um tipo de teatro de que gosto muito, aquela comédia que gera bastante debate para a mesa de jantar depois. O Lázaro trouxe mais a bagagem do humor, e a Tatiana puxou mais para a história, para o drama de cada personagem'

George Sauma, ator


Primeira versão

Em 2007, Lázaro encarnou um dos candidatos na primeira versão brasileira do espetáculo, ao lado Taís Araújo, Edmilson Barros e Ângelo Paes Leme, que é marido de Anna Sophia. “Ela, agora, teve o desejo de realizar uma nova montagem e entrou em contato com Lázaro. Juntos, eles aglutinaram essa equipe”, conta Sauma.

Para ele, apesar de ter sido escrito há mais de 20 anos, “O método Grönholm” é um texto bastante atual. “A gente vive muito essa questão das empresas na atualidade, com os departamentos de recursos humanos cumprindo esse papel de seleção de maneira por vezes meio obscura. Isso nos permite abordar questões como essa: até onde você vai com seus valores, sua ética”, diz.

Trata-se, conforme aponta, de uma comédia sagaz, que permite aos atores um jogo muito dinâmico em cena. “Estamos o tempo inteiro dentro de uma sala, vivendo uma mesma situação, então o público é conduzido de forma quase a estar junto desses personagens, cada um lidando com seus próprios limites, sua própria ética, sua própria moral”, diz.

Ele chama a atenção para a sintonia fina entre Lázaro e Tatiana no trabalho de condução do espetáculo. Juntos, eles alcançaram o equilíbrio entre o fazer rir e o fazer pensar, segundo o ator. “É uma peça divertida, mas que oferece ao público reflexão e profundidade. É um tipo de teatro de que gosto muito, aquela comédia que gera bastante debate para a mesa de jantar depois. O Lázaro trouxe mais a bagagem do humor, e a Tatiana puxou mais para a história, para o drama de cada personagem”, pontua.

O fato de ser uma peça “concentrada” é um prato cheio para os diretores, conforme aponta. “É uma mesma situação, com os mesmos personagens em uma construção cênica muito simples, só com uma mesa, em um ambiente que reproduz um escritório. O que move o espetáculo é mesmo o texto. Com essa condensação, Lázaro, Tatiana e nós do elenco pudemos trabalhar a dramaticidade de cada personagem.”

'O texto propõe uma comédia que pode ser rasgada, superficial, mas que, na verdade, é como um iceberg, com uma camada de assuntos densa por baixo. É um questionamento antropológico e social muito interessante feito por meio do humor, que é uma ferramenta poderosa para fazer esse tipo de conteúdo chegar nas pessoas. O autor se vale da leveza que o humor carrega para discutir coisas pesadas, difíceis até de a serem admitidas e digeridas por quem forma um determinado estrato social'

Tatiana Tiburcio, diretora


Equilíbrio

Assim como Sauma, a codiretora também acredita que a força de “O método Grönholm” está na forma como o texto equilibra graça e reflexão. Parece, em uma primeira mirada, algo leve, descontraído, mas o que Galcerán faz é discutir até onde o ser humano pode negociar suas crenças e seus valores em prol de uma questão financeira, o que é, no fundo, uma crítica ao capitalismo, conforme aponta.

“O texto propõe uma comédia que pode ser rasgada, superficial, mas que, na verdade, é como um iceberg, com uma camada de assuntos densa por baixo. É um questionamento antropológico e social muito interessante feito por meio do humor, que é uma ferramenta poderosa para fazer esse tipo de conteúdo chegar nas pessoas. O autor se vale da leveza que o humor carrega para discutir coisas pesadas, difíceis até de serem admitidas e digeridas por quem forma um determinado estrato social”, ressalta.

Ela observa que, como se trata de um texto escrito em 2002, que aborda comportamentos muitas vezes associados ao espírito da época, houve uma necessidade de atualização. Tatiana afirma que a dramaturgia de Galcerán dá margem para esse tipo de intervenção, o que é um outro trunfo da obra.
 
“É preciso ter espaço para as mudanças. Hoje a gente tem um outro olhar sobre temas complexos que o texto traz. Se a gente está discutindo valores e posicionamentos do ser humano, é preciso entender que isso não é estático. A gente se transforma o tempo todo. Não nos fizemos de rogados na hora de trabalhar a partir desse novo olhar, um olhar de hoje, mas sem perder o cerne, a proposta inicial do texto”, diz.

A codiretora observa que, da montagem de 2007, que ela não chegou a assistir, Lázaro trouxe como referência apenas elementos relativos à concepção cênica. A ideia de um mesmo ambiente onde a trama se desenrola, com o que o texto propõe como imaginário desse espaço, foi mantida como parâmetro, conforme aponta.

“A gente está nesse mesmo lugar, mas com as possibilidades que o nosso cenógrafo trouxe e com as sugestões que eu e Lázaro demos, relativas às formas e elementos que dialogam com aquilo que o texto propõe como discurso cognitivo, o que corrobora o que a cena está discutindo. É uma mesma ambiência, mas com novos elementos e um novo olhar sobre aquela proposta”, afirma.

Riso fácil

Trata-se, ainda assim, de uma cenografia simples, em um espetáculo que dispensa pirotecnias.Tal característica faz com que “O método Grönholm” seja centrado no trabalho do ator, de acordo com Tatiana. Ela diz que esse foi um dos pontos que demandaram maior atenção durante o período de construção da dessa nova montagem. “Era importante que o ator não ficasse no riso fácil, só na camada superficial, na parte visível do iceberg”, ressalta.

Ela recorda que foram algumas semanas dedicadas à criação de um desenho crível dos personagens, com as diversas camadas de cada um, que vão sendo reveladas no decorrer da peça. “Quem são essas pessoas que estão ali? A gente só consegue alcançar os níveis mais profundos do texto se a gente enxergar os personagens com profundidade. Ficamos um tempo entendendo com cada ator quem era cada um daqueles personagens, o que os compunha. Foi um trabalho desafiador, porque a gente entende que existem duplicidades”, comenta.
 

Tanto Tatiana quanto Sauma afirmam que a trajetória do espetáculo tem sido muito bem-sucedida até aqui, com a temporada de reestreia em São Paulo e outras duas no Rio de Janeiro. “É uma peça que chega mesmo no público, as pessoas se identificam. Em São Paulo, a gente percebeu um movimento grande de pessoas que trabalham com recursos humanos indo assistir à peça. No Rio, nas duas temporadas, fomos muito bem recebidos, tivemos boas críticas, tivemos indicações, então tem cumprido uma bela carreira”, diz o ator.

Tatiana, por sua vez, diz que em quase todos os dias das três temporadas as sessões tiveram casa cheia. “Pude acompanhar mais de perto o período em cartaz em São Paulo. É interessante ver como o grau de surpresa do público vai aumentando. É uma peça que começa despretensiosa, mas vai tomando ares cada vez mais complexos. É muito legal ver a plateia acompanhando esse crescente, se questionando a cada passo, cada vez mais envolvida. Estamos muito felizes com o que construímos e estamos entregando para as pessoas.”

“O MÉTODO GRÖNHOLM”

Direção: Jordi Galcerán. Direção: Lázaro Ramos e Tatiana Tiburcio. Com Luis Lobianco, Raphael Logam, George Sauma e Anna Sophia Folch, neste sábado (19/8), às 21h, e domingo (20/8), às 19h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, 31.3270.8100). Ingressos a R$ 75 (inteira) e R$ 37,50 (meia), à venda pelo site Sympla e na bilheteria do teatro. Classificação: 12 anos.