Muito se fala das obras consagradas de Dalton Trevisan (“O vampiro de Curitiba” e “A guerra conjugal”) e do impacto do autor paranaense na literatura brasileira. Porém, pouco se fala do Dalton Trevisan, de 98 anos, que vive recluso em Curitiba e continua publicando. Não só por grandes editoras, mas também produções independentes.
“É como se ele dissesse que a vida de autor profissional caminha com a vida de autor guerrilheiro, militante, clandestino, que subverte a própria trajetória de alguém já consagrado”, observa Massi.
Nesta terça-feira (22/8), o poeta e editor vai debater a obra de Trevisan com o jornalista e escritor José Eduardo Gonçalves, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Eduardo Moreira, ator do Grupo Galpão, fará a leitura dramatizada de contos. Com entrada franca, o evento é promovido pelo projeto Letra em Cena… Como Ler.
Homenagem aos Joaquins
Profícuo e minimalista, Trevisan se destacou pelos contos curtos e críticos, tendo como alvo o conservadorismo e o reacionarismo da classe média de Curitiba, sua cidade natal. Em 1945, lançou o livro “Sonata ao luar”. Em 1948, publicou “Sete anos de pastor”, obras que até hoje renega, dizendo que sua estreia na literatura ocorreu somente em 1959, com “Novelas nada exemplares”.
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Na época em que publicou os livros que rejeitou, Trevisan editou a revista literária Joaquim, título dado “em homenagem a todos os Joaquins do Brasil”.
“Fico pensando como ele deve ter trabalhado dialogando com o poema ‘José’, do Drummond”, afirma Augusto Massi. “Ambos têm aquela coisa de pegar o que é apequenado, quase anônimo – no caso da revista, o nome que de alguma maneira é signo dessa vida rebaixada, emparedada, enterrada viva –, e transformar em estrutura muito profunda”, emenda.
Vários contos se passam em botequins, bares, alcovas e bordéis. “Ele aborda muito a frustração”, destaca Massi. “A frustração no casamento, a frustração profissional. É um autor negativo, desse ponto de vista, mas a negatividade é temperada com muita ironia e humor”, acrescenta.
Trevisan coloca o leitor em posição discreta, como se estivesse atrás da porta escutando uma conversa. Isso cria atmosfera ideal para inserir toques de erotismo na narrativa, o que se vê, sobretudo, em suas primeiras publicações.
O Trevisan “erótico” não descreve cruamente a sexualidade dos personagens, mas expõe mecanismos e engrenagens sociais do próprio erotismo, destaca Augusto Massi.
“Diria que o Dalton é um autor que tem um pé na dimensão social e política, com realismo formal estético muito aguçado. Ele foi depurando formalmente algo que, para além do papel político de radiografar a vida conservadora, tem no polo oposto, estético, um avanço no sentido de ser mais econômico, de poder dizer muitas coisas por poucas palavras”, analisa Massi.
Longe dos holofotes e repórteres
Dalton Trevisan nunca comenta as críticas que recebe. Avesso a entrevistas e a fotografias, das poucas vezes em que fez declarações públicas, disse que sua obra fala por si só.
E realmente fala, garante Massi. “Sempre que ele montava uma antologia, procurava evitar repetir algum conto. Era como se fizesse um balanço da própria produção e, a partir daí, planejasse os rumos de suas novas produções”, observa.
De acordo com o professor a partir dos anos 2000, com a publicação de “Macho não ganha flor” (2006) e “O maníaco do olho verde” (2008), o paranaense passa a fazer uma literatura em que os contos estão interligados, como se fosse romance experimental.
Ele também aborda de maneira mais constante a entrada das drogas em Curitiba, com viciados, pequenos bandidos e estupradores como personagens. “É como se aquela classe média de que ele falava nos anos 1960 e 1970 tivesse baixado tanto o padrão que agora está em outra realidade”, compara Augusto Massi.
LETRA EM CENA. COMO LER DALTON TREVISAN
Com Augusto Massi e José Eduardo Gonçalves. Leitura de textos por Eduardo Moreira. Terça-feira (22/8), às 19h, no Café do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca, mediante retirada de ingressos no site Sympla. Informações: (31) 3516-1360.