A Virada Cultural foi de todo mundo mesmo. Até de São Pedro. Depois de exato um mês de estiagem, Belo Horizonte teve uma pancada de chuva no início da tarde de domingo (20/8). Atrapalhou um pouco, mas não arrefeceu os ânimos. A água só caiu com mais força à noite, quando a festa já havia acabado.
O que veio se desenhando na edição de 2022 se confirmou nesta Virada, a número oito. Uma festa para Belo Horizonte feita por Belo Horizonte. À exceção de alguns nomes – como a paraense Gaby Amarantos e os paulistas dos Titãs –, a programação de 240 atrações foi montada essencialmente com artistas e projetos mineiros.
Menor, se comparada às gigantescas edições dos primeiros anos, que chegaram a elencar até 600 atrações (muitas delas de fora), a Virada de 2023 fez a gente gostar mais da própria cidade. E se reconhecer nela, em um simples caminhar pelo Hipercentro durante a noite na BH que “acendeu” por meio de projeções nos prédios.
O grande aproveitamento do Parque Municipal, que se dividiu em seis núcleos de atrações, foi um dos pontos de destaque. O nome dado ao principal palco, Gramado, foi também um convite para que as pessoas estirassem suas cangas e curtissem os shows como quisessem.
Um time de jovens e poderosas cantoras – Augusta Barna, Coral e Clara X Sofia – tornou a noite de sábado mais pop. “É um palco democrático, para todo mundo, que é o que todo artista quer”, comemorou Clara, que se apresentou com Sofia pela terceira vez na Virada.
O domingo celebrou a música de raiz – seja a caipira, de Chico Lobo; a de referência afromineira, caso de Maurício Tizumba e Babadan Banda de Rua; o afrobeat, com Funmilayo; ou o jazz tradicional, com a Magnólia Brass Band.
Outro palco, em frente ao Teatro Chico Nunes (de portas abertas), recebeu nomes celebrados de BH, Juarez Moreira, Affonsinho e Thiago Delegado entre eles. Virada não é só música, e isso ficou claro com as deliciosas sessões de cinema (com pipoca à vontade e de graça) ao ar livre.
A Avenida Assis Chateaubriand, durante o dia de ontem, virou um parque de diversões sobre rodas. Obrigatório em toda edição da Virada, o Mundialito de Rolimã do Abacate levou um monte de gente grande a voltar a ser criança com os carrinhos de madeira. Grandes blocos de feno foram colocados nas laterais da avenida para dar apoio a motoristas menos experientes – ou mais ousados.
Tinha rolimã para todo tipo, mas nenhum deles bateu a “Kombinha da Vovozinha”, carrinho azul em formato de kombi criado em 2015 pelo grupo de amigos que forma o Clube do Rolimã. Mesmo que o “Mundialito” só ocorra na Virada, o rolimã acontece toda semana – sempre às quintas, às 20h, no Mineirão.
Para sair dali e ganhar os palcos maiores, o ideal foi caminhar pelo Viaduto Santa Tereza, que ganhou exposição de carros antigos. Já no Baixo Centro, o público se dividiu entre a Praça da Estação e a parte de baixo do viaduto, que concentrou as atrações dedicadas ao hip hop.
A amplidão da Praça da Estação permite grandes públicos, o que não acontece com o viaduto. Foi muita gente tanto no sábado quanto no domingo para ver pioneiros do hip hop nacional (Thaíde, 40 anos dedicados ao rap, foi um deles) e nomes em ascensão, como a rapper de BH Mac Júlia, que arrebanhou uma multidão de fãs.
Na alta madrugada, no entanto, houve brigas, principalmente durante a apresentação de Gui Marques, um dos nomes mais populares do funk belo-horizontino.
No domingo, o viaduto estava absolutamente lotado para a final da etapa estadual do Duelo de MC's nacional, que teve 16 participantes. Mesmo com policiamento reforçado, a apresentadora Colombiana alertou o público para prestar atenção nos furtos. “Isso aqui é para ser uma festa de união. Aqui é hip hop, um rolê de respeito”, la avisou.
Como ponto central da Virada, a Praça da Estação foi muito diversa. No palco, a noite de sábado foi dominada por mulheres – do samba de Adriana Araújo e do grupo Tutu com Tacacá, liderado pela cantora Ana Luísa Cosse, a Gaby Amarantos, a principal estrela da noite.
Ela veio com tudo. E de rosa, a cor do momento, assim como toda a banda. O atraso de 45 minutos não tirou ninguém da plateia. “Pão de queijo com açaí é bom, viu?”, brincou Gaby, fazendo a conexão Pará-Minas Gerais. O show foi baseado no disco “Tecnoshow” (2022).
O palco da Praça da Estação não parou durante a Virada. Mas a ressaca chegou – durante a manhã de domingo, o espaço estava com cara de fim de festa. Plateia mínima assistiu à apresentação do bloco Império Serrão: Tudo que Nóis Tem é Nóis, formado por moradores do Aglomerado da Serra.
No início da tarde, a chuva prejudicou outra atração tradicional, o Campeonato Interdrag de Gaymada – ou simplesmente gaymada. O jogo-performance criado pelo grupo teatral Toda Deseo é versão bem mais divertida da boa e velha queimada.
Para muita gente, gaymada é sinônimo de Virada. Mas não. A edição de ontem (paralisada por causa da chuva) foi a de número 113. O grupo começou a fazer a performance em vários lugares de BH – a estreia ocorreu na Praça Floriano Peixoto.
Quem quiser participa. Os atores fazem performances durante a partida, e a plateia geralmente acompanha. Parece que é só brincadeira, mas não é.
“Toda arte é política, pode e deve levantar bandeiras”, afirmou, do palco, Ju Abreu, uma das fundadoras da trupe que está completando 10 anos.
A Virada prometeu 24 horas de festa – das 19h de sábado às 19h de domingo. Foi além. Os Titãs, que encerraram o evento na Praça da Estação, subiram ao palco faltando 10 minutos para as 19h. Vazia durante o dia, a praça encheu à noite, mas esteve longe de lotar.
“Apocalipse só”, faixa do mais recente do grupo, “Olho furta-cor” (2022), abriu o show, com Tony Bellotto nos vocais. É a primeira apresentação deles em BH desde a passagem, há pouco mais de três meses, da bem-sucedida turnê “Titãs encontro – Pra dizer adeus”.
Com apenas três membros da formação original (Sérgio Britto e Branco Mello, além de Bellotto), o grupo, neste show, não quer saber muito de nostalgia, privilegiando novas canções e músicas menos conhecidas. Mesmo assim, foi uma noite de afetos e recomeços.
Branco Mello, que retirou metade da laringe em 2021 após o diagnóstico de câncer, não canta mais com a voz que gravou “Flores”. Isso ficou claro quando ele interpretou “Tô cansado”, lado B do álbum “Cabeça dinossauro”.
“A gente está muito feliz de estar aqui. Eu, particularmente, estou muito feliz por ter tirado um câncer da minha garganta. Estou aqui hoje curado e ainda vou cantar para vocês”, disse Branco.
A noite ainda reservaria novo momento de impacto, quando Britto anunciou “Caos”, outra do disco recente. “Ela é muito especial, pois foi feita para a gente pela Rita Lee, Roberto de Carvalho e Beto Lee.” Primogênito do casal, Beto assumiu uma das guitarras dos Titãs em substituição a Paulo Miklos.
*Estagiárias sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria