Aposta tida como segura em Hollywood, graças aos baixos orçamentos e ao alto poder de atrair público para as salas, o terror nem por isso resistiu à falta de criatividade que ronda os grandes lançamentos do cinema, cada vez mais voltados a personagens e histórias já conhecidas, como "Halloween" e "Pânico".





Justamente por isso, quando uma história original dentro do gênero surge, a comoção tende a ser grande. E foi assim com "Fale comigo", uma produção australiana de apenas US$ 4,5 milhões que foi disputada a tapa quando exibida no último Festival de Sundance.

Pequena, embora pop e detentora do último Oscar de melhor filme (“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”), a produtora A24 levou a melhor sobre estúdios do porte da Universal e ganhou o direito de carimbar seu prestigioso selo no filme que chegou na semana passada aos cinemas brasileiros, com uma sequência já confirmada.
 

 

"Eu lembro de quando levamos um pequeno vídeo promocional ao mercado do Festival de Cannes, para conseguir financiamento, e nos disseram para não criar expectativa. E agora nós não só garantimos distribuição mundial, como a garantimos em salas de cinema e conseguimos recuperar todo o investimento, algo que poucos australianos fazem", diz Danny Philippou.





Ele dividiu a cadeira de direção de "Fale comigo" com o irmão gêmeo, Michael Philippou, com quem se tornou uma sensação do YouTube, graças ao canal RackaRacka, que mistura comédia e terror em vídeos que chegam a quase 7 milhões de inscritos.


Clichês

Apesar da ideia original, "Fale comigo" não abandona clichês que dominam o gênero. Na trama, seguimos um grupo de adolescentes. E, também, testemunhamos sua estupidez ao brincar com o que seria uma porta de entrada de espíritos para o mundo dos vivos.

Mas as semelhanças com fórmulas gastas acabam no conceito. O tal portal é uma mão embalsamada, que teria pertencido a um homem com habilidades mediúnicas. Para se comunicar com os mortos, os adolescentes precisam tocar na parte do corpo por não mais que 90 segundos, tempo para que a brincadeira não fique perigosa.





Uma delas, Mia, atormentada pelo ainda recente suicídio da mãe, acaba passando dessa janela numa noite em que vários de seus colegas de escola decidem usar a mão como quem usa uma droga, se revezando incansavelmente no toque do objeto. Eles ficam alucinados com as visões do além que recebem e gravam tudo para as redes sociais.

É aí que mora a parte mais interessante de "Fale comigo". O filme é uma grande alegoria dos vícios das gerações que nasceram na era digital, da qual os próprios diretores fazem parte. É como se o corpo dos personagens fosse tomado pelo furor de uma nova droga sintética sempre que tocam a mão embalsamada.

Alcance

E tudo, claro, é transmitido ao vivo, aumentando o alcance da maldição que aquele contato com o além representa. "Eu tentei levar modernidade para o subgênero da possessão. Tipo, como lidaríamos com uma possessão no mundo real, com jovens? E eu não tenho dúvida de que na vida real teríamos várias câmeras registrando tudo", diz Danny.





A ideia para a trama surgiu a partir das experiências dos irmãos com vizinhos mais jovens. Um deles, conta o cineasta, estava explorando drogas e teve uma reação ruim a uma delas. "Ele estava no chão, convulsionando, e os garotos que estavam com ele, em vez de ajudar, filmavam."

A gravação chegou até eles e gerou incômodo. Juntos, misturaram o que viram com medos e ansiedades comuns à adolescência. O combinado ganhou tração entre o público, que fez nascer uma nova franquia num gênero cheio delas. 

“FALE COMIGO”
(Austrália, 2022, 94 min.) Direção: Danny Philippou e Michael Philippou. Com Elenco Sophie Wilde, Alexandra Jensen e Miranda Otto. Classificação: 16 anos. Em cartaz em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cinépolis, Cinesercla e no UNA Cine Belas Artes. 

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