A atriz Rafaela Azevedo como a palhaça Fran

A palhaça Fran é inspirada na mãe de Rafaela Azevedo, que era neurodivergente. "Sempre vi muito valor no que ela era", diz a atriz, que se apresenta hoje e amanhã em BH

Nanda Carnevali/Divulgação

'Ouvir da plateia feminina que elas nunca tinham se sentido tão seguras é a coisa que mais me emociona. Eu recebo muito esse feedback (...) Quando você consegue trazer as mulheres mais para perto, todas as vozes são ampliadas'

Rafaela Azevedo, atriz


“King Kong Fran”, solo de humor da atriz e palhaça Rafaela Azevedo, teve como ponto de partida a experiência da artista no circo. Rafaela passou a notar o machismo ao seu redor quando viu que, naquele ambiente, as mulheres só poderiam performar papéis relacionados à sedução ou à aberração, como é o caso da personagem Monga, a Mulher Gorila, ou da Mulher Barbada.

“O primeiro grupo de mulheres palhaças só surgiu em 1991, e estamos falando da palhaçaria, que é uma arte ancestral. É um dado que mostra o quanto a gente não tinha espaço para fazer isso”, afirma.  

Rafaela decidiu então unir as figuras da mulher perfeita e da mulher assustadora em uma só personagem. Aliada à sua pesquisa prévia sobre questões de gênero, a diretora contou com a ajuda de Pedro Brício na dramaturgia e da cantora Letrux na direção musical.
 

Fran, a personagem do título, já era a palhaça interpretada pela atriz há mais de 10 anos. A figura surgiu quando ela começou os estudos no teatro e no circo e está sempre presente em diversos trabalhos de Rafaela Azevedo, dos coletivos aos solos. Inspirada em sua mãe, Rosemeri, que era neurodivergente, Fran também é sucesso nas redes sociais, onde atua como uma espécie de conselheira. 

Lente de aumento

“A nossa palhaça é como uma lente de aumento na nossa personalidade. Tenho muito da minha mãe”, explica a atriz. Rafaela também conta que, embora visse a mãe como uma figura autêntica, aos olhos da sociedade ela era menosprezada e julgada como louca, inadequada. 

Para a atriz, levar essa inadequação, essa personalidade sem filtros e engraçada para um palco e dignificar isso como uma profissão é uma forma de honrar a própria mãe. “Sempre vi muito valor no que ela era, porque eu tinha a sensação de que ela era muito de verdade. Ela não tinha muitos filtros, então eu me inspirava muito na existência dela.”

Rafaela observou que, no clássico número da Monga, depois do jogo de projeções que revela a Mulher Gorila, todas as pessoas saem do circo. “Ninguém nunca ficou para ver o que acontece depois que aquele animal avança, todo mundo sai correndo.” A criação de sua Mulher Gorila contemporânea e feminista se baseia precisamente no  que aconteceria nesse momento.  

Partindo da premissa do que seria o terror para o patriarcado, Fran inverte a misoginia e direciona em cena todo o preconceito sofrido diariamente por ela e pelas outras mulheres aos homens. Na sua nova sociedade, é ela quem faz terror com os homens, em um jogo de supremacia feminina irônico e cheio de humor.

Dessa forma, Rafaela transforma o que considera sua maior vulnerabilidade em potência, lançando mão de suas maiores dores e traumas para provocar o riso na plateia. Abordando assuntos como assédio, silenciamento, sexualidade e gênero, a peça denuncia as violências, muitas vezes naturalizadas, às quais as mulheres são constantemente submetidas. 
 

'A maioria dos homens que vão assistir são homens aliados. Acho que pelo Instagram eles já vêm sabendo um pouco o que esperar. Mas é claro que um ou outro você vê que não está aberto a brincadeira'

Rafaela Azevedo, atriz

 

A estratégia utilizada para chamar a atenção para a mudança é tratar os homens da plateia como as mulheres são tratadas. Mesmo com situações incômodas, que chegam a ultrapassar alguns limites pessoais, a atriz conta que nunca chegou a ter grandes conflitos.

“Até agora, a maioria dos homens que vão assistir são homens aliados. Acho que pelo Instagram eles já vêm sabendo um pouco o que esperar. Mas é claro que um ou outro você vê que não está aberto a brincadeira.”

Produção independente

Produzido de forma independente pela atriz carioca, o solo foi criado a partir de um financiamento coletivo realizado via internet, que arrecadou R$ 30 mil para viabilizar a montagem. 

Ao longo dos 60 minutos de espetáculo, Rafaela diz que é instaurada uma espécie de utopia na qual naquele ambiente comandado por ela as mulheres não vão sofrer nada de ruim.
 
“Ouvir da plateia feminina que elas nunca tinham se sentido tão seguras é a coisa que mais me emociona”, diz. “Eu recebo muito esse feedback, as mulheres se abrem pra mim e também me agradecem pela coragem em me abrir. Quando você consegue trazer as mulheres mais para perto, todas as vozes são ampliadas”, afirma.

O espetáculo estreou em novembro passado no Rio de Janeiro e está indicado ao Prêmio de Humor 2023, nas categorias espetáculo, direção e performance. Nesta quarta (23/8) e quinta, “King Kong Fran” tem sua segunda minitemporada na capital mineira. 

No último dia 30 de julho, os ingressos para o solo foram vendidos em meia hora, lotando os 648 assentos do Teatro Sesiminas e impulsionando a abertura de uma sessão extra no dia seguinte, que também esgotou. Rafaela volta à cidade para se apresentar hoje e amanhã no mesmo teatro. Os ingressos do setor 1 já estão esgotados em ambos os dias.
 

“KING KONG FRAN”

Solo de humor da atriz e palhaça Rafaela Azevedo. Nesta quarta (23/8), às 20h, e na quinta (24/8), às 21h, no Centro Cultural Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Ingressos à venda no site Sympla. Plateia I: esgotados. Plateia II: R$ 80 (inteira) e R$40 (meia).

*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes